É a Missa que importa!

Pe. William Frederick Faber (1814 – 1863), superior do Oratório de Londres, dedicou-se arduamente à conversão da Inglaterra, mas percebeu, com tristeza, que isso não aconteceria. Ele não tinha dúvidas disso, e não hesitou em lamentá-lo: “E você se pergunta por que não convertemos a Inglaterra!? Verdadeiramente, não parece que nós viemos acender fogo sobre a terra, nem que estamos ansiosos porque não se acende”.

Em 9 de junho de 1549, na Festa de Pentecostes, a imemorável missa em latim1, trazida à Inglaterra por S. Agostinho de Canterbury quase mil anos antes, em 597, foi substituída por uma nova missa inglesa ou ofício de comunhão, composta por Thomas Cranmer, o Arcebispo apóstata de Cantuária. O livro de orações contendo a nova liturgia havia sido imposta com a autoridade de Eduardo VI, o jovem e doente filho de Henrique VIII e sua terceira esposa, Jane Seymour. Eduardo ascendera ao trono em 1547 e não era mais do que o fantoche de um Conselho dominado pelos protestantes estabelecido para governar o país até que ele atingiu a maioridade – o que, é claro, nunca aconteceu.

Embora Henrique VIII tivesse usurpado o lugar do Papa na Inglaterra e em Gales, pouco havia realmente mudado na vida religiosa do país. As tradicionais leis contra a heresia foram aplicadas de forma muito mais severa na Inglaterra do que em qualquer país católico e o Missal latino permaneceu inalterado, exceto pela remoção da festa de S. Tomás de Canterbury e as orações pelo Papa no Canon da Missa.

Thomas Cranmer, como todos os reformadores revolucionários, odiava a Missa como se fosse um inimigo vivo; mas, enquanto Henrique reinava, Cranmer conteve seu ódio a fim de evitar se arriscar a perder a cabeça. O simples repúdio da pessoa do Papa não lhe era suficiente nem lhe causava a menor satisfação, porque o que ele considerava como o “papado” permanecia, e isto era a própria Santa Missa. Era a missa que importava, não apenas para os católicos, mas também para os protestantes.

Assim que Eduardo foi coroado, Cranmer começou a trabalhar em seu célebre Prayer Book, que continha uma nova missa, ou serviço de comunhão. Deveria ser celebrado inteiramente na língua vernácula, em inglês, com a comunhão sob as duas espécies e sem uma única referência específica à sempre odiada doutrina do sacrifício propiciatório que era oferecido na Missa.

Na aldeia isolada de Samford Courtenay no Condado de Devonshire, os paroquianos da Igreja de S. André estavam presentes na primeira ocasião em que um rito eucarístico diferente da imemorial missa em latim foi celebrada em um dos respeitáveis santuários ingleses. Os fiéis ouviram a nova missa, leram-na, discutiram-na e decidiram que não a queriam. Disseram, então, ao seu pároco, Pe. Harper, que eles iriam manter a fé de seus antepassados e que ele deveria manter o antigo missal e rezar a missa como eles estavam acostumados em toda a sua vida. Pe. Harper concordou. A luta pela Missa havia começado, e foi uma iniciativa inteiramente dos leigos.

O historiador protestante Maurice Powickle explicou com admirável clareza por que a nova missa de Cranmer foi considerada um ultraje para dezenas de milhares de humildes católicos em toda a Inglaterra

A verdadeira causa da oposição do clero rural e dos camponeses de Devonshire era a prova que o Prayer Book dava de que todas as agitações e mudanças dos últimos anos realmente terminariam em uma divisão permanente entre o presente e o passado, e o que era estranho, seria imposto

A notícia da restauração da missa em latim em Samford Courtney se espalhou por Devonshire e, para citar um relato contemporâneo,

como uma nuvem carregada com um vento violento, como um trovão soando por todo o país: e as pessoas comuns gostaram tanto da notícia que, batendo palmas de alegria, concordaram em uníssono de fazer o mesmo em todas as suas paróquias.

