A natureza da Apologética Católica

Embora a palavra apologética não tenha entrado em uso geral até o século XIX, a atividade que ela conota é tão antiga quanto o próprio Cristianismo. Desde os dias em que Nosso Senhor andava na Palestina, os homens têm buscado refutar as acusações apresentadas contra Seus seguidores e Sua doutrina e para mostrar a razão decisiva por que seus companheiros deveriam aceitar Seus ensinos com o consentimento da fé divina

São Justino Mártir e Atenágoras apontaram a injustiça da perseguição do Império Romano contra os seguidores de Cristo; Orígenes derrubou triunfantemente as acusações de mal e inconsistência que o filósofo Celso havia levantado contra o ensino cristão; Eusébio de Cesaréia e Santo Atanásio foram capazes de refutar reivindicações que haviam sido apresentadas em favor de uma superioridade cultural do paganismo sobre o catolicismo; Santo Agostinho demonstrou que a aceitação do Cristianismo pelo Império Romano de forma alguma foi responsável pelas calamidades que se abateram sobre o Estado durante as incursões bárbaras, e assim continuou ao longo dos séculos.

Quando os homens atacaram as reivindicações intelectuais do Cristianismo em nome do antigo paganismo, ou do Judaísmo, ou mais tarde do Islamismo, sempre houve seguidores eruditos de Cristo capazes de examinar esses escritos e responder vitoriosamente a eles. Novamente, desde o tempo de Santo Irineu até o nosso, os estudiosos da Igreja Católica tiveram que manter uma batalha contínua contra aqueles homens que atacavam a Igreja em nome de uma ou outra das seitas que disputavam com ela o título e as prerrogativas da verdadeira igreja cristã. Finalmente, houve escritores católicos que, em tempos mais recentes, deram respostas contra o racionalismo, o naturalismo e o modernismo, e que desenvolveram o que podemos chamar de uma teoria para a defesa da Santa Igreja.

O dogma católico consiste naquelas verdades que se encontram na Sagrada Escritura e na Tradição, e que são apresentadas pela Igreja, seja por meio de julgamento solene ou em seu Magistério ordinário e universal, como tendo sido reveladas por Deus para serem aceitas por todos os homens com o consentimento da fé divina. É um corpo de ensino que afirma ser vivo e imutável. É vivo no sentido em que é proposto imutavelmente a todas as pessoas de todas as idades, de todos os tempos, culturas, capacidades intelectuais, de todas as línguas e perante todas as dificuldades que surgiram nas crises da história mundial. O dogma católico é imutável na medida em que as mesmas verdades são sempre apresentadas ao povo como tendo sido reveladas por Deus, sem jamais mudar.

A ciência da apologética, então, assume a defesa de uma doutrina que não é meramente registrada em um livro e então deixada para as interpretações variadas de diferentes idades e condições culturais. Ao contrário, defende este dogma demonstrando, com clareza e certeza, possuir provas de ter sido revelado por Deus. Uma doutrina que oferece evidência naturalmente verificável de ter sido comunicada por Deus é obviamente aquela que os homens podem aceitar prudente e racionalmente com o consentimento da fé divina. A defesa do dogma católico consiste então no exame das alegações avançadas em favor desse ensino e, então, na demonstração da maneira como essas alegações são justificadas por sinais manifestos de origem divina.

O termo defesa, como é usado em conexão com a função da apologética científica, deve ser devidamente compreendido. A ciência da apologética não é de forma alguma interpretada como uma resposta a algum ataque definitivo que foi feito contra a integridade da doutrina cristã. Tal resposta deve ser classificada como obra de controvérsia ou polêmica individual. Nem deve esta ciência ser meramente pensada como um repertório a partir do qual respostas podem ser encontradas para qualquer acusação que possa ser levantada contra a Igreja ou seu ensino. Todas as ciências eclesiásticas contêm informações que podem ser utilizadas para responder a tais ataques. Da mesma forma, a ciência da apologética é bastante distinta do que é conhecido como a apologia do dogma.

A ciência da apologética difere da controvérsia e da polêmica por ser positiva e irênica ao invés de negativa. É distinta da apologia do dogma por indagar sobre a aceitabilidade do corpo da doutrina revelada como um todo, em vez de alguma declaração individual contida no corpo do ensinamento divino.O dogma católico que a ciência da apologética se propõe a estabelecer como intelectualmente aceitável é um corpo de ensino que afirma ter sido revelado pelo próprio Deus.

Incluídas neste corpo de ensino estão certas verdades que são conhecidas como mistérios sobrenaturais, verdades absolutamente além da capacidade natural de qualquer criatura, real ou possível, compreender. Tais verdades podem ser vistas claramente apenas à luz da inteligência divina, ou na visão beatífica que Deus concede como uma recompensa sobrenatural e eterna aos bem-aventurados no céu. Tais são, por exemplo, a Santíssima Trindade e as processões divinas, a Santíssima Eucarística, os atributos de Deus e a Visão Beatífica. Se essas verdades não tivessem sido reveladas ao homem, isto é, comunicadas a ele de uma forma que é ao mesmo tempo distinta e superior à maneira. no qual o homem obtém naturalmente seu conhecimento, ele nunca poderia saber de sua existência. Por esta razão, é inútil tentar qualquer prova de aceitabilidade que pretenda mostrar que todas as verdades contidas no depósito da revelação cristã são evidentemente verdadeiras. Enquanto o homem estiver neste mundo, ele será incapaz de efetuar qualquer demonstração desse tipo. O único recurso que resta a quem deseja estabelecer a aceitabilidade intelectual do dogma católico é a demonstração de que esses mistérios foram realmente revelados por Deus.

