Os sete pecados capitais

É sempre bom ter em mente que é necessário utilizar o organismo sobrenatural presente em nós e aperfeiçoá-lo por meio de três elementos: 1) o combate da concupiscência; 2) a multiplicação de méritos; e 3) aproximação aos sacramentos.

Quanto ao primeiro, precisamos compreender que são três os inimigos espirituais (fontes das tentações), quais sejam, a concupiscência, o mundo e o demônio.

A concupiscência trata-se do inimigo interior, gerado pela tendência que há em nós advinda do pecado original, de onde advém os sete vícios, também conhecidos como pecados capitais.

A concupiscência é dividida, por sua vez, em três tipos, a da carne, dos olhos e o orgulho da vida. A primeira gera a ira, gula, luxúria e preguiça. A segunda, a dos olhos, dá vazão à avareza. E o orgulho ou soberba da vida compreendem o próprio orgulho e a inveja.

Estes sete não são pecados em si, mas, necessariamente, são uma tendência natural ao mal. São chamados capitais, porque, conforme a etimologia da palavra “caput”, que significa cabeça, tratam-se dos vícios centrais de todo o pecado.

Vamos então estudar um pouco cada pecado capital.

 

Orgulho

O Orgulho é o desvio do sentimento de estímulo do que há de bom em nós, e a procurar a estima dos outros na medida em que ela é útil às boas relações que devemos manter com eles. Trata-se da atribuição dos dons de Deus a si mesmo, mesmo Deus é o nosso primeiro princípio

Incide-se num amor desordenado de si mesmo que faz que o homem se estime explícita ou implicitamente, como se fosse o seu primeiro princípio ou último fim.

É, portanto, o pecado dos ateus, que não sujeitam-se ao Criador, bem como aquele equivalentemente ao pecado de Lúcifer, que, pretendendo ser autônomo, recusou submeter-se a Deus; o dos nossos primeiros pais, que, desejando ser como deuses, quiseram conhecer por si mesmos o bem e o mal; o dos hereges, que, como Lutero, se negaram a reconhecer a autoridade da Igreja estabelecida por Deus ; e o dos racionalistas que, ufanas da própria razão, não querem submetê-la à fé.

O orgulho nos leva a imaginar que os dons gratuitos de Deus são fruto dos nossos merecimentos e que as nossas boas obras nos pertencem mais que a Deus, quando em realidade é Ele a sua causa principal; ou, enfim, dos que nelas se comprazem, como se fossem unicamente suas. Por isso, o orgulho tende a exagerar suas qualidades pessoais.

O orgulho gera uma natural dificuldade para se galgar na vida espiritual, pois os orgulhosos fazem pouco caso das pequenas regras, querendo santificar-se por grandes meios. Tendem a sempre desejar serem inundadas de consolação.

Em relação aos superiores, cria-se um estado crítica e revolta, tornando difícil a obediência, já que sempre há um desejo de louvor das próprias obras.

O orgulho contém alguns sub-tipos, vejamos:

  1. Presunção – querer fazer coisas além da própria força. Intelectualmente, o presunçoso acha ser capaz de discutir qualquer coisa; Moralmente, entende não ser necessário consultar um diretor, por entender que não tem recaídas. Espiritualmente sempre espera por graças extraordinárias;
  2. Ambição – amor desordenado das honras, dignidades, da autoridade sobre os outros;
  3. Vaidade – amor desordenado da estima dos outros. O erro aqui está em querer ser estimado sem dar honras a Deus;
  4. Jactância – hábito de falar de si, bem ou até mesmo mal. No último caso trata-se daqueles que timidamente falam de seus defeitos, aguardando que o desculpem;
  5. Ostentação – atração da atenção sobre si;
  6. Hipocrisia – toma os exteriores ou as aparências da virtude.

O orgulho voluntário e consciente é pecado grave, o mais grave, segundo S. Tomás. Querer ser independente, recusar a obediência a Deus e a seus representantes, é pecado mortal, quando voluntário, como dissemos. Atribuir-se a si mesmo o que vem de Deus é também falta grave.

Por fim, o orgulhoso perde muitas graças, porque Deus dá com liberalidade aos humildes.

O melhor remédio contra o orgulho é reconhecer que Deus é autor de todo bem, identificando sempre nas orações que “Não sou nada, não posso nada, não valho nada, sou pecador”.

 

Inveja

A inveja é uma tendência a entristecer-se do bem de outrem, como se fosse um golpe vibrado à nossa superioridade. Ela nasce do orgulho e, por isso, não tolera nem superiores nem rivais.

