Postura dos fiéis na Missa Tridentina

O problema da participação

Ao ter seu primeiro contato com a Missa Tridentina, um fiel facilmente pode se sentir perdido quanto aos momentos de levantar, sentar, ajoelhar, enfim, quanto às posturas e gestos a assumir durante liturgia.

A regra de ouro, em todos os tempos, foi simples: na dúvida, faça o que os outros estão fazendo, mas não se preocupe muito com isso. Prova maior disso é a quase absoluta inexistência nos livros litúrgicos antigos de orientações quanto às posturas dos fiéis – excetuando-se os momentos essenciais, como a recepção da comunhão feita de joelhos e na boca. Também corroboram as muitas diferentes tradições locais sobre como comportar-se durante a Missa, de tal modo que é impossível definir uma única “maneira correta” de participação dos fiéis sem cair no mesmo princípio subversivo dos reformadores.

De fato, foram os reformadores que mais se aplicaram a definir e uniformizar a participação dos fiéis durante a Missa. Essa mudança, claramente, tinha um fundo doutrinário: Insistindo no Sacerdócio Comum dos fiéis ao ponto de sublevá-lo contra o Sacerdócio Ministerial, buscou-se a democratização da liturgia, a indistinção da hierarquia e, em última instância, a aniquilação do próprio conceito da Missa como Sacrifício. Já não era o povo que se unia ao sacrifício oferecido pelo sacerdote, mas era a comunidade que, em unidade, celebrava a memória da Ceia do Senhor, anunciando a obra do seu amor até que Ele venha1.

A fim de dar eco na liturgia a sua doutrina, buscaram os reformadores evidenciar expressões, gestos, posições e ocasiões de participação “ativa” dos fiéis. Na Instrução Geral do Missal Romano, por exemplo, encontramos em vários pontos, em particular nos artigos 42 a 45 da 3ª Edição Típica formas de destacar e uniformizar essa participação. Os fiéis brasileiros encontram ainda mais inovações, por exemplo, nas respostas durante as orações eucarísticas e traduções particulares ao Brasil. Essa tendência, longe de ser novidade dos reformadores da década de 70, encontra traços não só no Movimento Litúrgico, mas mesmo nas Reformas de Cramner.

Voltemos à regra de ouro: Na dúvida, faça o que os outros estão fazendo, mas não se preocupe muito com isso. Essa “regra” é, evidentemente, uma redução didática criada pelo autor deste artigo. Mas exprime bem o espírito da liturgia em seu desenvolvimento orgânico ao longo dos séculos. Foi com a Inter Oecumenici  que surgiu o “comentarista”, que mandava o povo levantar-se, sentar-se, ajoelhar-se, responder, alternar entre coros, etc. Até ali, compreendia-se que a liturgia, em sua nobre simplicidade, não precisava de explicações.

Na dúvida, faça o que os outros estão fazendo. Essa regra deveria ser suficiente, mas hoje, tanto pela falta de familiaridade que muitos tem com o Rito Romano Tradicional quanto pelo espírito da nossa época, há muita confusão, mesmo nas coisas pequenas.

Contra o costume local, muitos alegam a posição mais comum entre os liturgistas modernos: Na Missa de S. Pio V, o povo deve seguir as posições do coro. Os fundamentos para isso podem ser encontrados em Fortescue e O’Connell, duas das referências litúrgicas mais respeitáveis no século XX. Infelizmente, nos originais, nem um nem outro comentaram sobre as posições do povo, sendo os comentários em ambos de adição posterior, feita em 2003 por D. Alcuin OSB no caso de Fortescue e pelo próprio O’Connell em 1962.

Para O ‘Connell et alia, o que mais se aproxima do povo é o coro litúrgico, isto é, os clérigos que em veste talar assistem a Missa no Coro, e por isso o povo poderia se conformar às mesmas rubricas. Não há em si nada de condenável nessa visão, já no século XVII a encontramos em Gavantus; nas últimas décadas, porém, essa visão foi usada pelos mais radicais reformadores para justificar a clericalização do leigo, ou melhor, a democratização da liturgia e por isso, assim o parece, é melhor guardar para com ela cautela, sobretudo porque se trata de uma possibilidade, não um regimento litúrgico.2

Não existe, na liturgia tradicional, regras de posturas, respostas, posições e ações para os fiéis. Está é a grande verdade sobre o tema. Por isso, repito, é impossível definir uma maneira correta sem passar por cima dessa ausência de regimento que a Igreja deixou, certamente não por negligência. A única menção a uma rubrica sobre a posição dos fiéis, que esteve presente até o missal de 1962, diz:

Circumstantes autem in Missis privatis semper genua flectunt, etiam Tempore Paschali, præterquam dum legitur Evangelium
Aqueles presentes em uma missa rezada estão sempre de joelhos, mesmo no Tempo Pascal, exceto quando o Evangelho é lido.3

e aponta para a mesma ideia. Na Missa, o povo participa ativamente e eficazmente, de forma interior e exterior, sem, no entanto, confundir-se com os clérigos, sem, no entanto, cair no erro de supervalorizar o sacerdócio comum e sem, in extremis, enfraquecer da Missa a noção de sacrifício oferecido pelo sacerdote apenas, ao qual nos unimos e diante de qual toda a Terra se cala.

