Bula”SOLLICITUDO OMNIUM ECCLESIARUM” de Alexandre VII sobre a Imaculada Conceição

Como muitos sabem, no dia 08/12, comemora-se a Festa da Imaculada Conceição. Porém, antes de ser considerado o segundo dogma católico, muitos sacerdotes tanto do Oriente quanto do Ocidente sempre defenderam a Imaculada Conceição da Virgem.

Essa defesa seguiu-se por muitos séculos que em 28 de fevereiro de 1477, o Papa Sisto IV instituiu a festa no calendário litúrgico, fixando-a em 8 de dezembro, data esta celebrada desde o século VII, que também acaba sendo 9 meses antes da festa da Natividade da Santíssima Virgem.

A Imaculada Conceição é um dogma que declara que Nossa Senhora foi concebida sem a mancha, (mácula, em latim) do pecado original, que nossos Pais Adão e Eva adquiriram ao desobedecer a Deus e consumir do fruto da árvore proibida.

Esse dogma, que sempre foi defendido pelos padres e católicos de antigamente, sempre foi uma crença certa, a ponto de papas como Paulo V e Gregório V, respectivamente, tomarem atitudes como proibir que se afirmasse que Maria tivesse nascido com o pecado original e até mesmo impor silêncio absoluto a quem se opusesse à doutrina.

Este tema era tão importante para os católicos que, na época medieval, existiram inúmeros debates que se estenderam ao longo de diversos séculos. João Duns Escoto, O.F.M. foi um teólogo franciscano importante no período da Alta Idade Média, juntamente com Santo Tomás, e — apesar de ter sido a raiz do voluntarismo, erro filosófico que afirma o primado da vontade sobre a razão, que produziu consequências catastróficas para os anos seguintes, ao lado de outros erros como o nominalismo de Guilherme de Okham — foi um dos responsáveis por defender o dogma da Imaculada Conceição no debate teológico com a seguinte afirmativa: “Maria foi preservada do pecado original em previsão dos méritos de Jesus Cristo, o Salvador universal e convinha que Deus fizesse a exceção; podia fazê-la; portanto, a fez!”. Este privilégio concedeu, então, a Nossa Senhora, a especial participação na Redenção de Nosso Senhor, de forma antecipada e preventiva. Com efeito, não convinha ao Filho de Deus, que é puro, ser concebido em um ventre manchado pelo pecado original.

Ao longo dos séculos os debates foram se acalmando, o que permitiu, no século XIX, o Papa Pio IX realizar uma pesquisa consultando os diversos bispos sobre a necessidade da declaração dessa verdade de fé.

Até mesmo Santo Tomás de Aquino declarou, de forma aberta, que a Santíssima Virgem, pela graça, foi livre do pecado dos nossos pais, ainda que não houvesse considerado o momento da concepção. Sabe-se que em 8 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX define, de forma solene, o dogma por meio da bula Ineffabilis Deus (Deus inefável, do latim), e Nossa Senhora o confirma, em 1858, ao aparecer para Santa Bernadete Soubirous, apresentando-se como: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

Mas, existe uma bula publicada em 8 de dezembro de 1661, pela Sua Santidade, o papa Alexandre VII, que trata sobre a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem, intitulada: Sollicitudo Omnium Ecclesiarum (do latim: A preocupação de todas as igrejas), que se segue abaixo:

 

“Sollicitudo Omnium Ecclesiarum”
Sua Santidade Alexandre VII

SOBRE A IMACULADA CONCEPÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM
De 8 de dezembro de 1661

Veneráveis irmãos: Saudações e bênçãos apostólicas

1.- Solicitação do Papa Alexandre pela integridade da doutrina católica

Por enquanto nós, pela vontade e providência do Deus máximo levamos, embora pelos indignos méritos e trabalho, a solicitação de todas as Igrejas, que nos mantém ansiosamente atentos e vigilantes, a fim de que se evitem os escândalos que, pela corrupção e fragilidade da natureza humana, necessariamente hão de acontecer e que se origine o menor número possível deles e os que já nascidos se removam o quanto antes e com a maior diligência pois, os que os causam, sofrem o dano certo do pecado e os que os recebem estão expostos ao real perigo de cair; pelo qual, movido pela responsabilidade de nosso ofício pastoral, nós não só lamentamos sobremaneira o dano mas que assiduamente damos nossas decisões.