E de fato o fizeram, pois a Missa em Latim voltou a muitas paróquias em Devonshire.

O Duque de Somerset, Presidente do Conselho, percebeu que teria que abandonar a Reforma e devolver a Missa em Latim às pessoas, ou reprimi-las usando os mercenários estrangeiros que ele havia reunido para uma invasão da Escócia.

Os camponeses de Devonshire se uniram aos homens da Cornualha que haviam crescido independentemente e que tinham uma razão adicional para não gostar do Livro de Oração de Cranmer – a saber, que a maioria deles não sabia falar inglês, sendo sua língua nativa uma língua celta diferente de galês. Vários cavalheiros de Devonshire se juntaram aos camponeses e, com os cavalheiros para liderá-los, os rebeldes formaram uma força organizada. Eles logo obtiveram o controle efetivo do oeste do país. A natureza religiosa da rebelião é esclarecida pelas quinze exigências dos rebeldes, dos quais os seguintes exemplos são típicos:

  • Manteremos a Missa em Latim, como sempre tivemos;
  • Teremos o Santíssimo Sacramento colocado sobre o Altar-mor, e lá ele será adorado como sempre foi, e aqueles que não o fizerem, nós os mataremos como hereges contra a Santa Fé Católica;
  • Teremos as sagradas imagens de volta em todas as igrejas, e voltaremos com todas as antigas cerimônias usadas pela nossa mãe, a Santa Igreja;
  • Não adotaremos a nova liturgia, pois ele mais parece um jogo de Natal, mas teremos nosso antigo ofício com Matinas, Missa, músicas e procissão em latim, como era antes.

Ao insistir que era a Missa que importava, e que ela importava mais do que qualquer outra coisa, os humildes camponeses de Devon e Cornwall demonstravam um profundo instinto católico, um verdadeiro sensus católico. Sua convicção de que, se a missa pudesse ser destruída, a própria fé seria destruída era algo que eles compartilhavam com o arqui-herege Martinho Lutero, que uma vez disse: “Uma vez que a Missa tenha sido derrubada, eu digo que teremos derrubado todo o papado”. A heresia protestante foi dirigida principalmente não contra o papado, mas contra a missa.

Os católicos do oeste exigiram que aqueles que não aceitassem suas demandas “morressem como hereges contra a Santa Fé Católica“. Mas, no fim, foram eles que morreram quando a rebelião acabou sendo esmagada – principalmente devido à presença de mercenários estrangeiros. O exército católico lutou em batalha após batalha com uma coragem que até mesmo seus oponentes reconheceram, mas apenas um resultado era possível: A batalha final aconteceu em Kings Weston, em Somerset, no dia 29 de agosto. Exaustos pelas marchas forçadas, os católicos não estavam em condições de resistir ao exército real. Depois de “grande massacre e execução”, eles foram destruídos, deixando 104 homens prisioneiros. Individualmente ou em pares, foram enforcados em várias cidades de Somerset 2

Pelo menos quatro mil homens do oeste do país morreram pela Missa Tradicional nas mãos do exército real, um número enorme na época. A nova missa em inglês recebeu seu batismo de sangue. Em suas mortes como em suas vidas, os camponeses do oeste mostraram que para eles era verdadeiramente a Missa que importava. Algumas palavras das Escrituras parecem ter sido escritas especificamente para esses mártires da Missa:

Aos olhos dos insensatos pareciam morrer, a sua saída deste mundo é considerada como uma infelicidade e a sua separação de nós como um aniquilamento, mas eles estão em paz. Se eles sofreram tormentos aos olhos dos homens, a sua esperança está cheia de imortalidade. Depois duma leve tribulação, receberão uma grande recompensa,
porque Deus, que os provou, achou-os dignos de si. Ele os provou como ouro na fornalha, e aceitou-os como um holocausto.

