Predestinação de Nossa Senhora
A Virgem Santíssima possui uma missão singular diante de Deus, ocupando um lugar especial e privilegiado no pensamento divino, decretada e preparada para, desde toda a eternidade, participar da redenção humana. Portanto, Nossa Senhora foi predestinada ab eterno, ou seja, desde sempre a ser Mãe do Criador – ab æterno ordita sum et ex antiquis antequam terra fieret (Prov. 8, 23) – “desde a eternidade fui formada, antes de suas obras dos tempos antigos”.
Segundo São Francisco de Sales, Nosso Senhor poderia ter formado sua humanidade de muitas maneiras, até mesmo do nada como fez com Adão e Eva, mas preferiu encarnar-se no seio de Maria1. Por isso, considerando que Nossa Senhora tem a honra de ser Mãe do Verbo feito homem, tem os mais ricos dons da graça deste mundo e do outro com o privilégio de estar verdadeiramente unida a Cristo.
Da predestinação de Nossa Senhora depreendem-se algumas características, das quais iremos destacar a sua singularidade e anterioridade.
1. Predestinação singularíssima
O Papa Pio IX na Bula Ineffabilis Deus, na qual foi proclamado o dogma da Imaculada Conceição, atesta que Deus, por um e mesmo decreto, preestabeleceu a origem de Maria e a encarnação da Divina Sabedoria, ou seja, a Vontade de Deus em encarnar-se não de dissocia da criação da Virgem Maria como Sua Mãe. Não há, portanto, uma relação de causa e consequência entre a encarnação do Verbo e a formação de Nossa Senhora, mas um ato único.
Por isso, também o Papa Pio XII reforça na Bula Munificentissimus Deus, onde proclamou o dogma da Assunção de Nossa Senhora, que a augustíssima Mãe de Deus é associada a Jesus Cristo de modo insondável desde toda a eternidade “com um único decreto” de predestinação. Logo, a Virgem Maria está unida a Cristo como, nas palavras do Padre Gabrielle Roschini2, a flor é unida à sua haste, o sol ao firmamento em que brilha e a pérola ao escrínio em que é guardada.
Diz-se ainda que foi singularíssima a predestinação da Virgem, porque enquanto todas as outras criaturas tem uma predestinação direcionada à visão beatífica, ou seja, a possibilidade de alcançar a Glória de ver Deus face a face, Nossa Senhora foi destinada a ser Mãe de Deus, o que é algo incomparavelmente superior à glória e à graça comum dada aos homens. Deste modo, a Virgem Santíssima foi predestinada àquele grau altíssimo, excepcionalíssimo de graça e de glória que era proporcionado e conveniente a uma dignidade tão alta.
Por fim, a extensão da predestinação de Nossa Senhora é também singular, visto que de forma comum, Deus age em nós tanto pela providência, na ordem natural, quanto pela predestinação, na ordem sobrenatural. Ambos são efeitos separados que tem um papel distinto, como por exemplo, enquanto a providência comum engloba a ação de Deus em nós pela criação de nossa alma e faculdades, a predestinação influi na ação da Graça, direcionando-nos à Glória eterna. Na Virgem Santíssima, tudo é efeito da predestinação, ou seja, até mesmo os atos naturais de Deus se fizeram por meio da ordem sobrenatural divina, tamanha é a importância da Virgem Santíssima e quão especialíssima é a Sua função de Mãe do Criador e das criaturas.
2. Predestinação anterior a de todos os outros
Ego ex ore Altissimi prodivi primogenita ante omnem creaturam (Eclo. 24, 5) – “Saí da boca do Altíssimo; nasci antes de toda criatura”. Esta passagem do Livro de Eclesiástico é direcionada à Virgem Santíssima, por ser Ela a primogênita entre todas a criaturas. A sua predestinação não é só singularíssima, mas anterior a de todos os homens, de forma lógica e não cronológica, ou seja, como Deus não está no tempo, pode-se considerar que há uma ordem propriamente lógica em seus atos, principalmente para que nós possamos compreender a Sua ação. Portanto, a anterioridade aqui citada é essencialmente lógica e não cronológica.
A predestinação anterior de Nossa Senhora pode ser aferida, inicialmente, das sobreditas palavras dos Papas acerca do decreto divino da Sabedoria encarnada, pois se Deus pensou em Sua encarnação de modo conjunto à formação de Sua Mãe, e sendo Cristo o Filho primogênito de toda a criação (Col. 1, 15), logicamente Nossa Senhora é a primeira criatura pensada por Deus, em conjunto à encarnação do Filho.
Além disso, a doutrina da Igreja atesta que Jesus e Maria foram desejados por Deus antes mesmo dos anjos, de Adão e Eva, e da permissão de Deus ao pecado original. Portanto, a encarnação divina e a criação de Nossa Senhora não foram pensadas em previsão do pecado, mas o pecado foi permitido em virtude da previsão anterior da encarnação da Divina Sabedoria. Portanto, quis Deus primeiro a Encarnação e, depois, em vista dessa, permitiu o pecado.
Jesus e Maria foram, pois, pensados por primeiro e, por isso, não dependem de coisa alguma, mas são o ato pelo qual todas as outras coisas foram e são ordenadas.
A predestinação de Nossa Senhora foi ainda concausa secundária, subordinada a de Cristo – causa principal -, da predestinação de todos os outros à glória do céu. Logo, a Virgem Santíssima, em dependência de Cristo, é a causa da salvação de todos.
Por fim, São Bernardo uma vez declarou que o mundo foi criado para Maria, porque é justo que aquilo que é menos nobre exista para o que é mais nobre. Não havendo, então, nada mais nobre que Nosso Senhor e Sua santíssima Mãe, todo o mundo está subordinado a ambos e foi criado para a maior glória de Cristo e Nossa Senhora. Tudo, portanto, é de Jesus e Maria, tendo sido ela predestinada a ser causa eficiente à salvação e perfeição de seus filhos.