Instrução Didática, Mimética e Socrática

Na respiração humana, a inspiração deve, necessariamente, preceder a expiração. Expira-se aquilo que previamente se inspirou. Podemos aplicar, analogicamente, o mesmo princípio à educação: Ensina-se o que foi previamente aprendido. Os atos e palavras empregados pelo professor são resultado daquilo que foi impresso em sua mente sobre aquele assunto. Antes de se ensinar, aprende-se. Esse princípio, que se aplica ao ato de ensinar – o estudante inspira aquilo que foi expirado pelo professor – também se aplica à própria maneira de aprender. A natureza do aprendizado é uma natureza dinâmica: inspira-se, através do recebimento da informação e de sua absorção, e expira-se, através de sua representação, a própria impressão daquele conhecimento na alma do estudante.

Um dos princípios-chave da Educação Clássica Católica é o respeito a esse princípio, é respeitar e honrar a natureza da criança e a natureza do aprendizado. Para atingir esse fim, a Educação Clássica emprega dois modos de instrução, a Instrução Mimética e a Instrução Socrática.

Instrução Didática

A instrução didática consiste principalmente na passagem de conteúdos do professor para o aluno de maneira passiva, por exemplo através de leituras, aulas discursivas. Discutiremos mais sobre a instrução didática no futuro. Apesar de não ser um modo próprio da Educação Clássica, é grandemente utilizada na Educação Mimética, mas não deve ser confundida com ela.

Instrução Mimética

E educação pode ser bem definida como o “cultivo da sabedoria e da virtude na alma através da promoção do verdadeiro, do bom e do belo“. Em resumo, em aprender e crescer em virtude.

A Instrução Mimética fundamenta-se na ideia de que o ser humano aprende e cresce em virtude através da imitação. A Educação Clássica vê, porém, essa imitação não como um “macaquear” ou uma simples arremedação, mas como uma verdadeira mimesis, imitação interior, e não exterior. Ao aprender algo de maneira mimética, o aluno abstrai a ideia por meio do exemplo e da imitação e a internaliza, aplicando o que foi aprendido em sua vida. A educação mimética consiste em cinco etapas:

  1. Pré-percepção
    Pela memória, considera-se o que já se sabe sobre aquela ideia ou verdade, ou ideias correlatas.
  2. Percepção
    Pelos sentidos, considera-se a ideia em si mesma e sobre sua aplicação (por exemplo, ouvir a beleza de uma música ou de uma obra de arte)
  3. Absorção
    Imprime-se aquela ideia na alma através do senso comum, isto é, onde os sentidos físicos encontram a alma. Poderíamos considerar esse estágio como “contemplativo”, pois nele a alma une as diversas informações passadas pelos sentidos para construir uma ideia sobre o que está sendo tratado. Imaginemos uma escultura que expressa alegria. Os sentidos vêem apenas linhas, cores, formas. É o senso comum que une essas informações a fim de montar uma ideia na mente daquele que a admira.
  4. Compreensão
    Neste estágio, a mente apreende a ideia, isto é, compreende aquilo que foi absorvido para a alma. Aqui o aprendizado é feito. Aqui se conclui a inspiração
  5. Representação
    A ideia é impressa no estudante com uma nova forma. Aqui de fato a ideia ou verdade é personificada e imitada. Aqui se faz a expiração. Se apresenta a nova forma daquilo que foi impresso nos estágios precedentes.

Para compreender essas cinco etapas, consideremos, como exemplo, a ideia do Lar na Odisseia de Homero:

  1. O que você considera um lar? Como é o seu lar? Você já esteve longe do seu lar por muito tempo?
  2. Na leitura do livro, percebe-se a ideia de lar: casa de Nestor, de Zeus, de Menelaus, de Odisseu, etc
  3. Comparam-se os diferentes lares, incluindo o seu próprio: O que esses tipos (exemplos) de lar me ensinam sobre a ideia de “lar”?
  4. O que um lar deve ser? O que torna algo um “lar”?
  5. Representa-se o conhecimento adquirido por ideias, como num escrito, numa conversa ou numa explicação sobre o tema; ou por ações, como o cuidado maior pelo lar, a mudança de comportamento com relação a estar nele, etc

A mimesis é a imitação, não da forma exterior, mas da ideia – não de uma ação, mas da ideia expressa nessa ação. Cada arte e habilidade é aprendida por essas etapas, seja na escola ou fora dela. É uma forma indutiva de instrução modificada, na qual os alunos são levados a entender ideias, contemplando modelos ou tipos deles. Esses modelos podem ser encontrados na literatura, história, matemática, música, artes, outras atividades humanas e na própria natureza.