Depois da imposição da nova ordem uniforme de adoração no verão de 1549, e da supressão dos levantes populares, o ritmo do movimento protestante se acelerou. Um ato do Parlamento, reforçado por uma proclamação real, ordenou que se exigisse a destruição de todos os antigos missais “supersticiosos”, que os católicos continuaram a usar; os bispos reformadores diligentemente procuravam quaisquer elementos da superstição papista que haviam sobrevivido na liturgia; igrejas foram despojadas de suas vestes, e textos voltados contra a Presença Real do Santíssimo Sacramento na Eucaristia e a Santa Missa foi pintada nas paredes. Esta fase da Reforma eduardiana é descrita como “puramente destrutiva” pelo professor protestante Bindoff3

No coração da reforma de Eduardo estava a necessidade de destruir, cortar, martelar, raspar ou derreter em um merecido esquecimento os monumentos do papado, a fim de que as doutrinas que esses elementos incorporassem pudessem ser esquecidas. O iconoclasmo era o sacramento central da reforma e, à medida que o programa dos líderes se tornava mais radical nos anos entre 1547 e 1553, eles procuravam com maior urgência a celebração desse  sacramento do esquecimento em todas as paróquias da terra. Os relatos dos visitantes da época testemunham uma remoção indiscriminada das imagens, vestimentas e vasos que haviam sido a maravilha dos visitantes estrangeiros para o país, e na qual a memória coletiva das paróquias foi, literalmente, consagrada.

A revolução litúrgica de Cranmer era tão amargamente ressentida pelos fiéis comuns que muitos poderiam ser induzidos a cuidar dos novos serviços apenas pela ameaça de sanções legais. Mons. Philip Hughes escreve:

O novo Ato de 1552 começou lamentando que, não obstante “a ordem muito piedosa estabelecida pela autoridade do Parlamento para a oração comum na língua materna”, algo “muito confortável para todas as pessoas boas” desejando viver uma vida cristã, “um grande número de pessoas em várias partes deste reino se recusam a ir às suas igrejas paroquiais e outros lugares onde a Oração Comum é usada “. Assim, não comparecer nos cultos aos domingos e dias santos tornava-se um crime.

Além disso, uma nova lei foi instituída: qualquer um que estivesse presente em liturgias, administração dos sacramentos, pregações e ofícios nas igrejas em qualquer outro rito que não fosse o Livro de Orações Comum deveria ser preso por seis meses na primeira vez, por um ano na segunda e receberia prisão perpétua na terceira.

Estas são as primeiras penalidades a serem decretadas na Inglaterra pelo novo crime de assistir a Missa Católica, ou de receber os sacramentos como foram recebidos desde que Santo Agostinho veio para converter os ingleses, quase mil anos antes.

Eduardo VI morreu em 1553, e Maria, a devota filha católica de Catarina de Aragão, subiu ao trono determinada a restaurar a fé católica, a qualquer custo. Logo após sua ascensão ao trono a missa tradicional em latim estava sendo celebrada nas igrejas de Londres não por mandamento, mas simplesmente pela devoção do povo, e as notícias do retorno da missa antiga estavam chegando sem oposição em todo o país.

A restauração da fé católica sob Maria Tudor, com a reaproximação  com o papa e a restauração da missa tradicional em latim, foram recebidos com entusiasmo por todos – exceto por alguns protestantes fanáticos. A rainha Maria morreu no dia 17 de novembro de 1558, enquanto a missa se celebrava em seu quarto.

A meia-irmã de Maria I, Elizabeth, foi coroada como católica e prometeu reinar como católica, mas quebrou sua palavra quase imediatamente e voltou ao protestantismo, pois isso lhe dava tanto controle religioso quanto político sobre seus súditos – 99% dos quais ainda eram católicos. Sob Elizabeth, o objetivo era a extirpação do catolicismo durante sua vida. Isso deveria ser feito através da promulgação de leis que forçariam o povo católico a escolher entre a fé e a ruína financeira, a prisão e, em alguns casos, a morte.