2.- A doutrina sobre a Imaculada Concepção por todos admitida

Antiga é a piedade dos fiéis cristãos para com a Santíssima Virgem Maria, que sentem em sua alma, que no primeiro instante de sua criação e infusão no corpo, foi preservada imune da mancha de pecado original, por singular graça e privilégio de Deus, em atenção aos méritos de seu Filho Jesus Cristo, Redentor de gênero humano e que, neste sentido, veneram e celebram com solene cerimônia a festa de sua Concepção; e já crescidas seu número e depois que Sixto IV, de feliz recordação, publicara suas Constituições Apostólicas, renovadas e mandadas observar pelo Concilio de Trento, em que recomenda este culto, estas aumentaram. Novamente foi incrementada e propagada esta devoção ou culto à Mãe de Deus depois de se erigir, com a aprovação dos Romanos Pontífices, monastérios de ordens religiosas e fraternidades em honra desse nome, depois de se conceder indulgências no mesmo sentido de tal sorte que, quando a maioria das Universidades e as mais célebres dentre elas se dobraram a essa doutrina, quase todos os católicos o admitiam.

3.- Proibição de ensinar a doutrina contrária

E porque, com ocasião das afirmações contrárias nos sermões, lições, conclusões e atos públicos no sentido de que a mesma beatíssima Virgem Maria, foi concebida com o pecado original, com grande ofensa a Deus, originaram-se escândalos para o povo cristão, disputas e discordâncias, proibiu o Papa Paulo V, também predecessor nosso, ensinar e pregar a opinião contrária à dita sentença; esta proibição foi estendida pelo Papa Gregório XV, de piedosa memória, igualmente predecessor nosso, às conversações privadas, mandando, aliás, em favor desta sentença que na celebração tanto pública como privada de Santo Sacrifício das Missa se usasse só o nome de Concepção.

4.- Continuaram os ataques à doutrina de Imaculada

Por quando todos os veneráveis irmãos Bispos, com seu capítulos Eclesiásticos, em cartas dirigidas a nós, adicionando-se a elas também a sugestão de nosso amantíssimo Filho em Cristo, Felipe, rei católico da Espanha que enviou, acerca disto, como representante especial o venerável irmão Luis, Bispo de Piacenza, e que nos transmitiu as súplicas dos mesmos reinos espanhóis, no sentido de que algumas pessoas que, infringindo ditas proibições, afirmam tal opinião contrária, continuam impugnando a opinião mencionada ou fazendo escárnio dela, tanto pública, como privadamente, ou interpretam o favorecimento que prestaram os Romanos Pontífices ao culto e à festa, de tal modo que seja frustrado; e ainda negam que a Igreja Romana está em favor desta sentença e de culto que, a base dela, rende-se à Santíssima Virgem, ousando perturbar aos fiéis cristãos em sua quase pacífica posse donde nascem e perduram as ofensas, os escândalos e disputas que Paulo V e Gregório XV, nossos predecessores, queriam ver evitados e se temem, ocasionalmente e todavia de porvir, com razão e prudência, maiores males que estes para os adversários desta sentença; pelo qual tanto os ditos Bispos com seus capítulos eclesiásticos, como o citado rei Felipe, fizeram-nos solicitar, com urgência, um oportuno remédio.

