O Itinerário da Semana Santa na Liturgia Romana Tradicional – Segundo Domingo da Paixão ou de Ramos

De todo o tempo litúrgico, a Semana Santa é, sem dúvidas, o centro da vida do católico. No decorrer de muitos séculos, a Igreja adornou a liturgia com os mais belos e singelos significados que, quando melhor compreendidos, podem também nos render graças espirituais. Especialmente neste tempo difícil de pandemia que vivemos, convém que façamos a leitura dos textos da Missa e acompanhemos, quando possível, as Missas transmitidas pela internet1. Para auxiliar os católicos, iniciamos esta série com comentários sobre a liturgia da Semana Maior no Rito Romano Tradicional.

Estação em S. João de Latrão

Fontes da Liturgia: Introito, Salmo XXI, 20; Epístola, Filipe, II, 5-11; Gradual, Salmo LXXII, 24; Tracto, Salmo XXI; Evangelho, Paixão do Senhor segundo S. Matheus, XXVI-XXVII; Ofertório, Salmo LXVIII, 20-22; Comunhão, S. Matheus, XXVI, 39.

Para podermos tirar bom proveito da liturgia da Semana Santa, convém que nos coloquemos no momento exato em que os fatos são descritos nos textos sagrados. Nosso Senhor vai à frente de uma procissão de Jericó até a Betânia, onde se hospeda com seus amigos Lázaro (após ter sido ressuscitado por Nosso Senhor), Maria e Marta que, para Lhe homenagearem, dão um banquete. É nesta ocasião que Maria unge com aromas a cabeça de Nosso Senhor. Indignado com este desperdício, Judas rompe com seu Mestre. Muita gente vai a Betânia para ver Jesus e Lázaro ressucitado. Com esta multidão, parte Jesus no dia seguinte em direção a Jerusalém, passando pelo Monte das Oliveiras.

Como vemos no Evangelho, a entrada de Nosso Senhor em Jerusalém é gloriosa. O povo aclama o Messias. Dão-Lhe honras de Rei, o que torna os fariseus ainda mais indignados. Contemplando a cidade, Jesus chora, lastimando-se com a infidelidade e o triste destino que Lhe aguardam, lembrando a lamentação feita antes pelo profeta Jeremias.

A liturgia da Missa, portanto, divide-se em duas partes: a primeira alegre e festiva, porque nela aclamamos Nosso Senhor como o Cristo, Rei e soberano. A segunda parte profundamente triste, porque nela contemplamos o Homem das dores.

A bênção dos ramos e a procissão expressam a alegria com a qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi elevado a Rei de Israel entre os louvores e aclamações de seu povo. As partes cantadas da Missa, pelo contrário, expressam profunda tristeza e a leitura da Paixão adiciona ainda mais à solene tristeza deste dia. Por este contraste, nós somos recordados da inconstância do povo de Jerusalém quando, após quatro dias de intervalo, demandaram pela morte de Nosso Senhor, a quem eles tinham um pouco antes proclamado seu Rei.

Antífona

Pueri Hebraeórum, portantes ramos olivárum, obviavérunt Domino, clamantes: Hosanna in excelsis.
Os filhos dos Hebreus, levando ramos de oliveira, foram ao encontro do Senhor, clamando: Hosana nas alturas.

 

A Igreja, para expressar seus sentimentos, escolhe aqueles ramos que predizem as humilhações, os sofrimentos, e também o triunfo do Messias. Eles são: Salmo XXI, que é cantado por completo no Tracto da Missa e que, nas palavras do Introito decoraram uma parte das orações que Nosso Senhor direcionou a seu Eterno Pai. Devemos notar que Nosso Senhor aplicou as palavras deste salmo a si mesmo e repetiu os primeiros versos durante os seus maiores sofrimentos na cruz.

Introito (Sl. 21: 20, 22)

Domine, ne longe facias auxilium tuum a me, ad defensionem meam aspice: libera me de ore leonis, et a cornibus unicornium humilitatem meam. Deus, Deus meus, respice in me,  quare me dereliquisti longe a salute mea.
Senhor, não afasteis de mim o vosso auxílio; atendei à minha defesa; livrai-me da boca do leão, e do chifre do unicórnio salvai a minha humildade. Ó Deus, Deus meu, olhai para mim. Por que me desamparastes? O clamor de meus delitos afasta de mim a salvação. – Senhor, não afasteis.