Ela retornou a imposição de uso do Livro de Oração Comum de 1552 de Cranmer, agravando os crimes aos clérigos que mantiverem o uso de outra liturgia. Além disso, tornou-se crime para qualquer um se ausentar do culto dominical em sua igreja paroquial. Todos os ingleses eram agora obrigados por lei a frequentar a igreja paroquial todos os domingos e dias santos, sob pena de uma multa de doze pences por dia em que estivessem ausentes. Penalidades pesadas também foram impostas para qualquer um considerado culpado de ajudar na missa em latim proibida.

O primeiro padre missionário chegou no reino em 1574. Seu nome era Lewis Barlow, um galês de Pembrokeshire. Mas a essa altura a grande maioria dos católicos já havia sido levado ao que provou ser um irreversível hábito de compromisso: A atitude do católico típico durante a primeira década do reinado de Elizabeth foi muito diferente da de seus antepassados ​​em 1549. Está bem resumida em The Reformation in England, de Mons. Hughes: “A vasta maioria da nação não foi afetada por nenhum desejo de se revoltar da antiga fé, mas é igualmente verdade afirmar que eles não se comoveram com grande desejo de defendê-la.”

Eles certamente não tinham a vontade de acender um fogo sobre a terra. A maioria dos católicos ingleses acabou cedendo à pressão constante e tenaz do governo, perdeu contato com a missa tradicional e passou a frequentar a nova missa. Essa apostasia quase universal, o verdadeiro ponto de virada na história religiosa da Inglaterra, não foi uma rendição repentina e espetacular. Foi gradual, lenta, cumulativa e, nos seus efeitos, permanente.

Os católicos que iam para as liturgias anglicanas eram um corpo suficientemente grande para receberem um nome especial, os papistas da igreja: fiéis anglicanos para propósitos legais, mas papistas em solidariedade. Foi a nova liturgia que acabou destruindo a antiga fé destes. Apenas um punhado dos católicos mais fervorosos se recusou a participar dos serviços do Livro de Oração, e a lei lex orandi, lex credendi se impôs inevitavelmente nos demais. Aquilo que você ora é aquilo que você deve acreditar. Mons. Hughes escreve:

Uma vez que esses novos ritos sacramentais, por exemplo, se tornaram o hábito do povo inglês, a substância da reforma doutrinária, vitoriosa agora no norte da Europa, teria transformado a Inglaterra também. Quase insensivelmente, com o passar dos anos, as crenças consagradas nos ritos antigos, e agora em desuso, e mantidas vivas por esses ritos nas mentes e afetos dos homens, desapareceriam – sem a necessidade de qualquer esforço missionário sistemático para pregá-las

Em outras palavras, o que aconteceu foi a destruição do catolicismo por meio do compromisso da vasta maioria dos católicos ingleses com a reforma litúrgica Elizabetana. Em seu reinado de 45 anos, duas gerações de ingleses haviam atingido a idade adulta sem nunca terem tido contato com uma missa em latim, ou tendo seus corações e mentes elevados a Deus, repetindo as palavras de Eamon Duffy “pelas imagens, vestimentas e cerimônias que tinham sido a maravilha dos visitantes estrangeiros para o país, e em que a memória coletiva das paróquias foram, literalmente, consagradas“.

O protestantismo parecia ter triunfado totalmente, mas ainda havia alguns que se recusaram a se comprometer. O professor protestante Owen Chadwick explica: “Um pequeno número não se reconciliou com a mudança e preferiu manter seu culto tradicional em outras terras. Esses homens não foram atraídos pela cal e pela destruição ou por ver vestimentas, vasos, imagens, capas, altares e incensários sendo vendidos no mercado aberto “.

