A Jaculatória Nos Cum Prole Pia

Nos cum prole pia – benedicat Virgo Maria, estas palavras, tão citadas e tão incentivadas ao fim das orações e presente nos mais diversos manuais devocionários da Congregação Mariana, além de ofícios, bênçãos, poesias e prosas das mais diversas, tem origem tão antiga quanto venerável.

À alma devota, é uma jaculatória1 que soa comum e que se encontra nas mais tradicionais devoções à Virgem Santíssima. Nos ambientes religiosos e de maior piedade, especialmente nas escolas sob direção da Ordem dos Jesuítas no século XVII, foram os ambientes onde se deu a maior divulgação de semelhantes tipos de invocação.

A jaculatória é dotada de duas partes, nos manuais pode ser encontrada dividida como a seguir, a primeira parte sendo o verso e a segunda a resposta:

V. Nos cum prole pia
R. Benedicat Virgo Maria

Palavras que significam “Abençoe-nos com sua prole pia a Virgem Maria”. A “prole pia” de que fala a invocação é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Desde o século XII já é possível verificar a antiguidade desta invocação, em um artigo publicado em 1902 pelo pe. Alois Rzach sobre patrística, um trecho de correspondência é apresentado, no qual o autor, apesar de não deixar registrada a sua identidade, deixou muito evidente sua piedade no último trecho da última página:

Scriptori pro penna detur formosa puella

Nos cum prole pia benedicat Virgo Maria. Amen.

Se estas palavras já eram escritas ao fim de página de uma correspondência do século XII, pode-se considerar que sua datação é de pelo menos dois séculos mais antiga. Sendo não só piedosa, a jaculatória apresenta também melodia e métrica agradáveis. De qualquer forma, o escritor não usou este “pequeno hino” pela primeira vez.

Em um trecho de um breviário do século XIV encontra-se ainda uma versão mais desenvolvida desta pequena invocação

                         I
Adjuva nos, o virgo amabilis,
In huius mundi saevis periculis.

                        II
Alma Virgo virginum
Intercedat pro nobis ad Dominum

                       III
Angelorum domina, potentissima cunctorum,
Esto nobis protectrix a fraude malignorum

                      IV
Corona virtutum regina decorata
Sit nobis in tutamen iugiter parata.

                      V
Deum nobis faciat propitium,
Quae ipsius sanctum fuit hospitium.

                     VI
In matrem Dei virgo praeelecta
Nobis ostendat, quae sit ad patriam via recta.

                    VII
Mater verae caritatis
Dissolvat vincula nostrae pravitatis.

                   VIII
Matris Christi gloriosa nativitas
Sit nobis perpetua iucunditas.

                    IX
Nos cum prole pia benedicat virgo Maria.

                    X
Nostrae tenebras ignorantiae
Illuminet virgo mater sapientiae.

                   XI
Virgo ab angelo salutata
Nostra dignetur abolere peccata.

                         I
Ajudai-nos, ó Virgem amável,
Nos perigos deste mundo ardil

                        II
Alma Virgem das Virgens
Intercedei por nós ao Senhor

                       III
Senhora dos Anjos, sobre todos poderosíssima
Sede nossa protetora contra a fraude das hostes malignas

                      IV
Coroa das virtudes, Rainha adornada
Sede-nos em pronta e contínua defesa

                      V
Fazei-nos Deus propício
Vós que fostes dele santa morada

                     VI
Na Mãe de Deus, Virgem predestinada
Mostra-nos o que seja via reta para a pátria

                    VII
Mãe da verdadeira caridade
Desfaça nosso vínculo de iniquidade

                   VIII
A gloriosa natividade da Mãe de Cristo
Seja nossa perpétua delícia

                    IX
Com sua prole pia, abençoe-nos a Virgem Maria

                    X
A escuridão de nossa ignorância
Seja pela sabedoria da Virgem Mãe iluminada

                   XI
Virgem saudada pelo anjo
Dignai-vos abolir nossos pecados.

Tão abundante era o número de tais poemas que até hoje encontram-se muitas variações desses mesmos versos e o estilo desenvolveu-se:

Adventus Christi – nos salvet ab omine tristi : O Advento de Cristo – nos salve de presságio triste, para o tempo do Advento;

Rex faciat natus – ut vivat fonte renatus : O Rei se fez nascer – para que viva (como) fonte renovada, para o Tempo da Páscoa;

Actor caelorum – trahit ad se corda magorum : O Autor dos céus – traz a Si os corações dos magos, para o tempo da Epifania;

Alma Dei dextra – benedicat nos intus et extra : Alma reta de Deus – abençoai-nos por dentro e por fora; Nos hodie nata – benedicat Virgo beata : A bem-aventurada Virgem hoje nascida abençoe-nos, para Nossa Senhora;

e há ainda que se use até hoje após a leitura do Evangelho na Missa, Per evangelica dicta – deleantur nostra delicta : Que pelas palavras do Evangelho – nos sejam perdoados os pecados.

A jaculatória Nos cum prole pia era usada ainda muitas vezes para bênçãos de bispos e de abades, também permaneceu no rito tradicional de admissão de membros da Congregação Mariana. No caso da admissão de noviços, após ser feita a fórmula de consagração provisória, o padre diretor impõe a fita e termina com a seguinte oração:

Dignem-se os nossos santos Padroeiros, e todos os santos que nos precederam na Congregação, interceder por vós; e a Santíssima Virgem Maria, nossa querida Protetora e Mãe, com Jesus, seu Filho, abençoar-nos, a vós e a nós todos, para sempre.

V. Nos cum Prole pia.
R. Benedicat Virgo Maria

E no rito de admissão de congregados, após a consagração definitiva e o compromisso anti-modernista serem feitos, o padre diretor dá a bênção, impõe a medalha e ao entregar as regras e diploma, diz a seguinte oração:

Accipe has regulas atque diploma, quo assertus es Beatae Mariae Virginis Filius; sed tu melius, moribus ac pietate te ejusdem filium exhibe. Interim, te cum Prole pia, bene†dicat Virgo Maria.

E ainda é possível encontrá-la inclusive no Rito Romano, no Ofício Parvo da Bem-Aventurada Virgem Maria, aparecendo como bênção antes da primeira leitura

1° C – Jube, domne, benedícere.
O – Benedíctio. Nos cum prole pia benedícat Virgo María.
R. Amen.
1º C – Dai-me a vossa benção.
O– Benção. Abençoe-nos a Virgem Maria com seu piíssimo Filho.
R. Amen.

A Virgem Santíssima, desde o início por Deus glorificada2 e pelas gerações proclamada bem-aventurada3, também foi louvada em todos esses séculos através de uma singela invocação. Seguindo tão piedosa prática do passado e de muitos congregados, rogamos à mais perfeita das criaturas que por nós interceda junto ao seu divino Filho.


Die Marianische Benediktion Nos Cum Prole Pia, Dr. A. N. Der Katholik: Zeitschrift für katholische Wissenschaft und kirchliches Leben, 1903.
Hymnologische Beiträge: Quellen und Forschungen zur Geschichte der lateinischen Hymnendichtung. Clemens Blume und Guido Maria Dreves.

Tradução e ampliação por um congregado mariano.

  1. Jaculatórias são orações curtas de invocação a Deus ou aos santos presentes no início ou no fim de orações.
  2. Eccli 24:14
  3. Lc 1:48

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