A semelhança de Nossa Senhora com o Espírito Santo

A Anunciação. Stefano d’Antonio di Vanni (Italiano, 1405-1483) e Bicci di Lorenzo (Italiano, 1373-1452), ca. 1430. Têmpera e folha de ouro no painel.

“Hoje a Santa Mãe Igreja celebra solenemente o envio do Espírito Santo aos Apóstolos, que o profeta [Davi], com espírito profético, pedia dizendo: ‘Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado’. Com estas palavras, podemos considerar quatro aspectos, são eles: a propriedade do Espírito Santo, a própria missão, o poder do enviado, e a matéria receptiva deste poder. Diz, portanto, Enviai: a missão; o Vosso Espírito: a Pessoa enviada; e tudo será criado e renovareis: o efeito do enviado; a face da terra: a matéria receptiva deste efeito.”

Assim diz Santo Tomás no sermão para a festa de Pentecostes. No entanto, para essa demonstração, basta o primeiro aspecto que o santo comenta: a propriedade do Espírito Santo. A respeito dela, diz o Aquinate: “Deve-se notar que o nome Espírito parece portar quatro aspectos: a) a sutileza da substância; b) a perfeição da vida; c) o movimento impulsionador e d) a sua origem oculta.

Quanto à sutileza da substância, “veremos que o Espírito Santo é amor. A quem? A Deus e àqueles que amam a Deus. E é em razão do amor que o Espírito Santo possui a sutileza da substância. […] Com efeito, o amante se une à coisa amada pelo amor.”

Quanto ao movimento e a perfeição da vida, deve-se dizer que “ninguém é santo sem que o Espírito Santo o santifique. Mas de que modo Ele santifica? Digo que Ele faz aparecer naqueles que santifica cada uma das coisas que foram ditas. Porque àqueles que santifica torna sutis e cheios de desprezo pelas coisas temporais”. Ademais, “as obras do Evangelho e os dons do Espírito Santo são para nós armas contra o mundo, a carne e o demônio, que nos firmam na luz […].”[1] Os dois aspectos estão relacionados, pois “Deus move pela vontade” e esta vontade “certamente é o amor”. Assim, “o que é movido pelo amor se alegra pelo amor da coisa amada e se entristece pelo seu contrário”.

Quanto ao último aspecto, a origem oculta, deve-se dizer que é oculta porque vem de Deus, Pai e Filho, “que habitam na luz inacessível que não foi nem pode ser vista por nenhum homem” (1Tm 6, 16). [2]

De modo bem breve são estas as considerações que Santo Tomás aplica à propriedade do Espírito Santo. Mas de que modo isso pode se aplicar à Nossa Senhora? Ou talvez deva-se perguntar: isso se aplica à Nossa Senhora?

Respondendo primeiro a última questão: sim. Isto se aplica à Nossa Senhora. Quanto ao modo, deve-se dizer que “depois que este Amor substancial do Pai e do Filho desposou Maria para produzir Jesus Cristo, o chefe dos eleitos, e Jesus Cristo nos eleitos, Ele jamais a repudiou, porque ela sempre foi fiel e fecunda. É por isto que ela é a indissolúvel esposa do Espírito Santo.”[3] Desse modo, há entre o Espírito Santo e Nossa Senhora um Amor de preferência – pois ele a preferiu -, uma união forte e indissolúvel, e direitos recíprocos, pois o que convém a Deus pela natureza, convém à Nossa Senhora pela graça.[4]

Dito isto, convém dizer que “a caridade dá vida à alma […] Deus habita em nós pela caridade. […] ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e a ele viremos e nele faremos morada’ (Jo 14, 23). Mas quem não faz a vontade de Deus não ama perfeitamente a Deus, pois ‘é próprio dos amigos a identidade do querer e do não-querer’”. Ora, quem mais do que Nossa Senhora fez a vontade de Deus. Quem ousaria dizer “ecce ancilla Dómini” tal como ela disse? Ela, mais do que ninguém, guardou em seu coração a palavra de Deus (Sl 118, 11), não só pelos mandamentos, mas substancialmente. Portanto, se apropriadamente se diz do Espírito Santo que em “razão do amor [possui] a sutileza da substância”, também à Nossa Senhora deve-se dizer que em razão do amor ela possui a sutileza de sua substância.

Quanto ao aspecto de motor e perfeição da vida, convém aplicar à ela o que São Jerônimo diz a respeito do Gênesis[5]: “o que em nossos livros está escrito ferebatur, no hebraico está marahaefeth, o que podemos chamar de “debruçava” ou “aquecia”, à semelhança da ave, que dá a vida aos ovos pelo calor. De onde podemos entender o que se diz […] do Espírito Santo, que é dito desde o princípio como o vivificador de todas as coisas.”[6] Debruçava-se para “produzir as coisas no ser”. Ora, Nossa Senhora se debruça sobre nós para nos dar as graças de Deus, pois ela é o canal que Deus quis usar para vir a nós e para derramar as graças em nós. Dela pode-se dizer “Pois convosco está a fonte da vida” (Sl 35, 10), isto é, Nosso Senhor. Ou seja, com ela está a vida da graça. E por isso, ela é perfeição da vida.

É motor porque sendo o movimento produto da vontade, ela nos impele, dilata o nosso coração e nos faz buscar a Deus: “corri pelos caminhos dos teus mandamentos, quando dilatastes o meu coração” (Sl 118, 32).

Finalmente, sua origem é oculta, pois ela “ficou muito escondida na sua vida, por isso é chamada pelo Espírito Santo e pela Igreja: Alma Mater, Mãe escondida e secreta” (PLESSIS, p. 57). Foi escondida dos pais, dos anjos e dos homens, por isso São Luis de Montfort diz que mesmo os anjos perguntavam: Quem é esta?

 

Por um religioso amigo da Congregação Mariana.

Referências

[1] Sermão Abiciamus opera tenebrarum.

[2] Comentário de Santo Tomás ao Evangelho de São João.

[3] Comentários ao Tratado da Verdadeira Devoção. Pe. Armand Plessis, p. 128.

[4] Quidquid convenit ad Iesum per naturam, convenit ad Mariam per gratiam.

[5] “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1, 2).

[6] Quaestiones Hebraicae in Genesim, São Jerônimo.

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