Acima de tudo, foram os jovens que foram para os seminários na Europa que preservaram a fé na Inglaterra. Eles voltaram para dar a missa para o povo e muitas vezes para dar a vida pela Missa, a missa tradicional latina que é encontrada no Missal de São Pio V.

Os católicos recusantes tinham assim, de volta, o tesouro negado àqueles que os tratavam com tanto desprezo, a missa de São Pio V – “a coisa mais bela deste lado do céu“, como o padre Faber expressou. Essa era a pérola de grande valor pela qual estavam dispostos a dar tudo o que possuíam – e de fato davam. Os vencedores tinham as igrejas e catedrais que haviam sido construídas para a celebração da missa tradicional em latim, e só os vencidos tinham a missa. Mas era a missa que importava.

É realmente a Missa que importa, e tenho certeza de que todos os que lerem concordarão que a maneira pela qual o sacrifício sagrado é oferecido também importa. Porque a Missa é a apresentação do Sacrifício do Calvário, deve ser consagrado em um rito da maior reverência e dignidade possível, um ritual no qual a natureza inspiradora do sacrifício que oferecemos é manifestada em cada oração e em cada gesto ritual. Por 1500 anos, o rito da Missa se desenvolveu de maneira natural e quase imperceptível, com o acréscimo de novas orações e cerimônias que deram cada vez mais expressão litúrgica à sua natureza sacrificial, mas sempre em conformidade com o princípio fundamental da fidelidade à tradição.

Os protestantes do século XVI rejeitaram o princípio da fidelidade à tradição em favor do princípio da destruição da tradição. Sua preocupação não era reformar a ordem existente, mas introduzir uma nova que se conformasse com suas crenças heréticas. Escreve o Pe. Adrian Fortescue, um dos grandes liturgistas ingleses:

Os reformadores protestantes naturalmente causaram devastação na antiga liturgia. Isso aconteceu precisamente por causa da expressão, na liturgia, das doutrinas da Presença Real, do Sacrifício e assim por diante, que eles rejeitavam, e por isso substituíram os Ofícios e a Liturgia por novos, de modo que ela agora fosse uma expressão fiel dos seus princípios, o que rompeu completamente com toda a evolução litúrgica histórica

Seria impossível exagerar a importância da insistência do padre Fortescue de que, ao compor novas liturgias, os reformadores protestantes romperam completamente com toda a evolução histórica litúrgica“. A história, portanto, deixa claro para nós a distinção entre verdadeira e falsa reforma litúrgica. A essência de uma verdadeira reforma litúrgica é que não contém nenhuma revisão drástica das tradições litúrgicas que nos foram entregues. Sua característica mais evidente é a fidelidade a essas tradições e doutrinas.

A reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio Vaticano II deveria, como a da Reforma Protestante, ser chamada não de reforma, mas de revolução. Ela, também, “se separou totalmente de toda a evolução litúrgica histórica“. Não é necessário que a doutrina católica seja expressamente atacada por um rito se torna-o menos firme; a supressão das orações que deram expressão litúrgica à doutrina por trás do rito é mais do que suficiente para causar preocupação. A supressão no Novus Ordo Missae, a nova missa, de tantas orações da missa tradicional é uma causa não apenas de preocupação, mas de escândalo, sobretudo porque, em quase todos os casos, foram as mesmas orações reprimidas por Lutero e por Thomas Cranmer.

A missa do Papa Paulo VI é válida e não contém nenhuma heresia4, mas a supressão das orações que deram expressão litúrgica à doutrina por trás do rito é mais do que suficiente para causar preocupação para todos aqueles fiéis que, como os mártires de Devon e Cornwall, possui um verdadeiro sensus Catholicus.

