O Dicastério para a Doutrina da Fé e a Corredenção de Nossa Senhora
Fonte: Site do Vaticano
Sob a direção do cardeal Víctor Manuel Fernández, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou recentemente um documento tratando de determinados títulos marianos. Neste recorte, analisa-se especificamente o modo como o texto aborda o título de Corredentora.
Corredentora
17. O título de Corredentora aparece no século XV como correção à invocação de Redentora (como abreviação de Mãe do Redentor) que Maria vinha recebendo desde o século X. São Bernardo atribui a Maria um papel aos pés da Cruz que dá lugar ao título de Corredentora e que aparece pela primeira vez num hino anônimo do século XV em Salisburgo.[31] Ainda que a denominação de Redentora se tenha mantido durante os séculos XVI e XVII, desapareceu totalmente no século XVIII para ser substituída por Corredentora. A investigação teológica da cooperação de Maria na Redenção, durante a primeira metade do século XX, chegou a aprofundar mais o conteúdo do título de Corredentora.[32]
18. Alguns Pontífices utilizaram este título sem se deterem demasiado em explicá-lo.[33] Geralmente apresentaram-no de duas maneiras diversas: em relação à maternidade divina, enquanto Maria, como mãe, tornou possível a Redenção realizada em Cristo,[34] ou ainda, em referência à sua união com Cristo junto à Cruz redentora.[35] O Concílio Vaticano II evitou utilizar o título de Corredentora por razões dogmáticas, pastorais e ecuménicas. São João Paulo II utilizou-o, ao menos em sete ocasiões, relacionando-o especialmente com o valor salvífico da nossa dor oferecida junto à de Cristo, ao qual se une Maria sobretudo na Cruz[36].
19. Na Sessão Ordinária (Feria IV)de 21 de fevereiro de 1996, o Prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Joseph Ratzinger, diante da pergunta se era aceitável a petição do movimento Vox Populi Mariae Mediatrici para uma definição do dogma de Maria como Corredentora ou Medianeira de todas as graças, respondeu em seu voto particular: «Negativo. O significado preciso dos títulos não é claro e a doutrina neles contida não está madura. Uma doutrina definida de fé divina pertence ao depósito da fé, ou seja, à revelação divina vinculada na Escritura e na tradição apostólica. Desta maneira, não se vê em modo claro como a doutrina expressa nos títulos esteja presente na Escritura e na tradição apostólica».[37] Mais adiante, em 2002, expressou publicamente sua opinião contrária a este título: «A fórmula “Corredentora” distancia-se em demasia da linguagem da Escritura e da Patrística e, portanto, provoca mal-entendidos… Tudo procede d’Ele, como dizem sobretudo as Cartas aos Efésios e aos Colossenses. Maria é o que é graças a Ele. A palavra “Corredentora” obscureceria essa origem». O Cardeal Ratzinger não negava que houvesse na proposta de uso deste título boas intenções e aspectos válidos, porém sustentava que era um «vocábulo equívoco».[38]
20. O então Cardeal mencionava as Cartas aos Éfesios e aos Colossenses, onde o vocabulário utilizado e o dinamismo teológico dos hinos apresenta, de tal modo, a centralidade redentora única e fontalidade do Filho encarnado que resta excluída a possibilidade de agregar outras mediações, porque «toda a espécie de bênçãos espirituais» nos são dadas «em Cristo» (Ef 1, 3), porque por Ele somos filhos adotivos (cf. Ef 1, 5) e n’Ele fomos agraciados (cf. Ef 1, 6), «pelo seu sangue, […] temos a redenção» (Ef 1, 7) e Ele «derramou sobre nós» (Ef 1, 8) sua graça. N’Ele «fomos escolhidos como sua herança»(Ef 1, 11) e estávamos predestinados. E Deus quis n’Ele «fazer habitar toda a plenitude» (Cl 1, 19) «e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas» (Cl 1, 20). Semelhante louvor, sobre o lugar único de Cristo, convida a situar qualquer criatura num lugar claramente receptivo, bem como a uma religiosa e delicada cautela na hora de colocar qualquer forma de possível cooperação no âmbito da Redenção.