5.- Para reafirmar o culto, renovam-se as Constituições e declarações dos Predecessores

Nós, considerando que a Santa Igreja Romana celebra solenemente a festividade da Imaculada sempre Virgem Maria e que preparou em outro tempo um ofício especial e próprio acerca disto, conforme a piedosa, devota, e louvável prática que então emanou de Sixto IV, nosso predecessor: e querendo, a exemplo dos Romanos Pontífices, nossos predecessores, favorecer a esta louvável piedade e devoção e festa, ao culto em consonância com ela, jamais modificado na Igreja Romana depois da instituição do mesmo e (querendo), aliás, salvaguardar esta piedade e devoção de venerar e celebrar a Santíssima Virgem preservada do pecado original, claro está, pela graça proveniente do Espírito Santo; e desejando conservar no rebanho de Cristo a unidade do espírito nos laços da paz (Efes. 4, 3), apaziguados os choques e guerras e, removidos os escândalos: na atenção à instância nos é apresentada e para a honra dos mencionados Bispos com os conselhos de suas Igrejas e do rei Felipe e de seus reinos; renovamos as Constituições e decretos promulgados pelos Romanos Pontífices, nosso predecessores, principalmente por Sixto IV, Paulo V e Gregório XV em favor da sentença que afirma que a alma da Santa Virgem Maria, em sua criação, na infusão do corpo foi favorecida com a graça do Espírito Santo e preservada do pecado original e em favor também da festa e culto da Concepção da mesma Virgem Mãe de Deus, prestado, segundo se disse, conforme a essa piedosa sentença, mandamos que se observe humilde as censuras e penas contidas nas mesmas Constituições.

6.- As penas a que se expõe os que se contrapõe a esta Constituição.

E aliás, a todos e cada um dos que continuarem interpretando as mencionadas Constituições ou decretos, de sorte que anulem o favor dado por estas à feliz sentença e festa ao culto tributado conforme a ela, ou ousarem promover uma disputa sobre esta mesma sentença, festa ou culto, ou falar, pregar, tratar, disputar contra estas coisas de qualquer maneira, direta ou indiretamente, ou com qualquer pretexto, ainda examinar sua definibilidade, ou de suprimir ou interpretar a Sagrada Escritura, ou os Santos Padres ou Doutores, finalmente com qualquer pretexto ou ocasião por escrito ou palavra, determinando e afirmando coisa alguma contra elas, ora expondo argumentos contra elas e deixando-os sem solução, ora discutindo de qualquer outra maneira inimaginável; fora das penas e censuras contidas nas Constituições de Sixto IV, às quais queremos sujeitá-los, pelas presentes lhe sujeitarmos, queremos também privá-los da permissão de pregar, dar lições públicas, ou de ensinar, de interpretar, de voz ativa e passiva em quaisquer eleições pelo feito de comportar-se desse modo e sem outra declaração alguma nas penas de inabilidade perpétua para pregar e dar lições públicas, ensinar e interpretar; e que não podem ser absolvidos ou dispensados destas coisas, nem por nós mesmos ou por nossos sucessores, os Romanos Pontífices; e queremos assim, pelos presentes termos, que sejam submetidos e sujeitados às mesmas e a outras penas infligíveis, renovando as Constituições e decretos de Paulo V e de Gregório XV, acima mencionados.

7.- Proibição de publicar livros ou escritos contrários a esta sentença

Proibimos, além das penas e censuras contidas no Índice dos livros proibidos, os livros nos quais se põe em dúvida a mencionada sentença, festa ou culto conforme ela, ou se escreve ou lê algo contra essas coisas de maneira que seja, como acima citado, ou se contém frase, sermões, tratados e disputas contra às mesmas, editados depois do decreto de Paulo V, acima citado, ou que se editarem, de maneira que sejam futuramente expressamente proibidos imediatamente (ipso facto) e sem mais declarações.

