Mensagem do Papa à Ordem de Malta na festa de São João Batista

Fonte: Vaticano

Tradução e grifos por salvemaria.com.br

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA LEÃO XIV
AOS MEMBROS DA SOBERANA ORDEM MILITAR DE MALTA
POR OCASIÃO DA CELEBRAÇÃO
DA SOLENIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA

Com particular prazer dirijo-me a vós nesta mensagem por ocasião da celebração da solenidade de São João Batista, Protetor de vossa Ordem religiosa, que leva o seu nome. A Igreja vos agradece por todo o bem que fazeis onde o amor é necessário, em situações às vezes muito difíceis. Também vos agradece pelo empenho de renovação que vedes há alguns anos, por uma maior fidelidade ao Evangelho, em estreita e cordial colaboração com o Cardeal Patrono , por mim reconfirmado no seu ofício. Continuai nesta direção!

São João Batista, ainda antes de seu nascimento, cumpriu a missão recebida de Deus de ser um anunciador de Jesus. Ele o fez com radical austeridade durante toda a sua vida. Seu anúncio do Messias, no início, ainda estava muito ligada ao de um juiz rigoroso (cf Mt 3,7-12). Nosso Senhor o ajuda a mudar de perspectiva antes de tudo quando se apresenta a Ele pedindo para ser batizado, humildemente misturado a outros penitentes (cf Mt 3,13-17). Após essa manifestação, São João aponta a Nosso Senhor como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf Jo 1, 29.36). Seguindo seu convite, dois de seus discípulos se tornam discípulos de Jesus (ver Jo 1,37). E o Batista, dando sua vida na afirmação da verdade, se tornará uma testemunha de Jesus, que é a Verdade.

São João Batista, vosso celeste Protetor, deve iluminar a vossa vida e a missão que sois chamados a cumprir na Igreja através da ação do Espírito Santo.

A vossa Ordem tem como finalidade a tuitio fidei e o obsequium pauperum . Dois aspetos de um único carisma: a fé propagada e protegida na dedicação amorosa aos pobres, aos marginalizados, a todos aqueles que necessitam do apoio dos outros. Não se limitando a ajudar as necessidades dos pobres, mas anunciando-lhes o amor de Deus com a palavra e o testemunho. Se isso faltasse, a Ordem perderia o seu caráter religioso e ficaria reduzida a uma organização com fins filantrópicos.

O amor que cada um de nós deve oferecer aos outros é aquele que se coloca no nível de quem o recebe, assim como fez Jesus, que como que se colocou no nosso nível, solidariamente com os desprezados, com aqueles cujas vidas são tiradas porque são consideradas sem valor (cf. Lc 10, 29-37). Portanto, Jesus pode receber uma resposta de amor de nossa parte, porque, ao se rebaixar, ele nos comunica seu amor, que podemos devolver a ele com gratidão. O mesmo acontece com o homem pobre. Se o amamos colocando-nos em seu nível, o amor que lhe comunicamos retorna a nós em gratidão, feita não de humilhação, mas de alegria.

Esta é a tuitio fidei, porque agindo assim se transmite concretamente a fé no amor de Deus, oferecendo a vivência da sua proximidade.

Para proteger e preservar a fé, o apóstolo Paulo nos mostra como nos equipar: revestir-nos da armadura de Deus para resistir às ciladas do diabo; cingir os vossos lombos com a verdade; vestir a couraça da justiça; tomar o escudo da fé, com o qual podereis apagar os dardos inflamados do Maligno; tomar o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus (cfEf 6,11-18).

Certamente, para tantas obras de bem louváveis ​​que vossa Ordem realiza em diversas partes do mundo, vós precisais de muitos meios, inclusive econômicos, e de muitas providências. Mas vós deveis sempre ter o cuidado de considerar os meios apenas como tais, funcionais para a realização do propósito. Contudo, para atingir um bom objetivo, os meios devem ser bons; mas, neste campo, a tentação pode facilmente apresentar-se sob o disfarce do bem, como uma ilusão de ser capaz de alcançar os bons objetivos que se propõe com meios que mais tarde poderiam revelar-se incompatíveis com a vontade de Deus. Até mesmo Jesus foi tentado nisso, quando o Demônio “lhe mostrou todos os reinos do mundo e a glória deles” (Mt 4,8) e prometeu dá-los a ele se o adorasse.  Mas se o fizesse, Jesus não seria mais o Servo sofredor de Deus, que, em humildade, despoja-se de todo poder mundano para conquistar o amor do homem por meio do amor. Jesus reafirma nessa tentação particularmente insidiosa, a supremacia de Deus e não se vende ao poder deste mundo. Se tivesse consentido com a tentação, Jesus teria adotado meios ilícitos e não teria alcançado o objetivo que o Pai havia estabelecido para sua missão. A Ordem de Malta, ao longo da história, adotou diferentes meios de acordo com as contingências, mas eles devem ser examinados em sua validade atual para atingir o objetivo da tuitio fidei (defesa da fé) e obsequium pauperum (assistência aos pobres).

Ao longo dos séculos, a Ordem assumiu uma importância cada vez maior no cenário internacional, um tipo muito particular de soberania, com prerrogativas que devem necessariamente ser funcionais ao propósito da tuitio fidei e do obsequium pauperum . Se vós usasseis essas prerrogativas deixando-se atrair pela mundanidade, talvez sem perceber, justamente por causa da ilusão que a mundanidade acarreta, correrieis o risco de agir perdendo de vista o propósito. Devemos continuamente recordaro que Jesus ensinou, ao não pedir ao Pai que nos tirasse do mundo, porque Ele nos envia ao mundo, mas que não fossemos do mundo como Ele não é do mundo; e Ele pediu ao Pai que nos protegesse do Maligno (cf Jo 17, 14-16.18).