Para educar de forma mimética, deve o professor seguir cinco estágios:

  1. Preparação
    O professor apresenta algo que o aluno já conhece ou cria a necessidade da ideia que será passada. Dessa maneira, o professor guia o aluno a preencher as lacunas que devem ser preenchidas pelo novo conhecimento a adquirir. Durante essa fase, a atenção, habilidade de raciocínio e imaginação do aluno estarão em grande atividade. O aluno ganhará confiança ao recordar os pontos que já conhece e percebê-los como ferramentas para o novo desafio. De igual maneira, o professor poderá melhor adaptar-se às necessidades dos alunos e o processo de aprendizado em geral será muito mais fácil e marcante. Essa é uma das partes mais importantes do processo de ensino e cerca de 40% do esforço e do tempo devem ser empregados nela, pois em grande parte da preparação depende o sucesso da instrução. Por exemplo, antes de se ensinar a multiplicar, o professor recorda a soma. Antes de se somar dois dígitos, deve-se apresentar a soma de um dígito só. Antes de se tratar da conjugação de determinado verbo, trata-se dos substantivos, etc.
  2. Apresentação de tipos
    O professor apresenta tipos, isto é, exemplos e ilustrações que incorporam e simbolizam a ideia que está sendo apresentada. Durante esta fase, a memória e a recordação ajudarão o estudante a resolver os problemas apresentados, participando neles. Cerca de 25% do tempo deve ser empregado nesta fase. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor aplica dois ou três casos de multiplicação a partir do conhecimento já adquirido (soma). Ao ensinar a soma de dois dígitos, aplica alguns exemplos (por exemplo a quantidade de alunos na sala) em que essa soma de dois dígitos seja necessária, etc.
  3. Comparação de tipos
    Após verem vários tipos, os alunos naturalmente começam a compará-los. Nesta fase, cabe ao professor aprofundar essas comparações através de perguntas. Todo processo é fundamentado no uso da memória e do raciocínio dos estudantes que comparam e entendem a relação entre os tipos. Toda a ideia desta fase é guiar os alunos a encontrar padrões por si mesmos (embora guiados e induzidos pelo professor) de modo a chegarem ao entendimento da ideia apresentada. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor induz os alunos a perceberem que a multiplicação nada mais é que repetir a soma. Isso pode ser feito, por exemplo, mostrando multiplicações simples como 3 x 3, 3 x 4 e 3 x 5 induzindo os alunos, através de perguntas e mesmo contra-exemplos, a perceber o padrão apresentado na ideia.
  4. Compreensão e expressão da ideia
    Após o encontro de padrões, o professor deve pedir aos alunos para explicar ou descrever a ideia utilizando suas próprias palavras, deve guiá-los para a apreensão da ideia e a exteriorização do que até então esteve apenas internamente neles. Deve-se verificar o aprendizado não apenas em um, mas em vários alunos, senão em todos. É importante fazer boas perguntas para que um aluno simplesmente não repita o outro, mas sempre demonstre seu entendimento. Pode ser útil fazer algo escrito para garantir o sucesso do exame. Caso os alunos não consigam explicar ou descrever a ideia ensinada, deve-se voltar ao ponto 3 e comparar os tipos com maior cuidado. Esta fase tende a ser a mais curta do processo. Por exemplo, ao ensinar a multiplicar, o professor pede multiplicações de alguns alunos, de outros pede para explicarem o conceito, a outros dá problemas matemáticos que se resolveriam aplicando o que foi aprendido, a outros pede-se que explique como fazer para outra pessoa. A analogia à inspiração e expiração aqui encontra sua maior similaridade: Uma vez adquirido o conhecimento, nesta fase os alunos devem ser guiados a expressá-lo. Este também é um bom momento para engajar os alunos de forma socrática, como veremos a seguir, a fim de chegarem ao conhecimento através do membro processo.
  5. Aplicação da ideia
    Somente após os alunos conseguirem expressar por si mesmos a ideia em questão deve o professor revisar a lição e apresentar exercícios de aplicação do que foi aprendido. O professor fará isso através de exercícios que pratiquem mediante a repetição e da diversidade o que foi ensinado e testem a apreensão da ideia pelo aluno por meio de aplicações reais dela. Essa fase é muito importante e não se deve satisfazer-se com pouco, nela.

Dorothy Sayers, em seu “The Lost Tools of Learning”, indica que devemos ensinar as pessoas da mesma maneira como se faz o polimento de uma madeira: seguindo a direção da fibra, e não indo contra ela. A educação mimética está radicada nesta ideia: Os seres humanos só podem aprender movendo-se da parte ao todo, do particular – coisas específicas e concretas – para o universal – ideias gerais e abstratas.