É pecado moral, por ser diretamente oposto à caridade. Quanto maior o bem que se inveja, maior é o pecado. S. Tomás diz que ter inveja dos bens espirituais do próximo, entristecer-se dos seus progressos ou triunfos é gravíssimo.

A inveja tende a excitar sentimentos de ódio, semeia divisões, criando uma alma perturbada.

Os remédios para a inveja são:

  1. Negativos: desprezar os sentimentos de inveja, esmagando-os como um réptil venenoso; divertir o pensamento para outra coisa e depois refletir que as qualidades do próximo não diminuem as nossas;
  2. Positivos: somos membros do corpo místico de Cristo e por isso o triunfo de um redunda sobre os demais. É necessário regozijar-se da superioridade de outro, porque faz bem comum. A emulação é uma ótimo solução de humildade, ou seja, imitar a virtude do próximo.

 

Ira

A ira sob o aspecto da paixão é a necessidade violenta de reação, por causa de uma contrariedade física ou moral. Descarrega-se a cólera sobre pessoas, animais ou coisas

Sob o aspecto do sentimento é o desejo ardente de repelir e castigar um agressor.

Para ser legítima, a cólera (santa indignação) tem que ser: a) justa no seu objeto, não tendo em vista senão castigar a quem o merece e na medida em que o merece; b) moderada no seu exercício, não indo mais longe do que reclama a ofensa cometida e seguindo a ordem que demanda a justiça; c) caritativa na sua intenção, não se deixando arrastar a sentimentos de ódio, não procurando senão a restauração da ordem e a emenda do culpado.

Quando a cólera é simplesmente um movimento transitório de paixão, é de sua natureza pecado venial, porque então há excesso na maneira por que ela se exerce, neste sentido

que ultrapassa a medida, mas não há, assim o supomos, violação das grandes virtudes da justiça ou da caridade.

A cólera, que chega a ódio e rancor, quando é deliberada e voluntária, é pecado mortal de sua natureza, porque viola gravemente a caridade e muitas vezes a justiça.

É neste sentido que N. S. Jesus Cristo disse: «Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu no juízo. E o que disser a seu irmão: raca, será réu no conselho. E o que lhe chama insensato, será réu do fogo do inferno».

Sob o aspecto da perfeição, é a ira, diz S. Gregório é um grande obstáculo ao progresso espiritual. E que, de fato, se a não reprimimos, faz-nos perder: 1) a sabedoria ou a ponderação; 2) a amabilidade, que faz o encanto das relações sociais; 3 ) a preocupação da justiça, porque a paixão impede de reconhecer os direitos do próximo; 4) o recolhimento interior, tão necessário à união íntima com Deus, à paz da alma, à docilidade, às inspirações da graça.

Como remédios, deve-se prevenir a cólera acostumando-nos a refletir antes de fazer qualquer coisa, para nos não deixarmos dominar pelos primeiros ímpetos da paixão. Além disso, quando esta paixão, a despeito de todas as cautelas, nos sobressaltou o coração, «melhor é sacudi-la com presteza que querer negociar com ela; porque, por pouco lugar que lhe dermos, se faz senhora de toda a praça, havendo-se como a serpente que introduz facilmente todo o corpo, por onde pode meter a cabeça. É mister, logo que a sentirdes, convocar prontamente vossas forças, não áspera nem impetuosamente, mas suave e ainda assim seriamente. Aliás, se quisermos reprimir a cólera com ímpeto, mais nos perturbaremos.

Para melhor sofrear a ira, é útil divertir a atenção, isto é, pensar em qualquer coisa diversa do que a possa excitar. É necessário, pois, desterrar a lembrança das injúrias recebidas e afastar as suspeitas.

Devemos invocar o auxílio de Deus, quando nos vemos agitados pela cólera, à imitação dos Apóstolos, combatidos pelo vento e tempestade no meio do mar, porque Deus mandará às nossas paixões que sosseguem e sobrevirá grande tranquilidade»

Os perfeitos orarão pela conversão de quem os ofendeu, e encontrarão nesta prece bálsamo suavíssimo para as feridas da sua alma.

 

Gula

É o amor desordenado aos prazeres da mesa, bebida e comida. Há prazer no alimento por si mesmo.

