As Lágrimas do Menino Jesus

 

Na festividade do Natal de Nosso Senhor, torna-se evidente o amor e a misericórdia de Deus para com a humanidade. Se o homem temia a Deus e d’Ele se escondia por causa da vergonha de seu pecado e pelo medo da punição eterna, agora o homem é chamado pelo anjo, não mais com as duras penas e a expulsão do Éden, mas com alegria e esperança pela vinda do Redentor: Ecce enim, evangelizo vobis gaudium magnus, quod erit omni populo: quia natus est vobis hodie Salvator, qui est Christus Dominus. (eis que vos anuncio uma Boa-Nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor). Venite Adoremus!

Não como um juiz implacável para, com justiça, punir o gênero humano: Deus toma a veste humana e se apresenta à aos homens como uma pequena e frágil criança, necessitada dos favores mais básicos, totalmente dependente de sua mãe, a Virgem Santíssima. A divina criança vem ao mundo no frio da noite de inverno e as lágrimas de seu choro pueril refletem a dor pelo estado decaído do homem.

Diz São Bernardo de Claraval em seu sermão para a festa de Natal: Meus irmãos, as lágrimas de Cristo causam-me tanta vergonha como dor. Brincava eu lá fora na praça, e, no segredo dos aposentos do Rei, pronunciava-se sobre mim a sentença de morte. Ouviu-a o seu Filho único e, tirando o diadema, saiu vestido de saco, a cabeça coberta de cinza, os pés descalços, chorando e lamentando-se por ter sido condenado à morte um mísero servo seu. Vejo-o sair de repente do palácio e, espantado por esse gesto, pergunto pelo motivo e dizem-mo. Que farei eu? Continuarei a divertir-me com os meus jogos e insultarei assim as suas lágrimas? Verdadeiramente, é o que farei, deixando de segui-lo e de misturar as minhas lágrimas com as suas, se não passo de um insensato e um louco. Eis porque as suas lágrimas me envergonham.

E por que a minha dor e temor? É porque posso apreciar a gravidade do meu mal pelo preço do remédio necessário para curá-lo. Eu não sabia que estava doente, julgava-me saudável, e eis que é enviado o Filho da Virgem, o próprio Filho de Deus altíssimo, e mandam matá-lo para que as minhas chagas se curem pelo bálsamo do seu precioso sangue. Reconhece, ó homem, quão graves são as tuas chagas, pois por elas é necessário que Cristo se cubra de chagas. Se não fossem de morte, e de morte eterna, nunca o Filho de Deus teria sido morto para as curar. Eu me envergonho, amadíssimos, de fechar os olhos à minha própria desdita quando vejo tão grande Majestade compadecer-se dos teus males e chora; e tu, ó homem, que é atingido por elas, rirás? Eis porque o preço do remédio leva ao extremo a minha dor e o meu temor.

Mas se eu observar diligentemente as prescrições do médico, estas serão também para mim uma fonte de consolo. Porque, assim como reconheço a gravidade do meu mal pelo alto preço do remédio que exige, reconheço ao mesmo tempo que não sofro de um mal incurável. Um médico sábio, ou melhor, um médico que é a própria sabedoria, não recorreria inutilmente a remédios tão preciosos. Faria mal uso deles, não apenas se a doença pudesse ceder com outros remédios, mas sobretudo se com eles fosse impossível curá-la. Ele anima-nos, pois, à penitência, e a esperança de cura que nos faz conceber acende em nós um desejo mais ardente de obtê-la.

A esse consolo se chega também com a visita e as palavras dos anjos aos pastores que estavam de vigília. Ai de vós, ricos, que tendes agora a vossa consolação e assim perdestes todo o direito às consolações do céu. Quantos nobres segundo a carne, quantos sábios segundo o mundo, repousavam em fofas camas, e nenhum deles foi achado digno de ver brilhar a nova luz, de ter notícia de tão grande alegria e de ouvir os anjos cantarem: Glória Deus nas alturas!

Reconheçamos, pois, que os que não compartilham os trabalhos e fadigas dos homens não merecem ser visitados pelos anjos. Reconheçamos quanto o trabalho exercido com a reta intenção de buscar o bem espiritual é grato aos cidadãos do céu, porque estes honram com as suas palavras, e palavras tão ditosas, mesmo aqueles que trabnalham pelo alimento do seu corpo, obrigados por uma premente necessidade. Sem dúvida, os anjos veem neles a ordem que o próprio Deus estabeleceu para os homens, quando quis que Adão comesse o seu pão com o suor do seu rosto.

Conclui ainda o santo abade de Claraval, rogando para que as lágrimas do Menino Jesus não nos sejam infrutíferas: Rogo-vos, queridíssimos irmãos, que considereis com a maior diligência tudo o que Deus fez para vos exortar e salvar, e assim não seja infrutuosa em vós a palavra tão cheia de vida e eficácia, palavra tão fiel e digna de todo o apreço, palavra não tanto da boca como das ações (1 Tm 1, 15).

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