Em entrevista, Cardeal Sarah defende liturgia tradicional e critica a Fiducia supplicans

Fonte: Tribunne Chrétienne

Trechos de uma entrevista concedida ao jornal italiano Avvenire, em 12 de setembro:

Questionado sobre o retorno da mozzetta papal (curta capa litúrgica), objeto de polêmicas midiáticas, relativiza: “É um sinal de jurisdição que também pertence aos bispos. Não entendo o barulho em torno dessa escolha. Sem dúvida porque Francisco não a usava. Mas isso não é razão suficiente para tanta agitação.” Ao longo da entrevista, Sua Eminência Sarah saúda o apelo do papa Leão XIV à unidade: “Duas ideologias se enfrentam: de um lado, os que querem apagar a Tradição em nome de uma abertura incondicional ao mundo; de outro, os que a congelam como uma relíquia intocável. As duas posturas são estéreis. A missão da Igreja é única e pressupõe a comunhão.”

Ele também constata a fraqueza de certos testemunhos da fé: “A Igreja não abandonou o homem, mas alguns cristãos sim, toda vez que tiveram vergonha de Cristo e reduziram a pastoral a uma simples promoção social.”

Evo­cando seu novo livro Deus existe?, denuncia o esquecimento do transcendente: “No Ocidente domina a ideia de que se pode prescindir de Deus. O homem se colocou em seu lugar e inventou uma nova ordem que nega a criada por Deus.” O prelado recorda o alerta de Bento XVI: Etsi Deus daretur (“viver como se Deus existisse”). E acrescenta: “Deus não é uma ideia nem uma emoção. Ele é uma certeza: o Filho do Homem veio ao mundo e ainda habita entre nós. A Encarnação é um fato.” Ele critica os novos ídolos: “Sucesso, riqueza, poder, posse de coisas e pessoas. Mas esses ídolos são filhos do acaso. O homem deixou de buscar o sentido de sua vida.”

Interrogado sobre a sinodalidade, o cardeal Sarah a redefine: “A comunhão é a finalidade, a sinodalidade é apenas um meio, um estilo. A comunhão é hierárquica, assim Cristo quis sua Igreja.”

Quanto à Cúria, retoma a fórmula de Leão XIV: “A Cúria permanece, os papas passam.” E acrescenta: “A Cúria deve costurar certas fraturas recentes, a serviço de Cristo, de quem é instrumento.”

Sobre a liturgia, o cardeal Sarah é categórico: “Um rito não se inventa em um escritório, ele é fruto de séculos de fé vivida. Pergunto-me se é possível proibir um rito milenar. A diversidade litúrgica sempre foi uma riqueza para a Igreja. E se a liturgia é fonte de teologia, como proibir o acesso às fontes antigas? Seria como proibir o estudo de Santo Agostinho para compreender a graça ou a Trindade.”

A respeito da declaração que abriu a possibilidade de bênçãos para casais em situação irregular, sua resposta é direta: “Espero que possa ser esclarecida e reformulada. É um documento teologicamente fraco e injustificado. Coloca em perigo a unidade da Igreja. É um texto que deve ser esquecido.”

O cardeal Sarah recusa-se a se definir como “ponte” entre África e Ocidente, preferindo “testemunha”: “No Norte, saciado e desesperado, quero recordar as razões de viver e de morrer. No Sul, ainda habitado pela esperança apesar de graves problemas, quero oferecer coragem.” Ele também lembra o preço do sangue derramado: “A África paga um pesado tributo de mártires. Esse sacrifício fecundo se tornará semente de novos cristãos.”

Por fim, evoca suas lembranças: “O maior dom foi nascer em uma família cristã e receber a vocação sacerdotal. Tudo mudou aí. Comecei uma história de amor que nunca terminará: ser alter Christus, dizer ‘Isto é o meu Corpo’ e ‘Isto é o meu Sangue’ com toda a responsabilidade e a graça que isso implica.”

Ao escutar o cardeal Robert Sarah, ressoa a voz de um vigia no coração da Igreja: ele recorda que não se constrói o Corpo de Cristo sobre compromissos frágeis nem sobre invenções efêmeras, mas sobre a rocha da fé transmitida. Seu alerta é claro: um rito não se fabrica em um escritório, recebe-se como herança viva forjada por séculos de oração. Da mesma forma, a doutrina não se altera ao sabor das modas, mas se enraíza na Palavra que não passa.

Num mundo que crê poder apagar Deus e remodelar o homem à sua imagem, a voz do cardeal Sarah ganha a força de um grito profético: a Igreja deve permanecer fiel ao seu Senhor, humilde em sua missão e corajosa em seu testemunho. Fiducia supplicans não tem vocação para se tornar uma pedra angular, mas para ser corrigida e superada pela luz do Evangelho.

Na hora em que o papa Leão XIV chama a recentrar a Igreja em Cristo, o cardeal Sarah se ergue como testemunha da verdade. Seu apelo é claro: voltar às fontes, deixar-se purificar pela liturgia e reconhecer que o homem nada pode sem Deus. Pois somente a fidelidade a Cristo, único Salvador, dará à Igreja a força de atravessar a tempestade e oferecer ao mundo, não ilusões passageiras, mas a esperança que não decepciona.

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