 

O mesmo raciocínio pode ser encontrado no Gradual, retirado do Salmo LXXII. No meio das provações mais difíceis, o homem justo preserva sua fé na divina Providência e não se perturba vendo o destino dos perversos. O Ofertório emprestado do salmo CXLII é novamente o choro do inocente, sofrendo por causa de Deus e em conformidade com a vontade de seu Pai. Ele aceita com docilidade toda a amargura de seu abandono. A Comunhão, retirada do Evangelho, nos dá as palavras de Nosso Senhor em sua agonia.

Gradual (Sl. 72: 24, 1-3)

Tenuisti manum dexteram meam et in voluntate tuo deduxisti me et cum gloria assumpsisti me. Quam bonus Israel Deus rectis corde! Mei autem paene moti sunt pedes Pene effusi sunt gressus mei: Quia zelavi in peccatoribus, pacem peccatorum videns.
Segurais a minha mão direita e segundo a vossa vontade me conduzis e me acolheis com glória. Como é bom o Deus de Israel para os que são retos de coração! Todavia quase os mues pés resvalaram; pouco faltou para se transviarem os meus passos; porque tive inveja dos ímpios, vendo a paz dos pecadores.

 

Tracto (Sl. 21: 2-9, 18, 19, 22, 24 e 32)

Deus, Deus meus, réspice in me: quare me dereliquísti? Longe a salúte mea verba delictórum meórum. Deus meus, clamábo per diem, nec exáudies: in nocte, et non ad insipiéntiam mihi. Tu autem in sancto hábitas, laus Israël. In te speravérunt patres nostri: speravérunt, et liberásti eos. Ad te clamavérunt, et salvi facti sunt: in te speravérunt, et non sunt confusi. Ego autem sum vermis, et non homo: oppróbrium hóminum et abjéctio plebis. Omnes, qui vidébant me, aspernabántur me: locúti sunt lábiis et movérunt caput. Sperávit in Dómino, erípiat eum: salvum fáciat eum, quóniam vult eum. Ipsi vero consideravérunt et conspexérunt me: divisérunt sibi vestiménta mea, et super vestem meam misérunt sortem. Líbera me de ore leónis: et a córnibus unicórnium humilitátem meam. Qui timétis Dóminum, laudáte eum: univérsum semen Jacob, magnificáte eum. Annuntiábitur Dómino generátio ventúra: et annuntiábunt coeli justítiam ejus. Pópulo, qui nascétur, quem fecit Dóminus.
Ó Deus, Deus meu, olhai para mim; por que me desamparastes? O clamor dos meus pecados afasta de mim a salvação. Meu Deus, clamo de dia e não me respondeis; de noite, e não tenho sossego. Mas Vós, no santuário habitais, louvor de Israel. Em Vós esperam e Vós os livrastes. A Vós clamaram, e foram salvos; em Vós esperaram e não foram confundidos. Eu, porém, sou verme, não homem; opróbrio dos homens e objeção da plebe. Todos os que me veem zombam de mim, e, meneando a cabeça, dizem: Esperou no Senhor, Ele o livre, salve-o agora, pois ele o ama. Eles estão me vendo, e atentam em mim; dividem sobre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançam sorte. Livrai-me da boca do leão, e dos chifres do unicórnio, salvai a minha humildade. Vós que temeis o Senhor, louvai-O: e vós todos que sois da raça de Jacó, glorificai-O. Do Senhor se falará à geração vindoura; e os céus anunciarão a sua justiça. Ao povo que nascerá, e que o Senhor criou.

 

A Coleta relembra a todos os fiéis que o Senhor que devem seguir é Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus encarnado que foi crucificado; pede em nosso nome a graça de podermos imitar Sua paciência de modo que possamos um dia participar na glória de Sua ressurreição. Pelos méritos da divina Vítima oferecida a Deus na cruz, pedimos na Secreta a graça da piedade que possa nos levar à eterna felicidade. A Pós-comunhão pede que possamos receber os efeitos do mistério da Paixão, purificação do pecado e a complita realização do nosse desejo pela verdadeira felicidade.

Coleta

Omnipotens sempiterne Deus, qui humano generi, ad imitandum humilitatis exemplum, Salvatorem nostrum carnem sumere, et crucem subire fecisti: concede propitius; ut et patientiae ipsius habere documenta, et resurrectionis consortia mereamus. Pre eundem D. N.
Onipotente e eterno Deus, que quiseste assumisse o nosso Salvador a nossa carne e sofresse o suplício da Cruz, para que o gênero humano imitasse o exemplo de sua humildade, concedei-nos, propício, pratiquemos as lições de sua paciência e mereçamos participar de sua Ressurreição. Pelo mesmo J. C.

