Cardeal Sarah, na celebração dos 400 anos da aparição de Sant’Ana em Auray: “França, deixa de adorar a ti mesma e volta a Deus”

Fonte:Aleteia

Tradução e grifos por salvemaria.com.br

Segue na íntegra a homilía do enviado especial do Papa Leão XIV, Cardeal Robert Sarah:

Caríssimos irmãos da Bretanha e da França,

Saúdo com respeito as autoridades civis aqui presentes por ocasião do quadringentésimo aniversário das aparições de Santa Ana neste local. O Papa Leão XIV me delegou junto a vós para ser seu enviado extraordinário neste santuário de Santa Ana de Auray. O Santo Padre quer, com esse gesto, destacar a importância que ele atribui à vossa peregrinação. Trago-vos, portanto, a todos vós, peregrinos de Santa Ana, as saudações e a bênção de nosso amado Papa Leão XIV.

O Papa reza por vós neste dia. Por meio de seu enviado, ele vos manifesta seu afeto paternal. Em seu nome, saúdo cordialmente Dom Raymond Centène, bispo de Vannes, que tanto ama Santa Ana. Saúdo os demais bispos, os padres abades e superiores de comunidades aqui presentes, os sacerdotes vindos da Bretanha e de outros lugares, e a vós, queridos peregrinos de Santa Ana, que viestes a este santuário para responder ao chamado de Santa Ana e, sobretudo, para adorar a Deus.

Neste local, há 400 anos, Santa Ana apareceu a Yvon Nicolazic para lhe dizer: “Yvon Nicolazic, Me zo Anna, mamm Mari” (“Sou Ana, mãe de Maria”, em bretão). Yvon, não tenhas medo, sou Ana, mãe de Maria. Diga ao seu pároco, ao seu padre, que sobre a terra chamada Bocenno — ou seja, este lugar onde agora nos encontramos — foi construída outrora uma capela dedicada a mim, a primeira de todo o país. Faz 924 anos e seis meses que ela foi destruída; desejo que seja reconstruída o mais rápido possível e que cuideis dela, porque Deus quer que eu seja honrada aqui. Deus quer que venhais em procissão a este lugar.

A Bretanha, uma terra sagrada escolhida por Deus
Queridos irmãos e irmãs, Santa Ana disse a Yvon Nicolazic: “Deus quer este lugar”. Deus escolheu esta terra para torná-la um lugar santo. Deus quis que uma parcela de vossa terra, uma parcela de vosso país, a França, fosse um lugar sagrado, um lugar reservado. Deus quis que vossos antepassados não cultivassem este local, não o usassem para criação ou agricultura. Ele escolheu este lugar para ser honrado aqui.

Há aí um grande mistério a ser meditado. Havia muitas outras igrejas disponíveis, muitos outros lugares possíveis, mas foi este que Ele escolheu. Por quê? Antes de tudo, para nos dizer que Deus é o primeiro, que a glória de Deus nos precede e não nos pertence. Deus nos criou por um ato gratuito de amor; toda a criação é obra de suas mãos, o dom gratuito de seu amor. […]

Não merecemos seu amor, Ele nos amou primeiro. Devemos tudo a Ele, pois é d’Ele que recebemos a vida, o movimento e o ser. Para nós, que somos suas criaturas e seus filhos, honrar a Deus, dar-lhe glória, é um ato de justiça. Dar glória a Deus não é uma opção, é um dever, uma necessidade. É muito importante retomarmos essa consciência, sobretudo em vossas sociedades que tendem a considerar Deus como morto, inútil ou sem interesse.

A falsa visão ocidental da religião
Com demasiada frequência, no Ocidente, apresenta-se a religião como uma atividade a serviço do bem-estar do homem. A religião é reduzida a ações humanitárias, a atos de caridade, acolhida de migrantes e sem-teto, à promoção da fraternidade universal e da paz no mundo. A espiritualidade seria uma forma de desenvolvimento pessoal, existiria para trazer certo alívio ao homem moderno voltado para suas atividades políticas e econômicas habituais.

Ainda que essas questões sejam importantes, essa visão da religião é falsa. A religião não é uma questão de alimentação nem de ações humanitárias. No deserto, essa foi a primeira tentação que Jesus rejeitou. Para redimir a humanidade, seria necessário vencer a miséria da fome e da pobreza — é isso que o diabo propõe ao Senhor. Mas Jesus responde que esse não é o caminho da redenção. Ele nos faz compreender que, mesmo se todos os homens tivessem o que comer até se saciarem, mesmo se a prosperidade se estendesse a todos, a humanidade não estaria redimida.

