Terceiro domingo do Advento

O testemunho de São João Batista e a modéstia cristã

Ego vox clamantis in deserto: Dirige viam Domini, sicut dixit Isaias propheta – “Eu sou a voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, assim como disse o profeta Isaias (Jo I, 23)”

Sumário. A imitação de São João Batista, procuremos sempre, ao falar de nós mesmos ou sobre as coisas que nos dizem respeito, abaixar-nos e nunca nos exaltarmos acima dos outros. Quem se abaixa, nunca sairá prejudicado; mas, por pouco que alguém se exalte acima do que é, pode causar-se grave dano. Além disso, é sabido de todos que os louvores em boca própria não trazem honra, senão desprezo.

O Evangelho de hoje, como diz São Gregório, faz ressaltar bem claramente a humildade do Batista. Muito embora estivesse adornado de tais e tantas virtudes, não somente recusou terminantemente esse nome, dizendo: Non son ego Christus – “Eu não sou o Cristo”; mas ainda mais, protestou não ser digno nem sequer de desatar os cordões das sandálias do Redentor. Constrangido, pois, a dar informações acerca de si próprio, cala a nobreza de seus pais, a dignidade sacerdotal, e apenas faz saber o que é indispensavelmente necessário, a saber, o seu ofício de Precursor de Jesus Cristo: Ego vox clamantis in deserto: Dirigite viam Domini – “Eu sou a voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor”.

Deves tu também praticar igual modéstia, se verdadeiramente desejas agradar a Deus e assim preparar-te para fazer nascer o divino Menino em teu coração. Evita dizer qualquer palavra de louvor próprio, tanto acerca da tua conduta, dos teus talentos e exercícios de virtudes; como acerca da tua família, enaltecendo a nobreza, as riquezas, o parentesco. Em uma palavra, no falar do que te respeita ou de ti mesmo, procura sempre, a imitação do Batista, abaixar-te e nunca te exaltares acima dos outros. Fala antes o mal do que o bem; descobre antes os teus defeitos, do que as ações que talvez tenham aparência de virtudes. Abaixando-te, nunca te prejudicarás; mas, como diz São Bernardo, por pouco que te exaltes acimado que és na verdade, pode causar-te grande mal. Além disso, é bem conhecido o adágio comum: Louvor em boca própria é vitupério.

Demais, melhor será que nas conversações não fales absolutamente de ti próprio, nem para bem, nem para mal, considerando-te como pessoa tão vil, que nem sequer mereça ser mencionada. Quantas vezes não sucede que contando coisas do mesmo para a nossa própria confusão, se insinue alguma oculta e fina soberba, e que interiormente desejamos ser elogiados ou ao menos ser tidos por humildes e virtuosos!

II. Se por acaso, sem culpa tua, louvarem, procura então haver-te assim como se houveram os Santos e nos ensinaram. Quer dizer: lança uma vista sobre tantos defeitos teus; confunde-te interiormente por não possuíres os méritos que te atribuem. Treme pensando que talvez a estima dos homens não seja a maior desgraça que te pode suceder, porquanto, pela vã complacência, te pode fazer perder todos os merecimentos que porventura tinhas adquirido perante Deus. Demais, pode infectar-se o coração, fomentando-te de orgulho, e assim ser causa de tua queda e eterna condenação. Por isso diz São Francisco de Sales, que os louvores são um veneno doce e despercebido, que mais de uma vez tem dado a morte à virtude e à piedade dos mais santos e piedosos. – Sobretudo, quando perceberes que te elogiam, olha para Jesus Crucificado, que por teu amor, longe de buscar os louvores, proferiu ser o homem mais desprezado, ou antes, o mais abjeto entre todos os homens: despectum et novissimum virorum1.

Ó meu Jesus, envergonho-me de comparecer na vossa presença. Vós, embora inocente, fostes por meu amor cumulado de ignominias, e eu, pecador, tão avido sou de louvores e honras! Ah, meu Deus, como me vejo desigual a Vós! Isso me faz temer pela minha salvação eterna, visto que os predestinados Vos devem ser achados conformes. Mas não quero perder a confiança em vossa misericórdia; Vós mesmo me deveis mudar. Amo-Vos, Bondade infinita; arrependo-me dos desgostos que Vos tenho causado com o meu orgulho, e proponho sofrer por vosso amor qualquer desprezo, qualquer injúria que me for feita. “Vós, ó Senhor, inclinai os vossos ouvidos às nossas súplicas e ilustrai as trevas do meu espírito com a graça de vossa visita2”. Dai-me a força para guardar fielmente o meu propósito. Quero sempre dizer-vos: +Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso3. Ajudai-me também vós, ó Maria, a mais humilde de todas as criaturas. (*IV 164)

  1. Is 53, 3
  2. Or. Dom. curr.
  3. Indulg. 300 dias

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