Essa única regra que podemos encontrar foi supressa no missal de 1962. Mas outra não a suplantou. Não há, por isso, exigência alguma sobre isso. É claro que é desejável que haja algum guia, não com regras fixas obedecidas prontamente por seus fiéis guardadores, mas princípios que norteiam nossa postura diante das partes da Missa. Durante a leitura do Evangelho, devemos ficar de pé. Durante o Canon, sobretudo na Consagração, devemos ficar de joelhos. Para receber a benção, também ajoelhamos. E, assim, juntando os princípios aqui e ali, encontramos o significado do “na dúvida, faça o que os outros estão fazendo“, pois em última instância é a tradição litúrgica que indica essas posições.

 

Posturas a adotar durante a Missa

De acordo com a tradição litúrgica mais comum no Ocidente4 ficamos de joelhos do início da Missa até o Glória, do Sanctus até o Pai Nosso, após o Pai Nosso até a comunhão e durante a benção final; sentados da coleta até antes do Evangelho, durante o ofertório e de pé nos demais momentos.

Dito tudo isso, colocamos na tabela abaixo as posições tradicionalmente adotadas durante as partes da Missa

Partes da Missa Missa Rezada Missa Cantada
Entrada De pé De pé
Asperges De pé De pé
Após o Asperges De pé De pé
Orações ao Pé do Altar Joelhos Joelhos
Introito Joelhos De pé
Kyrie Joelhos De pé
Glória De pé De pé
Coleta Sentado De pé
Epístola Sentado Sentado
Alleluia (Tracto, Sequência) Sentado Sentado
Evangelho De pé De pé
Sermão Sentado Sentado
Credo De pé De pé
“Et Incarnatus est…” De joelhos De joelhos
Entre Credo e Ofertório (Dominus Vobiscum… Oremus…) Sentado Sentado
Ofertório Sentado Sentado
Incensação do povo De pé
Orate Fratres Sentado Sentado
Secreta Sentado Sentado
Prefácio De pé De pé
Sanctus De joelhos De joelhos
Após o Sanctus De joelhos De joelhos
Após a Consagração De joelhos De joelhos
Após o Per Omnia Saecula Saeculorum De pé De pé
Pater Noster De pé De pé
Após o Pater Noster De joelhos De joelhos
Agnus Dei De joelhos De joelhos
Após o Agnus Dei De joelhos De joelhos
Comunhão do Padre De joelhos De joelhos
Communio e Post-Communio De pé De pé
Ite Missa Est De pé De pé
Benção De joelhos De joelhos
Último Evangelho De pé De pé
“Et Verbum Caro Factum Est…” Genuflexão Genuflexão
Orações Leoninas De joelhos
Saída De pé De pé

 

Princípios básicos
  • Manter silêncio reverente antes, durante e depois da Missa, em respeito ao Santíssimo Sacramento presente no sacrário e em consideração àqueles que querem rezar na Igreja;
  • Apenas batizados católicos em estado de graça (sem pecados mortais, tendo feito sua confissão sacramental) são convidados a receber a Sagrada Comunhão;
  • Ao receber a comunhão, não se diz o “amém”;
  • O padre reza e canta sozinho o Pater Noster, rezamos apenas o “Sed libera nos a malo”;
  • Enquanto o Santíssimo Sacramento está sobre o altar, deve-se evitar sentar: Caso não possa ficar de joelhos por qualquer motivo, mantenha-se de pé;
  • Devem os que vão à Missa guardar modéstia e pudor no vestir e no comportar-se dentro da Igreja

 

  1. Oração Eucarística VI
  2. Essas posturas podem ser conferidas na tabela abaixo. As partes diferentes da tabela que encerra este artigo estão em vermelho

    Partes da Missa Coro na Missa Rezada Coro na Missa Cantada
    Entrada De pé De pé
    Asperges De pé De pé
    Após o Asperges Sentado Sentado
    Orações ao Pé do Altar Joelhos De pé
    Introito De pé De pé
    Kyrie De pé De pé
    Glória De pé De pé
    Coleta De pé De pé
    Epístola Sentado Sentado
    Alleluia (Tracto, Sequência) Sentado Sentado
    Evangelho De pé De pé
    Sermão Sentado Sentado
    Credo De pé De pé
    “Et Incarnatus est…” De joelhos De joelhos
    Entre Credo e Ofertório (Dominus Vobiscum… Oremus…) Sentado Sentado
    Ofertório Sentado Sentado
    Incensação do povo De pé
    Orate Fratres De pé De pé
    Secreta De pé De pé
    Prefácio De pé De pé
    Sanctus De pé De pé
    Após o Sanctus De joelhos De joelhos
    Após a Consagração De pé De pé
    Após o Per Omnia Saecula Saeculorum De pé De pé
    Pater Noster De pé De pé
    Após o Pater Noster De pé De pé
    Agnus Dei De pé De pé
    Após o Agnus Dei De joelhos De joelhos
    Comunhão do Padre De joelhos De joelhos
    Communio e Post-Communio De pé De pé
    Ite Missa Est De pé De pé
    Benção De joelhos De joelhos
    Último Evangelho De pé De pé
    “Et Verbum Caro Factum Est…” Genuflexão Genuflexão
    Orações Leoninas De joelhos
    Saída De pé De pé
  3. Rubricæ generales Missalis XXVI XVII Art. 2
  4. Tradição esta enunciada, por exemplo, no Missal da  Coalition in Support of Ecclesia Dei nos Estados Unidos, no Campion Missal na Inglaterra e Wales e as diretivas da FSSPX na França e Bélgica

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