Santo Inácio e a Educação Católica

Nos primeiros anos após sua conversão, S. Inácio, em seu espírito de cavalaria que, como nobre espanhol, viveu toda a vida, pendurou sua espada ao lado da imagem de Nossa Senhora, como símbolo de que, dali para frente, sua vida seria não mais de guerra humana,  animada por ambições mundanas, mas de combate espiritual e cavalaria espiritual. Ele se propunha, ali, a se tornar um verdadeiro soldado de Cristo.

Por volta de 1523, já tinha em mente os princípios gerais que regeriam o seu trabalho futuro: Soldados de Cristo – mas não quaisquer soldados, mas sim compani, militares de ponta que protegiam e acompanhavam os nobres para a guerra – Daí o nome Companhia de Jesus. S. Inácio queria, inicialmente, converter os turcos na Palestina, mas tendo esse objetivo frustrado, S. Inácio retorna para a Europa com uma visão mais geral para sua Companhia: Defender o Reinado de Cristo.

Santo Inácio entrega sua espada à Nossa Senhora

Quando S. Inácio decidiu devotar sua vida como miles christi, ele compreendeu a necessidade da verdadeira educação. Por isso, com 33 anos, em 1524, o antigo capitão militar não se envergonha de sentar junto às crianças na escola de Barcelona para estudar, finalizando seus estudos superiores dez anos depois, em 1534, ano do nascimento da Companhia de Jesus.

A companhia de Jesus

O objetivo da Companhia de Jesus está claramente expresso em seu lema: Omnia ad majorem Dei Gloriam – Tudo para a maior glória de Deus. Por isso, era dever dos membros trabalhar no crescimento pessoal na virtude e na salvação do próximo com mesmo zelo, através dos exercícios espirituais, das missões e pregações, da defesa da fé, dos escritos apologéticos contra os hereges e infiéis, do ensino do catecismo às crianças e ignorantes, do magistério de filosofia e teologia das universidades e, de maneira especial, através da educação dos jovens nas escolas e colégios.  Tal era a importância da educação para a Companhia que ela foi considerada por muitos1 como uma ordem destinada para o ensino da juventude – e, formalmente, a primeira delas.

Outras ordens antes da Companhia de Jesus se dedicaram de maneira extraordinária ao ensino, como os Beneditinos e os Dominicanos; mas nenhuma ordem até ali havia se responsabilizado pela educação dos jovens em suas Constituições, nem pela educação no sentido mais largo, antes priorizando os estudos mais elevados como Filosofia e Teologia.

S. Inácio foi, por isso, o primeiro a assumir a educação da juventude como obra essencial de uma ordem religiosa, como um verdadeiro ministério, como um meio para atingir o objetivo da sua Companhia: A maior glória de Deus e a salvação das almas. Ao contrário dos humanistas radicais da época, S. Inácio via como absolutamente necessário instigar não apenas os conhecimentos naturais, mas também os princípios da verdadeira religião na mente dos meninos, pois como diz o sábio: Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele (Pv 22,6).  Santo Inácio marca, por isso, o início de uma importante época na história da Educação Católica.

O método inaciano

Mesmo os historiadores protestantes2 e humanistas do século XVI e XVII admitem que as escolas católicas jesuítas foram um enorme sucesso que em muito superava as outras. Isso se deve à exatidão e fina distinção dos princípios e métodos da Companhia.

Além do método, muito também se deve aos professores, que interessados em fins elevados, distinguiam-se em esforço e capacidade dos demais professores, até então muito desprestigiados socialmente. Compromissados com a mais nobre das causas, a salvação das almas, os jesuítas levavam a educação como um dever de apostolado, e no duplo influxo de dever e honra, extraíam o melhor dos jovens confiados a eles.

Os princípios e características da Companhia de Jesus estão descritos nas suas Constituições, escritas por S. Inácio e aprovadas pelo papa Paulo IV durante o mandato de James Lainez, segundo Superior Geral da Companhia, sucessor de S. Inácio eleito em 1558. A quarta parte das constituições contém os princípios gerais sobre a educação dos jovens. Esses princípios seriam aprofundados e pormenorizados posteriormente, segundo o próprio desejo de S. Inácio.