Instrução Socrática

A Instrução Socrática é o processo dialético de examinar uma ideia “desconstruindo-a” para encontrar fraquezas e inconsistências no entendimento de alguém, e depois “reconstruindo-a” para esclarecer ou purificar o entendimento do aluno. Esses dois estágios são realizados envolvendo-se em discussão reflexiva (dialética) com o aluno, não para destruir, mas para purificar seu entendimento. Esta discussão reflexiva é realizada através do uso de perguntas penetrantes pelo professor.

Sem dúvidas, a Instrução Socrática é o modo de instrução mais mal compreendido, mas também é um dos mais poderosos. Mal compreendido porque facilmente se confunde com elementos da educação progressista em que se visa “desconstruir” as visões dos alunos para doutrinação ideológica ou elementos em que o professor não assume a postura de mestre, mas de alguém que também está querendo aprender com os alunos. Confunde-se também com simples discussões relativistas e debates vazios. A Instrução Socrática difere muito desses elementos empregados pela educação progressista sobretudo porque não encara a discussão como fim em si mesmo, mas é verdadeiro modo de ensino. É uma verdadeira lição, tal como a feita didaticamente, na qual o professor guia o aluno à verdade através de um processo dialético.

A Instrução Socrática não é um método que pode ser sempre empregado, nem mesmo pode ser “marcado para acontecer”. Ele deve ser empregado quando as condições assim o pedirem, em geral quando há uma falsa compreensão do assunto que precisa ser substituída pela correta compreensão.

Há, basicamente, três estágios na Instrução Socrática:

  1. Estágio Irônico
    O estágio irônico consiste em, com delicadeza, revelar os erros contidos na compreensão dos estudantes e desconstruir o pensamento errado do aluno. A primeira etapa do estágio irônico é realmente entender o que o aluno pensa. O professor deve fazer perguntas de comparação e definição com a intenção de encontrar contradições no pensamento do aluno. Esse estágio é vital, porque se o aluno pensa de maneira errada no pouco, isso no futuro resultará em grandes erros.
  2. Estágio metanoico
    Após ter entendido como o aluno pensa e encontrar as contradições nesse pensamento, o professor deve, com mais perguntas, levar o aluno a perceber as suas contradições e erros do seu pensamento e reconsiderar aquilo que antes pensava ser verdade. Essa etapa se chama metanoia, ou arrependimento, mudança de pensamento.
  3. Estágio Maiêutico
    Nesse ponto, o professor continua a fazer perguntas, orientando o aluno a enxergar a verdade e guiando-o na correta compreensão, é o momento de construir o pensamento correto no aluno. Pode-se fazer isso empregando a instrução mimética ou mesmo didática, sempre aplicando os princípios do questionamento socrático, ou ainda dando exemplos e analogias da ideia na vida real. O estudante, atráves dessa instrução, contempla e compara as analogias até “dar a luz”1 à ideia na sua mente.

O professor aproxima o aluno da compreensão precisa de uma ideia através deste processo. A instrução socrática está enraizada na ideia de que a verdade é cognoscível, mas que geralmente somos descuidados sobre como sabemos disso. Nós tiramos conclusões muito apressadamente e depois as aplicamos amplamente. Para amadurecer em nosso raciocínio, devemos purificar nosso pensamento através de uma dialética crítica socrática.

Dada sua natureza, há alguns princípios que podem ajudar o professor a praticar a Instrução Socrática e levar os alunos à verdade. Em primeiro lugar, respeito e amor deve preencher toda a instrução. O professor deve ter grande respeito pelo aluno como um buscador da verdade. As perguntas, as respostas, a linguagem corporal e mesmo o tom de voz deve refletir essa atitude. Em segundo lugar, o professor deve garantir que entendeu o que o aluno quis dizer. Isso pode ser feito com perguntas “Você quer dizer isso, entendi corretamente?”.

Em terceiro lugar, o professor deve ser paciente e respeitar o tempo de cada aluno. Não dar de pronto a resposta da pergunta, mas guiar o aluno à resposta verdadeira. Por fim, o professor deve ter um inegociável e irreprimível compromisso com a verdade. A verdade é mais importante que se provar certo. Ser fiel à verdade é ser fiel à Verdadeira Verdade, Nosso Senhor Jesus Cristo, e guiar os alunos até Ele, como princípio da Educação Católica, é nosso dever inescusável como educadores.

  1. Este é o significado de maiêntico, estágio parteiro

Artigos Relacionados