 

São Paulo, na Epístola aos Filipenses, descreve a profuda humildade de Nosso Senhor, que humilhou-se até a morte de cruz, e apresenta-nos isto como causa de sua exaltação e de seu triunfo. Os cristãos que dão glória ao seu Salvador devem ter as mesmas disposições nos tempos de sofrimento.

O Evangelho relata todos os detalhes da Paixão, fazendo-nos, portanto, como que fôssemos testemunhas dela. Durante esta semana a Igreja, em seu ardente desejo de que os pensamentos e desejos dos fiéis sejam repletos da lembrança da Paixão, faz com que a história dos sofrimentos e morte de Nosso Senhor, como relatados pelos quatro evangelistas, seja lida na seguinte ordem: no Domingo de Ramos, como relatada por S. Matheus, na Terça-feira Santa como relatada por S. Marcos, na Quarta-feira Santa como relatada por S. Lucas e na Sexta-feira da Paixão como relatada por S. João.

Onde quer que assim seja possível, a Paixão é cantada por três cantores que são ou sacerdotes ordenados ou diáconos, mas nunca por clérigos de ordens menores. Um deles executa o ofício de historiador, cantando as palavras narrativas do Evangelho; outro canta as palavras proferidas por Nosso Senhor Jesus Cristo; outro, por fim, as palavras dos judeus e do povo. Os acólitos auxiliam os ministros sagrados, mas em razão do luto, não carregam velas. Não há saudação inicial: Dominus vobiscum…, direcionada aos fiéis, mas o livro é incensado.

Os presentes carregam os ramos em suas mãos, como que para mostrar que a aparente fraqueza de Nosso Senhor durante sua Paixão não diminui a crença na Sua divindade. Às palavras experavit ou tradidit spiritum, há uma pausa e todos se prostam em silêncio para honrar por um ato de homenagem solene a morte de Nosso Divino Redentor.

Ofertório (Sl. 68, 21-22)

Improperium exspectavit cor meum, et miseriam: et sustinui qui simul mecum contristaretur, et non fuit: consolantem me quaesivi, et non inveni: et dederunt in escam meam fel, et in siti mea potaverunt me aceto.
Meu coração só aguarda impropérios e miséria; esperei que alguém se entristecesse comigo, e ninguém houve; procurei quem me consolasse e não encontrei; por alimento eles me deram fel, e em minha sede, com vinagre me abeberaram.

Secreta

Concede, quaesumus, Domine: ut óculis tuae majestatis munus oblatum, et gratiam nobis devotionis obtineat, et effectum beatae perennitatis acquirat. Per D. N.
Concedei, Senhor, Vos pedimos, que o dom oferecido aos olhos de vossa Majestade nos obtenham a graça da submissão e a recompensa de uma feliz eternidade. Por N. S.

Comunhão (Mt. 26, 42)

Pater, si non potest hic calix transire, nisi bibam illum: fiat voluntas tua.
Pai, se este cálice não pode passar de mim sem que eu o beba, faça-se a tua vontade.

Pós-comunhão

Per hujus, Domine, operationem mysterii: et vitia nostra purgentur, et justa desideria compleantur. Por D. N.
Fazei, Senhor, que pela ação deste Mistério, sejam expiados os nossos vícios e cumpridos os nossos justos desejos. Por N. S.

 

Os fiéis se ajoelham ou pelo menos genuflectam, quando se recitam as palavras da Epístola: In nomine Jesu omne genu flectatur, que são cantadas, e novamente nas vésperas, durante o canto da estrofe O Crux, ave, do hino Vexilla Regis.

Quem teria dito então que o Senhor, acolhido agora com tão grande honra, dentro em poucos dias teria de passar ali como réu, condenado à morte? Mas é assim: O mundo muda num instante o Hosanna em Crucifige. Depois que Jesus entrou em Jerusalém, e se fatigou o dia todo na pregação e na cura de enfermos, quando chegou a noite, não houve quem o convidasse a descansar em sua casa; pelo que se viu obrigado a voltar para Betânia.2

Tradução e adaptação por um congregado mariano.


Fontes: The Liturgy of the Roman Missal – Dom Leduc e Dom Baudot O.S.B

The Rites of the Holy Week – Pe. Frederick R. McManus

The Mass, A Study of the Roman Liturgy – Pe. Adrian Fortescue

 

  1. Em especial sugerimos o canal do Institudo do Bom Pastor de Brasília
  2. Meditação de S. Afonso para o Domingo de Ramos

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