A religião não é uma questão de alimentação nem de ações humanitárias.

Vemos precisamente que, nos países ricos, de abundância e conforto, o homem se destrói, se autodestrói, porque esquece Deus e pensa apenas em sua riqueza e bem-estar terreno. O que salva o mundo é o pão de Deus. O homem precisa ser alimentado com o pão de Deus, e o pão de Deus é o próprio Cristo. O que salvará o mundo é o homem que se põe de joelhos diante de Deus para adorá-lo e servi-lo. Deus não está a nosso serviço. Somos nós que estamos ao serviço d’Ele.

A adoração silenciosa como único remédio
Fomos criados para louvar e adorar a Deus. É na adoração que descobrimos nossa verdadeira dignidade, o motivo último da nossa existência. É de joelhos diante de Deus que o homem descobre sua verdadeira grandeza e nobreza. E se não adorarmos a Deus, acabaremos adorando a nós mesmos. Deus escolheu este lugar para ser adorado. Deus escolheu a França para que fosse como uma terra santa, uma terra reservada a Ele. Não profaneis a França com vossas leis bárbaras e desumanas que promovem a morte, quando Deus quer a vida. Não profaneis a França, pois ela é uma terra sagrada, reservada a Deus. A Bretanha é uma terra sagrada e deve continuar sendo, pois Deus deve ocupar nela o primeiro lugar.

Nossa primeira atividade é adorar e glorificar a Deus. Esta é a expressão mais alta de nossa gratidão e a resposta mais bela de nossa vida ao amor excepcional que Ele nos tem. Para adorar a Deus, é preciso colocar-se à parte, no silêncio. Vinde aqui no silêncio do coração para escutar a Deus. Isso é o que se chama de atitude sagrada. Existem lugares sagrados, reservados a Deus, escolhidos por Ele. Esses lugares não podem ser profanados por outras atividades senão a oração, o silêncio e a liturgia.

Nossas igrejas não são salas de espetáculos, nem de concertos, nem espaços para atividades culturais ou entretenimento. A igreja é a casa de Deus. Ela é exclusivamente d’Ele. Entramos nela com respeito e veneração, devidamente vestidos, porque trememos diante da grandeza de Deus. Não trememos de medo, mas de respeito, de admiração e de maravilha.

Quero agradecer aos bretões e bretãs que sabem vestir seus trajes tradicionais mais belos para dar glória à majestade divina. Não se trata aqui de folclore. O esforço exterior que fazeis para vos vestir é sinal do esforço interior para vos apresentardes diante de Deus com uma alma pura, lavada pelo sacramento, ornada pela oração e pelo espírito de adoração. Os lugares sagrados não nos pertencem, são de Deus.

Reconstruir a igreja da própria alma
Durante as aparições, Santa Ana pede a Yvon Nicolazic que a antiga igreja seja reconstruída e cuidada. Isso é difícil, custa caro, exige muito — e, no entanto, é a imagem do que Deus quer hoje. Deus quer ainda hoje que reconstruamos sua casa. Deus nos diz hoje, a cada um de nós: “Escolhi tua alma, escolhi teu coração como uma terra sagrada para ser adorado”. Tua alma de batizado é um lugar sagrado — não a profanes entregando-a às paixões desordenadas e ao espírito do mundo. Não a profanes tomando de Deus o primeiro lugar. Se a igreja da tua alma está em ruínas, escuta o chamado de Deus. É hora de reconstruí-la sobre a rocha, o fundamento sólido sobre o qual devemos edificar nossa vida e nossa esperança.

Sim, é tempo de reconstruir a igreja de tua alma. É tempo de confessar-te, de confessar os pecados que cometeste por palavra ou ação, de noite ou de dia. Confessa-te neste tempo favorável e, no dia da salvação, recebe o tesouro celestial. “Acima de tudo, guarda tua alma”, diz São Cirilo de Jerusalém. É tempo de cuidar dela, guardando cada dia um verdadeiro tempo de oração intensa e silenciosa. É tempo de expulsar os ídolos do dinheiro, das telas, da sedução fácil e vulgar. Deus quer teu coração. Deus quer tua alma, como quis esta terra da Bretanha.

Não roubemos de Deus o santuário sagrado da nossa alma.