O Espírito revela os enganos do Maligno, por isso somos chamados a discernir continuamente se é o Espírito, o Maligno ou, em qualquer caso, o nosso próprio interesse que está nos guiando.

Vós estais engajados em um caminho de reforma de costumes. Essa renovação não pode ser simplesmente institucional, normativa: deve ser, antes de tudo, interior, espiritual, pois isso dá sentido às mudanças nas regras. Vós renovastes vossa própria lei, a Carta Constitucional e o Código Melitense. Isso era necessário, pois várias coisas precisavam ser esclarecidas, especialmente a natureza de uma Ordem religiosa, dada e garantida pelos membros da Primeira Classe, mas cuja força de carisma também é compartilhada pela Segunda e Terceira Classes com uma gradualidade diferente.

Vós também concluistes o trabalho do “Comentário” sobre ambos os textos normativos. Um trabalho mais útil do que nunca para facilitar, além da compreensão literal das normas, também a de seu fundamento espiritual e teológico, de fundamental importância para uma correta interpretação e aplicação no Espírito. Certamente, o caminho da renovação não está terminado, aliás, está sempre no início, porque exige a conversão do coração, uma tarefa que dura a vida inteira para cada um de nós. Sabemos quão cansativa é a conversão do coração. Os membros da Primeira Classe, em particular, são chamados a se comprometer nesse sentido para superar toda tentação de secularização, isto é, de uma vida não animada por aquela radicalidade evangélica própria de uma Ordem religiosa. Se a Primeira Classe não completar este caminho de conversão, que, embora difícil e exigente, é sustentado pela graça do Espírito do Ressuscitado, não se pode esperar que a Segunda e a Terceira Classes o completem, de acordo com sua condição.

A conversão, porém, é sempre encorajada por uma experiência significativa que toca nossos corações. Vossa ação em favor dos Senhores Enfermos, como vós gostais de dizer, e dos pobres de qualquer espécie, meritória diante de Deus e dos homens, é o que sustenta vossa conversão. A ação caritativa e apostólica é fruto e manifestação de uma espiritualidade, aquela que desde o princípio lhe foi transmitida pelo Beato Geraldo e que vós sois chamados a encarnar no mundo de hoje com uma autenticidade evangélica cada vez maior, fruto de uma purificação contínua.

Com grande alegria, soube que há aspirantes que pediram para iniciar a experiência do noviciado e de um noviciado residencial, o que é uma novidade depois de tanto tempo de dissolução da vida comunitária. Isso é motivo de grande esperança, mas também um desafio para toda a Ordem e, especialmente, para os formadores. A formação é um aspecto fundamental para todos os institutos de vida consagrada e é particularmente exigente devido à complexidade da experiência dos candidatos no tempo presente. Isso exige, mais do que nunca, uma formação específica dos formadores, sem a qual o trabalho formativo permaneceria aproximado e ineficaz, como aconteceria se seu processo e conteúdo não fossem bem delineados. A formação não diz respeito apenas à Primeira Classe, mas, de maneiras diferentes, também à Segunda e Terceira Classes. Ela deve ter como objetivo, como elemento fundamental, a oração: litúrgica e pessoal, alimentada pela solidão e pelo silêncio, dimensões necessárias quanto mais nos dedicamos à atividade de serviço aos outros, para que esta seja um testemunho do amor de Deus, que se faz presente.

Da mesma forma, é motivo de grande esperança que alguns professos desejem iniciar uma experiência de vida comunitária. Encorajo de coração esse desejo, porque a vida comunitária forja concretamente a caridade mútua e a observância autêntica dos três conselhos evangélicos. Mesmo que essa intenção encontre algumas dificuldades em sua realização, elas podem ser superadas com a ajuda do Espírito, graças a Ele, a esperança não decepciona (cf. Rm 5, 5).

Que a Virgem de Filermos, São João Batista e o Beato Geraldo intercedam pela realização de todos os seus mais nobres sentimentos e desejos, enquanto de coração lhe envio a Bênção Apostólica, que estendo aos seus entes queridos e a todos que encontrar em seu serviço.

 

Vaticano, 24 de junho de 2025
Leo PP XIV

 

 

Comentário ao Recorte

Impressiona na mensagem o bom ânimo do papa ao encorajar os membros da Soberana Ordem de Malta na defesa da Fé e na resistência aos ataques do Demônio, “que se apresenta através de ilusões“. Vale recordar que a Ordem de Malta em 2017 protagonizou um grande escândalo envolvendo a distribuiçã de preservativos a portadores de HIV em Myanmar. Na ocasião, o grão-mestre Festing foi deposto por pressão do papa em um acontecimento inédito de conflito e intervenção na Ordem, até então independente.

O papa Leão, ao condenar essas influências mundanas no apostolado da Ordem de Malta, corrige e reafirma com caridade a dupla missão da defesa da fé e da assistência aos pobres, recordando a eminência da vida espiritual sobre as obras, a necessidade contínua de conversão e o incentivo da vivência dos conselhos evangélicos em vida comunitária, conselhos úteis a todos os fiéis.

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