A Educação Católica e suas Causas

Etimologicamente, educar descende do latim educere, “trazer para fora”, ou nas palavras de um famoso educador, “despertar do sono e da letargia as faculdades adormecidas, é dar a vida, o movimento e a ação a uma existência ainda imperfeita” (DUPANLOUP, 1886), isto é, libertar a criança das amarras de suas paixões, determinismos e impulsos, da escravidão da ignorância em que todos nascem, e fazê-la gradualmente dona de si, capaz de aprender, entender e expressar-se, viver bem entre seus semelhantes e crescer um adulto honesto e virtuoso.

Neste sentido, concebemos eminentemente uma educação para a liberdade, que pressupõe o domínio dos sentidos, caráter e pensamentos em vista do enobrecimento da alma.  Esta é formalmente a visão de Cultura Animi, isto é, do cultivo da alma tomando por metáfora a agricultura, conforme encontramos em Plutarco, evocando teorias pedagógicas ainda mais antigas:

Três [são] os fatores fundamentais de toda a educação: natureza, ensino e hábito. Assim como uma boa agricultura requer em primeiro lugar uma terra fértil, um lavrador competente e uma semente de boa qualidade, para a educação, o terreno é a natureza do homem, o lavrador é o educador, a semente, as doutrinas e os preceitos transmitidos de viva voz. Quando as três condições se realizam com perfeição, o resultado é extraordinariamente bom. Quando uma natureza escassamente dotada recebe, pelo conhecimento e pelo hábito, os cuidados adequados, podem ser em parte compensadas as suas deficiências. Em contrapartida, até uma natureza exuberante decai e se perde quando é deixada ao abandono. É isso que torna indispensável a arte da educação. O que se obtém da natureza com esforço torna-se estéril se não é cultivado. […] (WERNER, Jaeger, 2013, p. 363)

A concepção de Educação que defendemos, enquanto Congregação Mariana e Colégio Santo Afonso, busca ser senão um eco daquela concepção contínua do conceito de educar descendente da Paideia Grega e aperfeiçoado pela Igreja ao longo de sua história bimilenar, que conjuga em si princípios universais, obedecendo a sete leis que lhe garantem solidez e adaptabilidade (cf SIQUEIRA, 2021):

  1. Ela é móvel, embora imutável, admitindo o progresso exterior, o desenvolvimento íntimo, o avanço das ciências e da psicologia e compreensões do funcionamento do cérebro com suas etapas e funções executivas;
  2. Ela tem continuidade de princípios, mantendo-se sempre fiel à unidade do dogma, da fé, da graça, dos sacramentos e dos valores;
  3. Ela tem alto poder de assimilação, recebendo tudo o que é bom, valendo-se de tudo, porque compreende que todo o verdadeiro e reto pertencem ao seu patrimônio;
  4. Ela é coerente e estável, equilibrando virtudes antagônicas, como doçura e firmeza, afirmação de caráter e renúncia a si próprio, uso das criaturas com abnegação;
  5. Ela visa o futuro, não apenas do indivíduo, mas também da sociedade, examinando os problemas, buscando-lhes as causas e adaptando às situações presentes os princípios;
  6. Ela conserva o passado, não por um desprezo às inovações, mas por uma fidelidade àquilo que seguramente funciona e uma prudência ante experiências em campo tão delicado quanto a educação;
  7. Ela possui vigor perene, permanecendo firme enquanto os erros surgem, crescem e passam.

Esta concepção de Educação encontra em Pio XI uma síntese adequada:

A educação consiste essencialmente na formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena, em ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado. […] Daqui ressalta, com evidência, a importância suprema da educação cristã, não só para cada um dos indivíduos, mas também para as famílias e para toda a sociedade humana, visto que a perfeição desta, resulta necessariamente da perfeição dos elementos que a compõem. (PIO XI, Papa, 1929, grifo nosso)

É a consideração dos fins na formulação e avaliação dos princípios que distingue com maior clareza a concepção do colégio de Educação de outras tantas correntes. Não é, porém, particularidade da fé esta visão: já no bojo da concepção educacional grega, fundamento da pedagogia ocidental como um todo, se dá a conhecer esta mesma ordenação. Resume, assim, Jaeger Werner o pensamento de Sócrates sobre a Educação:

A educação não consiste no desenvolvimento de certas capacidades nem na transmissão de certos conhecimentos: isto só pode ser considerado um meio e uma fase no processo educacional. A verdadeira essência da educação é dar ao homem condições para alcançar o fim autêntico de sua vida. A cultura em sentido socrático converte-se na aspiração a uma ordenação filosófica consciente da vida, que se propõe a cumprir o destino espiritual e moral do Homem. O Homem, assim concebido, nasceu para a Paideia. Esta é seu único patrimônio verdadeiro. (WERNER, Jaeger, 2013, p. 572, grifo nosso)

Portanto, educar deve levar em consideração mais que habilidades, competências, conteúdos – de todo elementos essenciais, mas não absolutos: deve considerar sobretudo o fim autêntico do homem, isto é, a sua realização plena. Sendo o homem dotado de inteligência e vontade, esta realização plena, a felicidade última, consiste na contemplação da verdade (cf. AQUINO, Santo Tomás, 1996, p. 436) e na liberdade interior.

