Quarta-feira da primeira semana do Advento
O Verbo se faz homem na plenitude dos tempos
Ubi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum, factum ex muliere, factum sub lege — “Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei” (Gal. 4, 4).
Sumário. O divino Redentor demorou a sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!
I. Considera como Deus depois do pecado de Adão deixou decorrer quatro mil anos antes de enviar à terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a terra! O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da Redenção.
Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado à plenitude do tempo: ubi venit plenitudo temporis. O Apóstolo diz: plenitudo, por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres. A virgenzinha humilde perturba-se com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isso é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens, e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Vocabis nomen eius Iesum1 — “Por-lhe-ás o nome de Jesus”. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que devia remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que afinal Maria consente em ser mãe de tal Filho: Fiat mihi secundum verbum tuum2 — “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: Et Verbum caro factum est3 — “E o Verbo se fez carne”.
II. Ó Verbo divino feito homem por mim, se bem que Vos veja tão humilhado e feito criança pequenina no seio de Maria, tenho e reconheço-Vos por meu Senhor e Rei, mas Rei de amor. Meu caro Salvador, visto que viestes sobre a terra e tomastes a nossa mísera carne a fim de reinar sobre os nossos corações, ah! Vinde estabelecer vosso reino também em meu coração, que em outros tempos esteve sob o domínio dos vossos inimigos, mas agora, assim o espero, é vosso. Quero que seja sempre vosso e que de hoje em diante Vós sejais o seu único senhor: Dominare in médio inimicorum tuorum4 — “Reinai no meio dos vossos inimigos”. Os outros reis reinam pela força das armas, mas Vós vindes reinar com a força do amor, e por isso, não viestes com pompa real, não vestido de púrpura e ouro, não ornado com cetro e coroa, nem acompanhado de exércitos de soldados. Viestes para nascer numa estrebaria, pobre e abandonado, para ser posto numa manjedoura sobre um pouco de palha, porque é assim que quereis começar a reinar em nossos corações.
Ó meu Rei-Menino! Como tenho podido revoltar-me tantas vezes contra Vós e viver tanto tempo como vosso inimigo, privado de vossa graça, ao passo que Vós, para me obrigardes a Vos amar, abdicastes da vossa majestade divina e Vos humilhastes até ser visto, ora como criança numa lapa, ora como oficial numa loja, ora como réu sobre uma cruz? Feliz de mim, se tendo saído, conforme espero, da escravidão de Lúcifer, me deixe para sempre governar por Vós e pelo vosso amor! Ó Jesus, meu Rei, Vós que sois tão amável e tão enamorado de nossas almas, eia, tomai posse da minha; eu Vô-la dou toda inteira. Aceitai-a, a fim de que Vos sirva sempre, mas Vos sirva por amor. A vossa majestade merece ser temida, mas a vossa bondade muito mais merece ser amada. Vós, ó meu Rei, sois e sereis sempre o meu único amor, e único temor que terei, será o de Vos dar desgosto. Assim espero. Ajudai-me com a vossa graça. — Querida Senhora minha, Maria, vós deveis impetrar-me a graça de fidelidade a este Rei amado da minha alma. (II 327.)