Nós proibimos a todos, juntando-nos às Constituições de Sixto IV, de afirmar que os que sustentam a opinião contrária, convém a saber, que a gloriosa Virgem Maria foi concebida com o pecado original, incorrem no crime de heresia ou cometem um pecado grave mortal, já que a Igreja Romana e a Sede Apostólica até mesmo já havia decidido, como tampouco nós, de nenhum modo, queremos ou tentamos decidir agora; os que não obstante ousarem condenar a opinião contrária incursam em heresia, pecado mortal e impiedade, sancionamos-os, aliás, às penas as que os condenam o Papa Sixto IV e os outros Romanos Pontífices, nossos predecessores, com outras mais graves penas que infligimos mais acima aos que contrapõe esta nossa Constituição.

8.- Ordem de proceder contra os infratores

Queremos que tanto os Bispos e prelados superiores e os outros ordinários de lugar estabelecidos contra a perversidade herética, como os inquisidores nomeados em qualquer parte do mundo, procedam contra os que quebrantam esta nossa Constituição, quer pertençam até mesmo aos regulares de qualquer ordem ou instituto, também da Companhia de Jesus, aos isentos de qualquer maneira e a todas as outras pessoas eclesiásticas e seculares de qualquer estado, grau, condição ou dignidade, tanto eclesiástica, como secular que se pretenda, os indiciem e os sancionem estritamente. Nós concedemos, com a autoridade e intenção a todos e cada um deles, a livre faculdade e autoridade de proceder contra os transgressores, de inquirir e impor penas e castigá-los; e, se assim preferirem, impomos-lhes e mandamos estritamente que procedam, investiguem e castiguem.

9.- Não valerá nenhum privilégio para se excluir.

Não estão previstos nas Constituições quaisquer indultos, nem as cartas apostólicas de qualquer modo concedidas a quaisquer pessoas, por mais qualificadas que sejam e constituídas em qualquer dignidade e honra, embora seja ou de cardialinato, patriarcado, arcebispado, episcopado ou qualquer outro, até mesmo quando contra eles não possa proceder-se, nem pô-los em interdição, nem suspendê-los, nem excomungá-los. Para a devida e suficiente revogação delas e de todas, deve fazer-se de todos eles e de cada um em particular menção especial, específica, individual e expressa, palavra por palavra, porém não por cláusulas gerais, embora importantes, ou há de se observar outra delicada forma, talvez as palavras mesmas como assim, ao pé da letra, forem inseridas, tendo as presentes suficientemente expressas e inseridas, nesta ordem expressa e especialmente derrogamos por mais que se oponham outras coisas quaisquer.

10.- Ordem estrita de publicação universal destas disposições.

Porém, para que esta Constituição e todo o anterior, cheguem de modo mais conveniente ao conhecimento de todos os interessados, obrigamos e mandamos, em virtude das santa obediência e humildemente pena das privações das entrada na Igreja em que incorram, que todos e cada um dos Ordinários do lugar e seus vigários, sufragâneos e quaisquer oficiais e a todos os demais a quem de algum modo encarregue e corresponda, em quando julguem assumir esta nossa Constituição a todos pregadores e outros de sua diocese ou distrito, comuniquem oportunamente e publiquem, façam comunicar e publicar para que adiante nada possa, de nenhum modo, pretender ignorância do anterior, ou possa excluir-se contra o anterior.

11.- Disposição papal de publicação e vigência das Constituição e as cópias.

Nós queremos e igualmente com a mesma autoridade decretamos e mandamos que as presentes cartas, como de costume, publiquem-se e se coloquem por alguns de nossos encarregados judiciais nas portas das Basílicas de São João de Latrão, do Príncipe dos Apóstolos e das Chancelaria Apostólica, já à vista do Campo de flores na Cidade Eterna; essa colocação e publicação afeta e constrange a todos e cada um dos que, encarregados a observá-la, como assim se lhes fizera intimado pessoalmente; e quanto às cópias, também as impressas, sejam firmadas pessoalmente por um notário e de selo de alguma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, pois há de dá-las, aliás, que deve dar-se às presentes cartas quando acaso se apresentem e exibam, a mesma fé.

 

Dado em 8 de Dezembro de 1661.

Alexandre VII

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