Diálogo ou concessão? O dilema do Vaticano diante do regime chinês
Fonte: Catholic Herald
O escritório de imprensa do Vaticano divulgou uma explicação parcial sobre o anúncio feito no início desta semana de que o Papa Leão XIV criou uma nova diocese em Zhangjiakou, no norte da China.
O Catholic Herald informou que, em 11 de setembro, a Santa Sé confirmou que a Diocese de Zhangjiakou foi formalmente estabelecida em um território onde a Associação Patriótica Católica havia criado unilateralmente uma diocese em 1980, sem aprovação papal.
Ao reconhecer o território, o Vaticano permitiu a instalação de Dom Joseph Wang Zhengui como bispo diocesano, cuja autoridade agora é aceita tanto pelo governo chinês quanto pela Santa Sé. Dom Joseph Ma Yan’en também assumiu como bispo auxiliar, com seu ministério reconhecido por ambos os lados.
Em um gesto aparentemente recíproco, as autoridades chinesas concederam reconhecimento civil a Dom Augustine Cui Tai, bispo emérito de Xuanhua, que durante anos sofreu assédio por sua fidelidade à Igreja subterrânea em comunhão com Roma.
Dom Cui Tai, de 75 anos, renunciou ao cargo, enquanto a Diocese de Xuanhua foi agora incorporada à recém-criada Diocese de Zhangjiakou.
O escritório de imprensa do Vaticano divulgou uma declaração em 12 de setembro para marcar a ocasião da posse de Dom Ma:
“Estamos satisfeitos em saber que hoje, por ocasião da posse de Sua Excelência Joseph Ma Yan’en como bispo auxiliar de Zhangjiakou, seu ministério episcopal também foi reconhecido para fins civis. Da mesma forma, a dignidade episcopal de Dom Augustine Cui Tai, emérito de Xuanhua, também foi reconhecida pelas autoridades civis. Esses acontecimentos, fruto do diálogo entre a Santa Sé e as autoridades chinesas, constituem um passo significativo no caminho de comunhão da nova diocese.”
O comunicado vem após uma nota anterior do Vaticano que ressaltava que a reestruturação dos limites diocesanos na Província de Hebei ocorreu “no âmbito do Acordo Provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China”.
Esse acordo provisório, assinado em 2018 e renovado duas vezes desde então, estabelece os termos para a nomeação de bispos na China continental, embora seu texto nunca tenha sido tornado público.
O acordo levou à regularização de alguns bispos anteriormente ordenados sem mandato papal, bem como ao reconhecimento conjunto de outros que, durante muito tempo, foram considerados legítimos pela Santa Sé, mas não pelas autoridades chinesas.
Em 1951, a China recém-comunista rompeu relações com a Santa Sé, forçando os católicos a escolher entre integrar a Associação Patriótica Católica controlada pelo Estado ou permanecer em comunidades não reconhecidas oficialmente, mas fiéis ao Papa.
Sob o pontificado do Papa Francisco, China e Vaticano assinaram em 2018 um acordo que dá a ambos — Pequim e Santa Sé — voz na nomeação de bispos, numa tentativa de melhorar a situação dos cerca de 12 milhões de católicos na China.
A criação da nova Diocese de Zhangjiakou marca a primeira fundação formal de uma diocese pelo Vaticano na China desde a assinatura do último acordo.
Leão XIV herda de Francisco uma questão extremamente controversa: o acordo sino-vaticano firmado em 2018, que concede ao regime comunista chinês influência na nomeação de bispos com o aval da Santa Sé. Recordemos que, durante a Sé Vacante, dois bispos chegaram a ser nomeados sem o consentimento de Roma, o que revela a fragilidade do entendimento.
Ao novo Papa cabe refletir até onde é razoável ceder em nome da unidade, e como equilibrar a via diplomática com a firmeza contra aqueles que se opõem a Cristo. A sensação é de que está havendo uma “troca” desigual: Roma suprimiu duas dioceses erigidas por Pio XII e reconheceu uma diocese estatal fundada pelo regime em 1980; em contrapartida, o governo chinês concedeu reconhecimento oficial ao bispo clandestino Cui Tai, perseguido durante anos por sua fidelidade a Roma. Sem dúvida, trata-se de um gesto relevante — mas seria suficiente para justificar as concessões feitas? A impressão é de que Roma entrega muito e recebe pouco, chamando isso de “avanço no diálogo”.
Esse dilema remete a um episódio doloroso do século XX: o acordo firmado por Pio XI com o governo maçônico e anti-católico de Plutarco Elías Calles em 1929, que pôs fim à Guerra Cristera no México. Após três anos de luta e milhares de mortos em nome de Cristo Rei, o Vaticano, em busca de paz e da reabertura das igrejas, incentivou os Cristeros a deporem as armas. O problema é que o governo não cumpriu integralmente suas promessas: muitos católicos seguiram sendo perseguidos e punidos, e aqueles que deram a vida pela fé sentiram-se traídos. A Igreja reconheceria mais tarde o martírio de vários deles, mas o acordo deixou a amarga impressão de que os católicos fiéis foram abandonados.
Diante disso, a questão que se impõe é se hoje não se corre o mesmo risco: de negociar demais e ceder a princípios em nome de garantias frágeis. Esperemos que Leão XIV encontre o equilíbrio necessário, sabendo dialogar sem se submeter, e que honre o testemunho dos mártires chineses que, como outrora os Cristeros, permaneceram fiéis até o fim, pois o sangue deles clamará por justiça.