Pode-se pecar pela gula de quatro formas:

  1. Praepropere: isto é, comer antes de sentir necessidade, fora das horas marcadas para as refeições, e isto sem motivo legítimo, só para satisfazer a gula.
  2. Laute et studiose: buscar iguarias esquisitas ou preparadas com demasiado apuro, para gozar delas mais; é o pecado dos gulosos ou gastrónomos.
  3. Nimis: é ultrapassar os limites do apetite ou da necessidade, enfartar-se de comida ou bebida, com risco de arruinar a saúde; é evidente que só o prazer desordenado pode explicar este excesso, que no mundo se chama glutonaria.
  4. Ardenter: comer com avidez, com sofreguidão, como fazem certos animais; e esta maneira de proceder é considerada no mundo como grossaria.

A malícia da gula vem de escravizar a alma ao corpo, materializar o homem, enfraquecer a sua vida intelectual e moral.

A gula é falta grave: a) quando chega a excessos tais que nos torne incapazes, por tempo notável, de cumprir os nossos deveres de estado ou obedecer às leis divinas ou eclesiásticas; por exemplo, quando prejudica a saúde, quando dá origem a despesas loucas que põem em risco os interesses da família, quando leva a faltar às leis da abstinência ou do jejum.

A gula não passa de falta venial, quando alguém cede aos prazeres da mesa imoderadamente, mas sem cair em excessos graves, sem se expor a infringir qualquer preceito importante.

Este pecado causa a imortificação, que enfraquece a vontade e desenvolve o amor do prazer sensual que prepara a alma para capitulações perigosas. Acaba por ser fonte de muitas faltas, produzindo uma alegria excessiva, que leva à dissipação, à loquacidade, aos gracejos de gosto duvidoso, à falta de recato e modéstia, e abre assim a alma aos assaltos do demônio.

É, portanto, preciso tomar as refeições com intenção rcta e sobrenatural, não como o animal que não busca mais que o prazer, senão como cristão, para melhor trabalhar na glória de Deus: com espírito de reconhecimento para com a bondade de Deus que se digna conceder-nos o pão de cada dia; com espírito de humildade, dizendo-nos a nós mesmos, com S. Vicente de Paulo, que não merecemos o pão que comemos; com espírito de amor, empregando as forças, que recuperamos, no serviço de Deus e das almas.

Devemos levantar-nos da mesa com uma sensação de leveza e vigor, ficar um pouco aquém do apetite, e evitar ficar entorpecidos com os excessos da mesa.

É uma excelente prática habituar-se a não tomar refeição alguma, sem nela fazer qualquer mortificação. Essas pequenas mortificações têm a vantagem de fortificar a vontade sem dano para a saúde, e é por isso que são geralmente preferíveis às mortificações mais importantes que só raramente se praticam. As almas boas animam essas mortificações com um motivo de caridade, deixam um bocadinho para os pobres.

É também excelente prática habituar-se a comer um pouco do que não agrada.

 

Luxúria

A tendência mais ou menos violenta a experimentar o prazer relacionado aos atos de perpetuação da espécie, até mesmo fora do matrimônio legítimo. Tratam-se não só dos atos em sim, mas dos internos consentidos, imaginações, pensamento, desejos.

Se não se consente nesse prazer, e, por outro lado, há razão suficiente para praticar a ação que o ocasiona, não há culpa. Se, porém, os atos que determinam essas sensações, não são nem necessários nem seriamente úteis, tais como as leituras perigosas, as representações teatrais, as conversas levianas, as danças lascivas, é evidente que entregar-se a essas coisas é pecado de imprudência mais ou menos grave, segundo a gravidade da desordem assim produzida e do perigo que há de consentimento.

Solitárias ou cometidas com outras pessoas, não tardam essas faltas em produzir hábitos tirânicos, que paralisam todo o ardor para a perfeição e inclinam a vontade para as alegrias grosseiras. Gosto da oração, desejo de qualquer virtude austera, aspirações nobres e generosas, tudo isso desaparece.

Requerem-se convicções profundas, a fuga das ocasiões, a mortificação e a oração, convicção profunda de necessidade combater o mal e entender que é possível.

“O coração empedernido acabará por ser infeliz. Quem ama o perigo nele perecerá.” Eclesiástico, 3, 27

Se não se podem evitar algumas ocasiões, então é necessário fortificar a vontade com disposições interiores que tornem o perigo menos próximo.

Com os olhos é necessário ter resguardo muito particular, porque os olhares imprudentes inflamam os desejos, e estes arrastam a vontade. Eis o motivo por que Nosso Senhor Jesus Cristo declara que todo aquele que põe os olhos numa mulher com concupiscência já cometeu adultério em seu coração.

O sentido do tato é ainda mais perigoso porque facilmente provoca impressões sensuais que tendem a prazeres maus; é necessário, pois, abster-se desses toques ou carícias que não podem deixar de excitar as paixões.