O fato de a missa do Papa Paulo VI, celebrada em tantas paróquias hoje, constituir uma ruptura com o autêntico desenvolvimento litúrgico, foi afirmado pelo próprio Papa Bento XVI, então cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, no prefácio ao livro de Mons. Gamber:

Joseph A. Jungman havia definido em seu tempo a liturgia como uma “liturgia fruto de um desenvolvimento“. […] O que ocorreu após o Concílio Vaticano II foi algo completamente distinto: no lugar de uma liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, introduziu-se uma liturgia fabricada. Escapou-se de um processo de crescimento e de devir para entrar em outro de fabricação. Não se quis continuar o devir e o amadurecimento orgânico do que existiu durante séculos. Foi substituído, como se fosse uma produção industrial, por uma fabricação que é um produto banal do momento

Como foi o caso durante o reinado de Elizabeth I, os contemporâneos papistas da igreja que participam todos os domingos no que muitas vezes podem ser chamados de paródias litúrgicas, cresceram acostumados com tudo isso. Seus filhos vêem como normal termos mesas no lugar de altares, acólitas femininas, presbitérios cheios de ministros extraordinários da comunhão, a comunhão de pé, nas mãos, as palmas, as brincadeiras, as conversas, as músicas vazias no lugar do gregoriano. Como os filhos dos papistas da igreja elisabetana, duas gerações de católicos pós-Vaticano II atingiram a idade adulta sem nunca terem conhecido a tradicional missa em latim e os sentimentos de admiração, reverência e a presença majestosa de Deus que ela evoca.

“Mantenha a Fé” foi o lema dos fiéis católicos resistentes durante o reinado de Elizabeth I e ​​não se pode manter a fé em acomodação: o efeito de décadas de participação em uma celebração típica da nova missa pode ser idêntico ao efeito de décadas de assistência dos papistas da Igreja aos serviços anglicanos durante o reinado de Elizabeth I. Parafraseando Mons. Hughes, à medida que os anos passam, as crenças consagradas nos ritos antigos, e agora em desuso, e mantidas vivas por esses ritos nas mentes e afeições dos homens, desaparecem.

Diz Mons. Klaus Gamber

A reforma litúrgica, saudada por muitos sacerdotes e leigos com muito idealismo e grandes esperanças, tem se mostrado, cada ano que passa, uma desolação litúrgica de proporções inconcebíveis. Em lugar da esperada renovação da Igreja e da vida eclesiástica, estamos assistindo a um desmantelamento dos valores da fé e da devoção, que nos tinham sido transmitidos e em lugar de uma renovação fecunda da liturgia, contemplamos uma destruição da mesma, que se tinha desenvolvido organicamente no transcurso dos séculos.

e continua o Mons. Gamber, resumindo o efeito da reforma pós-conciliar em uma sentença devastadora

Neste momento crítico, o rito romano tradicional, de mais de mil anos de antiguidade, foi destruído. E junto, todo o universo da fé, de que era parte, e que foi no transcurso dos séculos fonte de piedade e de valentia para confessar a fé.

Mencionei a Ascensão Ocidental dos católicos recusantes ingleses não por mero interesse histórico, mas porque nós hoje, como os mártires de 1549, estamos envolvidos em um conflito, e o que está em jogo é a Missa, o precioso dom da Santa Eucaristia, que é visto hoje como não mais que símbolo por mais de 80% dos católicos americanos em 1995, número não isolado, mas universal. E junto com a Missa, o que está em jogo é toda a nossa Fé. Estamos engajados em uma guerra com os mesmos objetivos que os mártires do Oeste, e quando temos em mente os sacrifícios que eles fizeram porque a Missa realmente importava para eles, deveríamos estar preparados para fazer os sacrifícios necessários pela Missa Tradicional, sacrifícios que envolvem tempo, esforço, dinheiro e suportar a desaprovação ou até mesmo a ridicularização de outros católicos, clérigos e leigos.