O número de colégios jesuítas cresceu rapidamente por toda a Europa, mesmo antes da morte de S. Inácio. Mas  embora fossem animados pelos mesmos princípios, esses colégios não tinham ainda um sistema uniforme de educação. Até então, seguia-se mais ou menos o sistema comum à época, aplicando os princípios conforme as constituições gerais. Isso mudou com o Pe. Cláudio Aquaviva, o Quinto Superior Geral da Companhia, que a dirigiu de 1581 a 1615, que também foi responsável pela aprovação das Primeiras Regras da Congregação Mariana. Em 1584, o Pe. Aquaviva reuniu em Roma seis experientes educadores, eleitos entre os membros da Ordem de vários países, com o objetivo de formar o sistema de educação da Companhia para ser aplicado em todo o Mundo. Após anos de trabalho e desenvolvimento3, foi concluída e promulgada pelo Pe. Aquaviva a Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu, fruto de muitas orações, longos e pacientes esforços e a combinação da sabedoria de toda a ordem

A educação dos jovens era considerado tão importante na Companhia que o quarto voto claramente a menciona: Juro por obediência um cuidado especial pela educação dos jovens.

Diz o primeiro parágrafo da Ratio Studiorum:

Por ser um dos principais ministérios da nossa Companhia ensinar todos os ramos de conhecimento que, de acordo com nosso Instituto, podem ser ensinados, de modo a levar os homens ao conhecimento e amor ao Criador e ao Redentor, o Provincial deve considerar seu dever zelar com toda diligência e empenho para que os frutos que a graça da nossa vocação requer correspondam aos nossos esforços em nossas escolas

Faremos um aprofundamento sobre a Ratio Studiorum em outro artigo.

Visto tudo isso, não é difícil perceber a crucial importância da que a Companhia de Jesus deu à Educação Católica desde seu princípio. Ver, na educação da juventude, um apostolado, um meio de salvação e segurança para a vida cristã, sempre aliado à verdadeira formação intelectual para a vida e profissão, é o que distinguiu a pedagogia inaciana diante dos trabalhos análogos empreendidos pelos protestantes e humanistas radicais, sendo esta responsável pela formação de algumas das maiores mentes da história moderna. Não podemos deixar de lembrar as palavras do Redentor: Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo mais vos será acrescentado4.

As Congregações Marianas e a educação católica

Nascidas também da Companhia de Jesus, as Congregações Marianas herdaram muito de sua espiritualidade. De fato, até a supressão da companhia de Jesus em 1773, todas as Congregações Marianas existiam em casas ou colégios da Companhia de Jesus. Após a supressão, Congregações Marianas foram criadas fora das asas da Companhia de Jesus, sem perder, no entanto, o cerne de sua espiritualidade.

Com grande zelo apostólico, embora nossas regras não mencionem, nas instruções sobre como deve ser uma congregação sempre se menciona como obra essencial de uma Congregação a fundação ou ao menos o apoio a escolas católicas. Isto se dá não por mera propaganda, nem por uma veleidade, motivos muito fracos diante dos desafios de prover uma educação verdadeiramente católica nos últimos séculos – sobretudo no século em que vivemos, em que a educação católica passa por uma crise sem precedentes.

O motivo da educação católica ter sido um dos pontos de inflexão da Companhia de Jesus, ganhando notável destaque em suas constituições, e de ser também um dos objetivos mais críticos e urgentes da Congregação Mariana não é outro senão aquele que nosso precursor colocou tão bem nestas palavras: Omnia ad majorem Dei gloriam et salus animarum.

  1. Cf Prof. Paulsen in Geschichte des gelehrten Unterrichts, vol I, pg. 382
  2. Como Paulsen e Ranke, ibid
  3. A criação da primeira versão da Ratio demorou pouco mais de um ano. Em 1586 se fez seu primeiro rascunho, e de 1586 a 1591 ela foi colocada para discussão, crítica, melhorias, correções, de modo a aperfeiçoa-la. Em 1591, foi enviada para as províncias e após mais oito anos de trabalhos e melhorias, foi concluída em 1599
  4. Fontes deste artigo

    • Ratio Studiorum de 1599
    • Jesuit Education – It’s History and Principles
      Robert Schwickerath SJ. 1904

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