21. O Papa Francisco expressou, ao menos por três vezes, sua posição claramente contrária ao uso do título de Corredentora, alegando que Maria «jamais quis reter para si algo do seu Filho. Nunca se apresentou como corredentora. Não, discípula!».[39] A obra da redenção foi perfeita e não necessita de acréscimo algum. Por isso, «Nossa Senhora não quis tirar nenhum título a Jesus […]. Ela não pediu para ser uma quase-redentora ou corredentora: não. O Redentor é um só e este título não se duplica».[40] Cristo «é o único Redentor: não existem corredentores com Cristo».[41] Porque «o sacrifício da Cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita».[42] Se bem que nós possamos prolongar no mundo os seus efeitos (cf. Cl 1, 24),nem a Igreja, nem Maria podem substituir, ou aperfeiçoar, a obra redentora do Filho de Deus encarnado, que foi perfeita e não necessita de acréscimos.
22. Levando em consideração a necessidade de explicar o papel subordinado de Maria a Cristo na obra da Redenção, é sempre inoportuno o uso do título de Corredentora para definir a cooperação de Maria. Este título corre o risco de obscurecer a única mediação salvífica de Cristo e, portanto, pode gerar confusão e desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã, pois «não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar» (Act 4, 12). Quando uma expressão requer muitas e constantes explicações, para evitar que se desvie de um significado correto, não presta um bom serviço à fé do Povo de Deus e torna-se inconveniente. Neste caso, não ajuda a exaltar Maria como primeira e máxima colaboradora na obra da Redenção e da graça, porque o perigo de obscurecer o lugar exclusivo de Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem por nossa salvação, único capaz de oferecer ao Pai um sacrifício de valor infinito, não seria uma verdadeira honra à Mãe. Com efeito, ela, como «serva do Senhor» (Lc 1, 38), orienta-nos para Cristo e pede-nos para fazer «o que Ele vos disser» (Jo 2, 5).
“São questões que preocuparam os recentes Pontífices e que foram repetidamente tratadas nos últimos trinta anos nos diversos âmbitos de estudo do Dicastério, como Congressos, Assembleias ordinárias, etc. Isto permitiu a este Dicastério contar com um abundante e rico material que alimenta a presente reflexão.”
Ao ler essa introdução, poder-se-ia supor que o texto apresentaria um sólido embasamento na doutrina e na tradição da Igreja. No entanto, ao tratar especificamente da Corredenção de Maria, percebe-se justamente o oposto.
O documento traça o histórico do termo desde São Bernardo, menciona um hino beneditino do século XV que invoca Nossa Senhora com esse título e recorda que papas como São Pio X, Pio XI e João Paulo II também o utilizaram. O curioso — para não dizer irônico — é que, ao tentar rejeitar o uso do título, o texto acaba demonstrando que se trata de uma formulação teológica antiga, amplamente presente na espiritualidade e no ensinamento da Igreja.
Como não encontra na tradição razões consistentes para negar o título, o cardeal Fernández recorre ao parecer privado do então cardeal Ratzinger e à opinião pessoal do Papa Francisco. Contudo, trata-se de julgamentos particulares, não de expressões do magistério universal da Igreja — e o próprio documento não consegue mostrar continuidade entre essas opiniões pessoais e a doutrina recebida ao longo dos séculos.
Ou seja, o documento revela-se extremamente fraco em sua argumentação e demonstra, mais uma vez, a pobreza teológica do atual prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Viva a Corredentora!
Viva a Medianeira de Todas as Graças!
Obs.: Apesar de o documento também tratar da questão da Mediação de Nossa Senhora, esse ponto será abordado de forma mais aprofundada, juntamente com o tema da Corredenção, em um artigo futuro.




