Em busca de um bom vinho
Conhecia um homem que andava a procurar por novos amigos a conquistar. Um dia, numa cidade famosa não pela religião ou pela virtude, encontrou uma bela igreja antiga e, ao seu redor, paroquianos cujo maior orgulho era a prática do catolicismo.
Nesta paróquia, conheceu três rapazinhos que tinham, em comum, a inteligência e, em particular, temperamentos bem distintos. O primeiro era bastante piedoso; pouco apegado aos próprios brinquedos ou ao interesse pelos jogos, mas muito disperso e se distraía com facilidade. O segundo era muito corajoso, defendia com o ardor das paixões seus pontos de vista; tinha muito interesse pelos jogos com os amigos. O terceiro mantinha-se sempre constante: nem se movia excessivamente pela afeição aos jogos, nem se dispersava por qualquer distração; e raramente tinha alterações de humor.
Este homem conseguiu conquistar o coração de cada um dos rapazinhos, trazendo-os sempre próximos a si. Como recompensa, recebeu de cada um deles um presente: do primeiro, recebeu o crucifixo de que precisava para concluir o seu terço; o segundo, entregou-lhe um livro, sobre um grupo de garotos que, unidos pela amizade, defendiam como um exército um terreno de sua rua contra alguns valentões; e o terceiro, deu-lhe simplesmente um desenho de um castelo medieval no alto de uma montanha.
Este homem, talvez sem se dar conta disso, era como um vinhateiro. Ora, o bom cultivador de vinhas sabe muito bem que é necessário procurar boas uvas para colhê-las, a fim de produzir o melhor vinho possível. O mesmo se dá com uma amizade verdadeira.
O doce e suave vinho da caridade, que se produz a partir de uma verdadeira amizade, tem um valor incomparável. Sendo Deus a causa e o vínculo que os une, os amigos aproveitam a comunicação de bens muito elevados. Ao contrário das falsas amizades. Destas, a causa e o vínculo não são a caridade de Deus. E o seu produto resulta em um vinho de qualidade muito inferior, quando não se trata mesmo de um vinho azedo, ou vinagre.
Num bom vinho, por outro lado, dada a sua nobreza, encontram-se variados sabores: por vezes baunilha, chocolate, ou mesmo algumas ervas e muitos outros. Da mesma forma, numa verdadeira amizade, assim concebida, encontram-se muitas virtudes: a piedade, a coragem e a constância, por exemplo. Todas adornadas pela graça e pela caridade.
Os amigos, então, podem usufruir deste santo comércio, adquirindo novas virtudes e aprendendo a vencer os próprios defeitos. Como pelo vinho se conhece a uva – acredito que o ditado era mais ou menos assim –, pelos bens comunicados se pode também reconhecer a qualidade duma amizade: quanto mais unido à caridade for o bem comunicado, mais valiosa é a amizade.
Aquele homem sabia que os presentes recebidos eram materialmente simples. Não eram aqueles objetos, em si mesmos, que importavam, mas a intenção com que foram-lhe ofertados. Em cada presente, encontrou um traço de seus novos amigos; a virtude que mais os representava: o bem que eles melhor tinham para compartilhar – era o melhor vinho que se poderia produzir. Aprendeu, então, com aqueles jovens garotos que, nas coisas mais simples e aparentemente sem importância, podem ser encontrados os mais valiosos tesouros.