Magis – O autêntico espírito da Congregação
Santo Inácio, de quem herdou a Congregação Mariana sua verdadeira espiritualidade, percebeu logo no início de seu apostolado que somente ganha a vitória na batalha espiritual aquele que está pronto para se distinguir no serviço de Cristo Rei imitando-o, isto é, seguindo o mesmo caminho que Ele seguiu: A Vitória pela Cruz.
Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio nos leva a considerar o apelo de Nosso Senhor nestes termos: Minha vontade é conquistar todo o mundo e todos os inimigos, e assim entrar na glória de meu Pai; portanto, quem quiser vir comigo, há de trabalhar comigo, para que seguindo-me na pena, siga-me também na Glória1 e, imediatamente após esta consideração, Santo Inácio nos indica o caminho: Aqueles que quiserem dar prova maior de seu amor e distinguir-se no serviço de seu rei eterno e senhor universal […] irão rejeitar sua própria sensualidade e os amores carnais e mundanos.
Aqui, a espiritualidade de Santo Inácio – e, por extensão, a espiritualidade da Congregação Mariana – leva-nos ao corolário dos dois estandartes: A Vitória de Cristo deve acontecer em primeiro lugar no mais profundo de nossa própria alma.
Em primeiro lugar, devemos ser vitoriosos em defender as fronteiras de nosso coração
Se desejamos lutar sob o estandarte de Cristo e ao seu Lado, sob seu comando, conquistar o mundo para Deus, devemos primeiro nos tornar homens de magis, isto é, de fazer “a mais” por Cristo, possuídos por um ardente desejo do Céu, ao ponto de fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre-arbítrio e não lhe está proibido, de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais a saúde que a doença, mais a riqueza que a pobreza, mais a honra que a desonra, mas somente desejemos e escolhamos o que nos conduz até o fim para que fomos criados2, isto é, louvar, prestar reverência e servir a Deus e, mediante a isto, salvar sua alma, para gozá-lo eternamente no Céu.
O autêntico espírito da Congregação é o espírito de magis: Fazer mais pelo Rei Crucificado, com ardente, embora sóbrio, entendimento de que não há vitória na luta pelo o Reino de Cristo que não dependa do desprezo e da negação de si mesmo. Essa realidade está tão perfeitamente expressa nos três graus de humildade de Santo Inácio que dela não é necessário falar mais do que o que disse Santo Inácio nos Exercícios:
O primeiro tipo de humildade é necessário à salvação eterna. E consiste em me rebaixar e me humilhar tanto quanto me for possível, para obedecer em tudo à Lei de Deus Nosso Senhor. De tal modo que, mesmo que me tornassem senhor de todas as coisas criadas neste mundo ou mesmo que estivesse em risco a minha própria vida temporal, nunca pensaria em transgredir um mandamento, fosse ele divino ou humano.
O segundo tipo de humildade é uma humildade mais perfeita que a primeira. E consiste nisto: encontro-me num ponto em que não desejo nem tendo a possuir a riqueza mais do que a pobreza, a querer a honra mais do que a desonra, a desejar uma vida longa mais do que uma vida curta, quando as alternativas não afectam o serviço de Deus Nosso Senhor e a salvação da minha alma.
O terceiro tipo de humildade é a humildade mais perfeita: é quando, incluindo a primeira e a segunda, sendo iguais o louvor e a glória da Sua divina majestade, para imitar Cristo Nosso Senhor e me assemelhar a Ele mais eficazmente, desejo e escolho a pobreza com Cristo pobre em vez da riqueza, o opróbrio com Cristo coberto de opróbrios em lugar de honrarias; e desejo mais ser tido por insensato e louco para Cristo, que antes de todos foi tido como tal, do que sábio e prudente neste mundo
Disso podemos tirar uma conclusão. Só se alistam verdadeiramente na Congregação aqueles que tem a palavra magis, “a mais”, em seu estandarte, aqueles dispostos a fazer o que não precisam e a dedicar-se no que é dispensável, a escolher a dureza quando a moleza é permitida e louvada. A congregação é a casa de homens duros, embora consumidos no fogo da caridade e da humildade, que conhecem a Batalha e não tem medo de ser desprezados pelo mundo, homens dispostos ao sacrifício, ao desprezo de si mesmo e de sua própria vontade, à sua própria santificação por meio da assimilação do Crucificado. Diz-nos um dos primeiros manuais do congregado, escritos menos de 20 anos após a fundação da Prima-Primária: O primeiro objetivo da Congregação Mariana é o cultivo de uma vida mais perfeita, como a vida de Cristo3
É nessa realidade que reside o verdadeiro senso de “elite espiritual”: Não em honras, nem vestes, nem distinções, nem cerimônias; não em influências, nem destaques sociais, nem pompas, nem qualquer outra coisa exterior. Nem mesmo nas indulgências e privilégios e na história e glória do passado das Congregação reside sua verdadeira nobreza e destaque, mas na realidade espiritual do magis: Fazer o mais e o melhor por Cristo.
Note-se, então, como no centro da Espiritualidade da Congregação estão não estas preocupações efêmeras, que não são ruins em si mesmas e ajudam enquanto não são tomadas – como infelizmente muito se vê – como centro da espiritualidade mariana. Nada disso, repetimos, é o centro, mas sim a absoluta pre-eminência da vida interior, enraizada numa noção singular que transforma o pensamento e a ação de seus membros: Todo o entusiasmo pelo chamado a seguir a Cristo deve ser traduzido numa bravura de lutar contra a sensualidade e contra o mundo através de uma ardente vida interior. É esta a perfeição da vida espiritual de Pio XII na Bis Saeculari. É este o princípio de toda a nossa Regra, expresso na importância dos Exercícios Espirituais, da meditação diária, dos exames de consciência, dos sacrifícios e renúncias, da fervente vida sacramental, com comunhões e confissões frequentes e, sobretudo, da assistência frequente, se possível diária, à Santa Missa.
Mais do que isso, a Congregação Mariana tem por objetivo primeiro e essencial gravar o magis, o desejo pelo mais, tão bem traduzido na frase de Santo Inácio – Que fiz? Que faço? Que farei por Cristo? – e a Congregação faz isso em seus membros apoiando-se em princípios que resistiram a toda mudança e inovação, a toda novidade e moda, que se provaram na face de toda crítica. É este o chamado que Nossa Senhora faz a seus congregados, imitando o Rei Crucificado: quem quiser vir comigo, há de trabalhar comigo, para que seguindo-me na pena, siga-me também na Glória.
Baseado nos escritos do Pe. Rahner, 1952
Tradução e Extensão por um congregado mariano