Em uma frase, educar é a arte de cultivar, exercitar, desenvolver, fortalecer e polir todas as faculdades físicas, intelectuais, morais e espirituais das crianças, cuidando do corpo para servir à alma, cuidando da inteligência para servir à vontade, cuidando da vontade para servir a Deus.

 

As causas da Educação

Uma das mais importantes noções filosóficas é a noção do ser e de suas causas: Como saber que determinada coisa é, verdadeiramente, aquela coisa? Aristóteles declara (Física, Livro II, Cap. 3) que “não temos conhecimento de algo até que conhecemos suas causas“, que são quatro: Causa material, causa formal, causa eficiente e causa final:

Em outro sentido, chama-se causa [material] aquilo do qual uma coisa é feita e que persiste, por exemplo o bronze da estátua, a prata da taça e os gêneros dos quais o bronze e a prata são espécies. Em outro sentido, a causa [formal] é a forma ou o arquétipo, ou seja, a afirmação da essência e seus gêneros, são chamados de “causas”. Por exemplo, da oitava, a relação de 2: 1, e geralmente número), e as partes na definição. Em um terceiro sentido, a causa [eficiente] é a fonte primária da mudança ou chegando ao descanso. Por exemplo, o homem que deu conselhos é uma causa, o pai é a causa da criança e, em geral, o que é feito é a causa do que é feito; o que produz a mudança é a causa da mudança produzida.

Por fim, causa [final] no sentido de fim ou o objetivo pelo qual uma coisa é feita. Por exemplo, a saúde é a causa da caminhada. (“Por que ele está andando?”, dizemos: “para sermos saudáveis” e, tendo dito isso, pensamos que atribuímos a causa).

O mesmo é verdadeiro também para todos os passos intermediários que ocorrem durante a ação como meio para o fim. Por exemplo, a redução de carne, a purgação, as drogas ou os instrumentos cirúrgicos são meios para a saúde. Todas essas coisas são “para o bem” do fim, embora sejam diferentes umas das outras, pois algumas são atividades, outros instrumentos. (ARISTÓTELES, Física, II, 3)

Um exemplo clássico para as quatro causas é uma escultura de homem: A causa material é a argila, a causa formal é de um homem, a causa eficiente é o escultor, a causa final é o deleite visual.

Como adeptos da herança clássica, devemos considerar as quatro causas da educação para clarear o seu real significado e incluir todos os aspectos essenciais, por isso ao tratarmos sobre a concepção de Educação, importa-nos sobretudo entendê-las, sendo estas:

  • Causa Material – O aluno
    A causa material da Educação é o próprio educando, pois é ele que “em suas faculdades e disposições, há de receber os hábitos que o orientem para conhecer e agir, segundo os princípios que aprende”. (SIQUEIRA, 2021)
  • Causa Eficiente – O mestre
    Pois embora se note na doutrina de Santo Tomás que é o próprio aluno a causa eficiente de sua aprendizagem, ocorrendo esta em seu interior de modo inteligente e seletivo, dinâmico e ativo, sintético e global, diferencial e subsidiário de interesse, pelo fato de a ciência vir de fora da criança e esta precisar, sobretudo nos anos iniciais, de orientação e condução no processo de aprendizagem, o professor deve ser convenientemente tratado como causa eficiente da educação, por sê-lo de fato ao menos de modo secundário.
  • Causa Formal – O currículo e a pedagogia
    A causa formal é, na verdade, o ideal que o professor tem em mente sobre o que ele quer que o aluno se torne e o modo de conduzi-lo a esse ideal. Não obstante as particularidades, é a perfeição do homem o ideal a ser buscado na educação, pois este é o ideal mais elevado de todos. Consistindo, pois, a perfeição na realização plena do fim a que se propõe algo (AQUINO, 2013, p. 631), a forma, o ideal, na educação deve ser não o bom acadêmico ou profissional, não o agente com senso crítico e capacidade de transformação, não o adulto forte e autônomo, mas, verdadeiramente, o homem perfeito.
  • Causa Final – Fins da Educação
    A Educação, nessa perspectiva, tem por fim a formação do educando por inteiro, em suas quatro dimensões:

    • O Domínio do Corpo, os modos, a interação social, a boa saúde e a resiliência e vitória sobre as dificuldades, fins estes sob a égide da Educação Física;
    • A Formação da Razão, da Linguagem, da Profissão, do Julgamento, da Imaginação e da Inteligência Humanística, Científica e Técnica, fins estes sob a égide da Educação Intelectual;
    • O domínio de si mesmo, a liberdade interior, a defesa exterior, o senso de dever, de civilidade, da cidadania e do caráter, fins estes sob a égide da Educação Moral;
    • A santidade, e o crescimento na vida da Graça a fim de alcançar o fim último do homem, a contemplação da Verdade, fins estes sob a égide da Educação Filosófica, Metafísica e Religiosa.

 

Entraremos em detalhes destas causas em artigos futuros.

Artigo baseado no Projeto Político-Pedagógico de nosso Colégio Santo Afonso,
composto por membros de nossa Congregação Mariana,
Que explicita as características e condições da verdadeira educação, perseguida pelo colégio,
a fim de gerar sabedoria e virtude em seus alunos e corresponder à missão tão alta
de educar seus alunos para o céu e para Deus.

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