A revelação com a qual estamos preocupados é mediata e pública, ao invés de imediata e privada. Em outras palavras, é um corpo de doutrina que chega ao “destino” individual por meio da pregação de algum de seus semelhantes. Ele se destina ao corpo da humanidade como um todo, e não apenas a um indivíduo ou a um número limitado de pessoas. Conseqüentemente, é impossível para o apologista apelar apenas para o indivíduo, a experiência de um dos “destinários”.

Só se pode estar certo de que o dogma da Igreja Católica só é intelectualmente aceitável quando a origem divina dessa doutrina é atestada por garantias evidentes e certas. Uma doutrina assim garantida é considerada racionalmente crível. Em outras palavras, é um ensino que os homens podem prudentemente e razoavelmente aceitar com o consentimento da revelação divina. Uma afirmação é considerada racionalmente crível apenas na medida em que pode ser aceita com o consentimento da fé divina por um homem que não comete violência contra sua própria natureza humana ao crer nela.

Ao propor o dogma católico como algo que é evidentemente crível como revelação divina, a ciência da apologética está bastante ciente do fato de que aceitar uma declaração sobre a autoridade de Deus revelando-a é de fato algo muito grave e sério. Em vez de honrar a Deus, o homem cometeria uma ofensa contra Ele se acreditasse sem razão que alguma declaração foi comunicada pelo Criador. O ensino cristão censura o homem que acredita sem ter motivo para saber que a afirmação que ele aceita é na verdade aquela que deve ser aceita. “Aquele que se precipita em dar crédito é leve de coração e será diminuído”. (Ec19, 4) Além disso, na própria escritura há a afirmação direta de que a mensagem revelada é realmente confiável.“Vossos testemunhos se tornaram extremamente críveis.” (Sl 92, 5)

Em geral, um julgamento de credibilidade envolve três elementos:

  1. Em primeiro lugar, o homem que recebe uma mensagem com base na autoridade daquele que a comunicou, e não em razão de qualquer evidência da verdade manifestada na própria comunicação, deve saber se a declaração é genuína, isto é, se tem na verdade, vem da pessoa que supostamente o enviou.
  2. Deve saber se a pessoa que enviou a mensagem realmente tem conhecimento do objeto sobre o qual deseja instruir.
  3. Finalmente, o “destino” deve ser capaz de julgar se o remetente da mensagem realmente pretende dizer a verdade.

Ao lidar com uma mensagem que afirma vir de Deus, obviamente, apenas o primeiro elemento precisa ser considerado. Nosso conhecimento natural sobre Deus nos mostra claramente que Ele é ao mesmo tempo onisciente e totalmente verdadeiro. Conseqüentemente, não se pode rejeitar uma mensagem que pretende vir de Deus com o fundamento de que Ele pode nos enganar. No entanto, não é apenas possível, mas mesmo necessário, indagar se esta mensagem em particular realmente veio de Deus.

O padrão pelo qual determinamos a origem divina de um particular ou de qualquer comunicação é análogo ao que utilizamos para determinar a origem de qualquer outra mensagem que possamos receber. Reconhecemos uma mensagem de outro ser humano principalmente por meio de sua assinatura. Essa assinatura é tão intensamente pessoal que pode ser considerada perfeitamente apropriada apenas para o ser humano individual envolvido. Outros podem falsificar sua assinatura, mas nunca podem duplicá-la. Uma mensagem que leva a assinatura ou o selo de um homem é corretamente considerada como emanando de sua pessoa e tão digna de crédito quanto ele próprio.

Embora o próprio Deus seja invisível aos olhos do corpo, existem certos efeitos visíveis que só Ele pode produzir e que são manifestamente distintos e superiores a toda e qualquer falsificação desses mesmos efeitos. Tais obras, evidentes em si mesmas e manifestamente anexadas ao corpo de uma doutrina que afirma ser revelada, mostram que essa doutrina é de ensino divino autêntico. O Deus onisciente e justo nunca poderia permitir-se enganar Suas criaturas anexando Sua assinatura a uma doutrina que Ele sabia ser falsa. Ele nunca poderia permitir que fosse chamado como testemunha e atestasse uma afirmação infundada.

Uma mensagem que afirma vir de Deus e que é autenticada por esses efeitos visíveis e manifestamente divinos é apropriadamente chamada de credível. É função do apologista mostrar que esse é o caso do dogma católico. O homem que aceita com o consentimento da fé divina uma doutrina que dá indicações evidentes de vir de Deus, obviamente age de acordo com os ditames de sua própria razão. Ao acreditar numa mensagem que dá indicações manifestas de sua própria origem divina, o católico age com prudência e sabedoria.

Baseado na obra We Stand with Christ do Pe. Joseph C. Fenton (1943)
Por um Congregado Mariano

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