Não sejamos como aqueles católicos na Inglaterra elisabetana que embora não tenham tido nenhum desejo acentuado de se revoltarem contra a antiga Fé, não foram movidos por nenhum grande desejo de defendê-la. Como os mártires ocidentais, digamos: “Manteremos a Santa Missa em Latim, como sempre tivemos; Teremos o Santíssimo Sacramento colocado sobre o Altar-mor, e lá ele será adorado como sempre foi; Teremos as sagradas imagens de volta em todas as igrejas, e voltaremos com todas as antigas cerimônias usadas pela nossa mãe, a Santa Igreja; Não adotaremos a nova liturgia, mas manteremos nosso antigo ofício com Matinas, Missa, músicas e procissão em latim, como sempre foi.”

Aqueles de nós que lutam por nossa herança litúrgica latina podem ser chamados de reacionários, ignorantes ou mesmo acusados falsamente de cismáticos, mas, na realidade, estamos na tradição direta dos Macabeus do Antigo Testamento. O comentário sobre a missa para o vigésimo segundo domingo após o Pentecostes no Missal Diário de St. Andrew declara:

Uma das lições mais importantes que podem ser tiradas dos livros de Macabeus … é a reverência devida às coisas de Deus. O que geralmente se chama a rebelião dos Macabeus era, na realidade, um magnífico exemplo de fidelidade a Deus, à sua lei e aos convênios e promessas que ele fizera a seu povo. Estes foram ameaçados de esquecimento e foi para mantê-los que os Macabeus se rebelaram.

A missa de São Pio V sintetiza a fé de nossos pais; é a liturgia celebrada em segredo pelos mártires da Inglaterra e do País de Gales, é a liturgia que foi celebrada nas rochas da Irlanda, é a liturgia celebrada pelos mártires norte-americanos que morreram de formas horríveis demais para descrever, é a missa descrita pelo grande padre Frederick Faber como “a coisa mais linda deste lado do céu“. Manteremos a Missa – a Missa de São Pio V, e se levarmos a nossa fé a sério, devemos resolver acender um fogo sobre a terra, um fogo purificador que tornará essa insistência uma realidade. Porque, tendo considerado todas as coisas, é a missa que importa.

 

Michael Davies (†2004)
Its the Mass that Matters
Tradução e ampliação por um congregado mariano


 

  1. Nota do Tradutor: Aqui nos referimos à Missa no Rito Romano como foi tradicionalmente rezada desde tempos imemoriais na Igreja, chamada comumente de Ritvs Romanvs ou Missa Tridentina. O nome Missa Tridentina, contudo, não é o nome exato para esta missa, pois a Missa de S. Pio V foi publicada apenas em 1570. No entanto, pelo caráter da Reforma de S. Pio V, podemos bem dizer que se tratam da mesma missa, embora em revisões diferentes
  2. Sobretudo em Bath, Frome, Wells, Glastonbury, Ilminster, Dunster, Milverton, Wilverton e Wiveliscombe
  3. Para aprofundamento, ler The Stripping of the Altars, de Dr. Eamon Duffy
  4. Nota do tradutor: por isso em muito nos distanciamos daqueles que se recusam a estar unidos a Roma, cum Petro et sub Petro, e ao defender a Missa afastam-se a Comunhão com a Igreja. Nossa defesa da Missa é uma defesa filial, feita por amor, sem ridicularizar ou negar a validade das reformas, mas lamentando o processo revolucionário do Movimento Litúrgico que culminou nelas e seus efeitos

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  1. 20 de agosto de 2018

    […] A fim de dar eco na liturgia a sua doutrina, buscaram os reformadores evidenciar expressões, gestos, posições e ocasiões de participação “ativa” dos fiéis. Na Instrução Geral do Missal Romano, por exemplo, encontramos em vários pontos, em particular nos artigos 42 a 45 da 3ª Edição Típica formas de destacar e uniformizar essa participação. Os fiéis brasileiros encontram ainda mais inovações, por exemplo, nas respostas durante as orações eucarísticas e traduções particulares ao Brasil. Essa tendência, longe de ser novidade dos reformadores da década de 70, encontra traços não só no Movimento Litúrgico, mas mesmo nas Reformas de Cramner. […]