Tua alma é um lugar sagrado. Cuida dela. É somente neste santuário interior que Deus poderá falar-te, consolar-te, fazer-te voltar a Ele por uma conversão radical. É somente neste santuário interior que poderás ouvir seu chamado à santidade, a ser adorador. “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”. É nesse lugar interior e sagrado que tu, jovem, poderás ouvir seu chamado a ser padre ou religioso. E tu, jovem moça, poderás ouvir seu chamado a entregar-te a Ele na vida religiosa, consagrando-lhe teu corpo, teu coração e toda tua capacidade de amar. Se profanares esse lugar interior da tua alma por uma vida dominada pelo pecado e pelos divertimentos do mundo, corres o risco de passar ao largo de tua verdadeira vida.

Olhar para Santa Ana no meio da provação
Queridos irmãos e irmãs, Deus escolheu este pedaço de terra da Bretanha com uma intenção muito especial. Ele quis ser aqui honrado através do culto prestado a Santa Ana. Não há outro lugar no mundo onde Santa Ana tenha aparecido. Que privilégio! Que graça! Que mistério! Santa Ana traz aqui uma mensagem particular — ela, que com Joaquim não tinha filhos por causa da idade avançada. Seu coração devia estar cheio de dor e inquietação. Que sofrimento para o coração de uma mulher que deseja ser mãe e vê essa espera prolongar-se.

Quantas vezes Santa Ana deve ter se perguntado: “É culpa minha? Por que tal provação?” Certamente, entre vós há homens e mulheres que sofrem por não poder ter filhos. Certamente, entre vós há pais cujo coração, como o de Santa Ana, está invadido pelo sofrimento, pela angústia e pela preocupação por filhos doentes, que abandonaram a fé, que parecem afastar-se de Deus, ou ainda por suas famílias ou pela pátria em perigo.

As provações e sofrimentos muitas vezes nos colocam num estado de incompreensão profunda. Por que a morte de uma criança? Por que o sofrimento dos inocentes? Por que a guerra? Por que a traição? Por que, Senhor? Sentimo-nos, às vezes, abandonados por Deus. Aparentemente, Deus não está mais presente — e, para a Europa, Deus está morto. Devemos nos revoltar? Devemos crer que Deus se tornou indiferente a nós? Devemos abandonar a prática religiosa porque Ele não atende nossas orações? Devemos deixar de rezar e de ir à missa dominical?

Olhemos para Santa Ana e escutemos sua voz. O que ela faz? Revolta-se contra Deus? Afasta-se d’Ele? Não. Ela permanece na adoração. Deus é maior que nossas incompreensões, que nossas dúvidas. Deus é maior que o nosso coração. Diante do mal, não temos respostas prontas, não temos respostas humanas. Diante do mal, temos uma única resposta: a adoração. Nossa única resposta diante do mistério do mal é a adoração silenciosa. Sim, o mal é incompreensível, mas sabemos, pela fé, que a confiança adoradora em Deus é mais forte que o absurdo do mal.

Santa Ana veio dizer aqui aos bretões e a toda a França, e por meio deles aos homens de todos os países e lugares, que a adoração é o único remédio contra o desespero. A fé em Deus e a adoração de Deus são os únicos remédios que podem garantir aos homens uma paz sólida e duradoura. […]

A fé em Deus e a adoração de Deus são os únicos remédios que podem garantir aos homens uma paz sólida e duradoura.

A vós todos que sofreis, dirijo-me: olhai para Santa Ana. Vós que desesperais por vossos filhos, vossos pais, vossa pátria — olhai para Santa Ana. Como ela, perseveremos na adoração. A adoração de Deus nunca nos decepcionará. A adoração paciente e silenciosa de Santa Ana permitiu o nascimento de Maria, a Mãe do Salvador, a mais bela, a mais pura, a mais santa de todas as criaturas.

Vós que carregais no coração sofrimento e dor: vossa adoração dará fruto em esperança. A adoração perseverante e obstinada rasga as trevas e traz a luz da esperança. […]

Quando tudo parecer sombrio, sempre poderemos dizer, com nosso amado Papa Leão XIV: o mal não vencerá, o mal não prevalecerá. Deus, nosso Deus, é infinitamente bom, infinitamente belo, infinitamente grande. Hoje, com Santa Ana, neste lugar bendito e escolhido por Deus, que se eleve em cada um de nossos corações este grito de amor:

“Vinde, adoremos o Senhor. Vinde, prostremo-nos diante d’Ele. Dobremos os joelhos diante do Eterno, nosso Criador, pois Ele é o nosso Deus. Amém.”

 

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