O Vulcão somos nós

Santo Afonso de Ligório é muito conhecido pelo seu ardor eucarístico, sua imensa devoção a Nossa Senhora e, não menos, por diversos milagres realizados durante a vida, desde bilocações, levitações, curas, até milagres na natureza. Neste texto destacaremos um destes últimos, o conhecido

milagre do Vesúvio, que nos ajudará a compreender como o santo napolitano foi um alter Christus, um outro Cristo, sendo não apenas um grande

cristão, mas um grande sacerdote e um grande santo.

Em 1779 Santo Afonso já era bispo, bastante avançado em idade, e estava possuído de um enorme cansaço dadas as diversas lutas travadas para a aprovação definitiva da Congregação do Santíssimo Redentor em uma época de forte regalismo. Morava o Santo em Nápoles e por volta da segunda metade daquele ano, o Vesúvio começou a lançar sua lava na região de Pagani, próxima ao local onde habitava. O Padre Domingos Corsano, redentorista, ao avistar tamanho anúncio de tragédia, correu até a cela de Dom Afonso, pedindo-lhe que visse o que estava ocorrendo. Olhando pela janela, o Santo exclamou: “Jesus, Jesus, Jesus!”.

“Em seguida fez um grande sinal da Cruz na direção da montanha e, no mesmo instante, o imenso turbilhão de fogo e chamas […] desapareceu”. Depois, só foi vista a fumaça. O fato ficou marcado na história napolitana, assim como tantos outros milagres de Santo Afonso.1

O milagre é curto, mas impressionante. Como pode um homem ter poder sobre um evento da natureza de tão grande monta? Homens comuns simplesmente correriam para o mais longe possível, mas como Santo Afonso não é comum, com enorme confiança em Deus, fitou o vulcão e como que o abençoou, fazendo-o acalmar-se imediatamente.

A prova de que Santo Afonso foi certamente um alter Christus, como dito acima, está em compreender nesse milagre que Deus age na história, ou seja, diferente de nós que vivemos inseridos nela, Ele de modo externo a observa e escreve em suas linhas. Explique-se melhor, caro escritor, você diria…

Então vamos lá.

Sabemos que as histórias do Antigo Testamento são reais, ou seja, aconteceram de fato e por isso são lidas, antes de mais nada, por um viés interpretativo literal. Por exemplo, nós sabemos que o milagre da passagem do povo hebreu pelo Mar Vermelho aconteceu de fato, certo? Certo.

Até aí tudo bem. Contudo, a intepretação das Sagradas escrituras não se encerra aí, mas segundo a hermenêutica bíblica, ressalvadas as diferenças de literatura, há ainda três outras formas de interpretação: moral, analógica e anagógica. O que isso quer dizer? Bem, não vamos explicá-las aqui, mas precisamos entender que considerando o exemplo da passagem pelo Mar Vermelho, conseguimos compreendê-lo não só como um fato real ocorrido na história, mas como uma mensagem de Deus para os homens.

Logo, a passagem do povo hebreu pelo Mar Vermelho não remete somente àquelas pessoas que ali estiveram fisicamente, mas a todos nós que devemos passar por um caminho longo e tortuoso para alcançar o Céu (sentido anagógico), e que para isso precisamos agir bem (sentido moral), amando a Deus durante esta travessia, senão certamente nos abandonaremos a própria sorte e morreremos afogados no pecado.

Em praticamente toda a Sagrada Escritura podemos observar exemplos como este, que mostram que Deus age na história, como já dito, ou seja, acompanha a história do mundo e nela escreve belas letras de Sabedoria para que aprendamos a viver conforme sua vontade. Sendo assim, nada do que acontece é em vão.

Sim. Mas que tem isso a ver com o Milagre do Vesúvio? E em que isto se relaciona com o fato de S. Afonso ser um alter Christus? Não me confunda, escritor…

Simples. O milagre do Vesúvio aconteceu na história. Não duvidemos disso. Santo Afonso de fato salvou centenas de pessoas com este ato. Mas há algo de mais elevado aí. Veja, analogicamente, ou seja, metaforicamente podemos dizer que o Vulcão somos nós e Santo Afonso é Cristo, Nosso Senhor. Como assim?

Parece estranho, mas nós somos de fato esse vulcão que, adormecido, parece tranquilo e calmo, como se estivesse tudo sob controle, mas que com uma pequena contrariedade entra em erupção, ira-se, enraivece-se, manifesta descontentamento com tudo e com todos. O vulcão pode ser também figura dos pecadores empedernidos, insistentes no erro, que ao se manifestarem no mundo explodem, lançando seu orgulho aos quatro cantos, queimando com lava maldita toda ação mansa e humilde dos que estão ao seu redor.

Contudo nada disso detém a misericordiosa ação de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na pessoa de Santo Afonso, olha triste e angustiado para o pecador por causa de seu pecado, mas certo da redenção, mostra para ele a solução de todos os seus problemas: a Cruz, aquela que é escândalo para os judeus, loucura para os gregos2, mas salvação para os cristãos. A Santa Cruz é verdadeiramente a fonte de nossa transformação. Assim como aqueles que olharam para a serpente erguida no deserto foram salvos do veneno das cobras rastejantes, assim também os que fitam a Cruz de Cristo são salvos dos males do pecado.

Pois assim foi, o vulcão “olhou” para a Cruz traçada pelas mãos de Santo Afonso e acalmou-se prontamente. O pecador empedernido, contumaz, uma vez fitando com os olhos da alma a Cruz de Nosso Senhor não quererá mais afundar-se na lava da corrupção e da morte. Sofrerá para ajustar-se, mas lembrar-se-á prontamente da face de Cristo pregado no madeiro.

Então digam-me, nós somos ou não o vulcão e Santo Afonso é ou não um alter Christus? Parece que sim. Deus é infinitamente rico em sabedoria e misericórdia. Assim, fez uso de seus santos não só para realizar milagres no tempo e espaço em que se encontravam, mas, como nas histórias contadas nas Sagradas Escrituras, para mostrar-nos o modo de vida que devemos escolher para O glorificarmos verdadeiramente, para sermos como um vulcão restituído ao estado de dormição, que afastado do pecado pode contemplar a beleza de tudo, especialmente da Cruz que o redimiu, Cruz para a qual Santo André, prestes a ser martirizado, clamou: “Ó preciosa cruz, que recebeste a beleza pelos membros do Senhor, há tempos desejada, ardentemente amada, incessantemente buscada! E, agora que vieste a mim, como a minha alma é atraída por ti! Arrebata-me dos homens e devolve-me ao meu Mestre, e assim, em ti me receba Aquele que em ti me redimiu”.

Salve Maria!

Por uma religiosa, membro da Congregação Mariana da Imaculada Conceição e Santo Afonso, Manaus/AM

 

  1. Pe. Berthe. Santo Afonso de Ligório, p. 570/571
  2. I Cor. 1, 23

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