Deve-se lutar ainda contra amizades sensíveis e perigosas. Quando muito novo, devem precaver-se contra essas afeições sensíveis e sensuais, que amolecendo o coração, o preparam a perigosas capitulações.

Outro remédio é a aplicação ao dever de estado, lutando contra a ociosidade.

O Concílio de Trento ensina que Deus não manda nada impossível, mas que exige façamos o que podemos e oremos para alcançar a graça de fazer o que por nós mesmos não podemos. Esta prescrição aplica-se sobretudo à castidade que oferece, para a maior parte dos cristãos, ainda quando vivem no santo estado do matrimônio, dificuldades especiais.

 

Preguiça

É a tendência do menor esforço. A preguiça é uma tendência à ociosidade ou ao menos à negligência, ao torpor na ação.

Trata-se de uma doença da vontade, teme e recusa o esforço.

Manso e resignado, enquanto o não inquietam, impacienta-se e irrita-se, se o querem tirar da sua inércia.

Alguns são os tipos de preguiçoso:

a) O desleixado ou indolente não se move para cumprir o seu dever senão com lentidão, moleza e indiferença; tudo o que faz, fica sempre mal feito;

b) O ocioso não recusa absolutamente o trabalho, mas anda sempre atrasado, vagueia por toda a parte sem fazer nada, adia indefinidamente a tarefa de que se encarregara;

c) O verdadeiro preguiçoso, esse não quer fazer nada que fatigue, e mostra aversão pronunciada para qualquer trabalho sério do corpo ou do espírito.

O fato é que o homem foi feito para o trabalho – “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para cultivar o solo e o guardar.” Gênesis 2, 15. É, pois, uma exigência da sua natureza trabalhar para cultivar as potências, prover às necessidades do corpo e alma, e tender assim para o seu fim. A lei do trabalho precede, pois, a culpa original.

Quando chega a omitir os deveres religiosos necessários à própria salvação, há falta grave, e também quando falta em seus deveres de estado.

Além das faltas positivas em que nos faz cair a ociosidade, só o fato de não cumprirmos os nossos deveres importantes é causa suficiente de reprovação. Fomos criados para servir

a Deus e cumprir os nossos deveres de estado, somos operários enviados por Deus para trabalhar na sua vinha. Ora o Senhor não exige somente aos obreiros que se abstenham de fazer mal; quer que trabalhem.

“Toda árvore que não produzir bons frutos será cortada e lançada ao fogo.” São Mateus, 3, 10b

 

Avareza

É o amor desordenado dos bens da terra. O avarento tem desejo nas riquezas como fim, e não como meio.

Na idade madura ou na velhice é que ela se manifesta; então é que se desenvolve o temor de vir a passar míngua fundado por vezes no receio das doenças ou dos acidentes que podem produzir a impotência ou a incapacidade de trabalhar.

A avareza é um sinal de desconfiança de Deus, que prometeu velar sobre nós com paternal solicitude, não nos deixando jamais passar falta do necessário, contanto que tenhamos confiança nEle. Convida-nos a olhar para as aves do céu, que não trabalham nem fiam, não certamente para nos incitar à preguiça, senão para acalmar as nossas preocupações e nos estimular à confiança em nosso Pai celestial.

É paixão que tende a suplantar a Deus em nosso coração: este coração, que é templo de Deus, é invadido por toda a sorte de desejos inflamados das coisas da terra, de inquietações, de preocupações absorventes.

O melhor remédio é a convicção profunda, fundada na razão e na fé, que as riquezas não são fim, senão meios que nos dá a Providência, para acudirmos às nossas necessidades e às de nossos irmãos.

«Não queirais entesourar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os destroem e os ladrões os desenterram e furtam. Entesourai antes para vós tesouros no céu, onde nem a ferrugem nem a traça os destroem e onde os ladrões não os desenterram, nem furtam» (Mt. VI, 19-20)

Para melhor desapegar o coração, não há meio mais eficaz que depositar os seus bens no banco do céu, consagrando uma parte generosa aos pobres e às boas obras.

«Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo isto vos será dado por acréscimo» Mt. 33

Os perfeitos vão mais longe: vendem tudo, para darem aos pobres, ou para o porem em comum, entrando numa congregação. Pode também algum, sem abdicar o domínio, despojar-se dos rendimentos, não fazendo uso deles senão conforme o parecer dum prudente diretor. Desse modo, sem sairmos do estado em que a Providência nos colocou, podemos praticar o desprendimento de espírito e do coração.

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