A Regra e a Admissão de Membros

A alma da Congregação Mariana são suas Regras. Em seu quase meio milênio de história, foram elas que garantiram a continuidade de sua autêntica espiritualidade. Não há dúvidas que desde a primeira revisão das Regras Comuns, em 1587, o mundo sofreu mudanças sem precedentes; muitas das condições e costumes que antes havia passaram. Encontramos mudanças profundas em questões práticas e em regulamentos de autoridade. No entanto, certos elementos, que chamaremos de essenciais, jamais mudaram e nem poderiam. Dentre esses elementos essenciais, o quinto é a Admissão de Membros.

Quando alguém deseja ingressar na Congregação, é requerido nas Regras Antigas a recorrer ao Padre Diretor ou ao Presidente para que estes assegurem sua confidenciabilidade e elegibilidade. Diz-nos a Regra de 1587:

Cap. II, Art. I – Desejando alguém ingressar na Congregação, deverá procurar o Padre Diretor e o Presidente, o qual, após obter informações suficientes sobre a pessoa e ter certeza de sua idade, profissão, virtude e outras boas qualidades, o presidente proporá à diretoria para que seja admitido a participar como uma prova de algumas atividades da Congregação por um espaço de tempo. Nesse tempo, não poderá intervir senão nos Exercícios Espirituais da Congregação – mas jamais nas consultas – e deverá sentar separado dos demais nas reuniões.

As Regras de 1855 utilizam as mesmas palavras. Mantendo a unidade comum às Regras, vemos pouca mudança nas Regras de 1910:

Art. XXIII – Todo aquele que desejar entrar na Congregação, faça o seu pedido ao Diretor. Só este tem autoridade para admitir. Se for possível, apresente o pedido de admissão por meio de um Congregado que o proponha. O candidato deve sobretudo ser de costumes irrepreensíveis, ter as condições de idade, estado, profissão, etc., requeridas na Congregação que pretende e propor firmemente cumprir com fidelidade as Regras.

As Regras sempre reforçaram a exigência de boa seleção dos membros e o cuidado em uma avaliação especial de cada um. Os motivos podemos entender bem no artigo das três características. Os estatutos e regras sempre designaram cinco itens para avaliação:

  1. Idade
    Para verificar o nível de maturidade e crescimento do candidato. Muitas congregações possuem em suas regras particulares limites inferiores e/ou superiores de idade
  2. Estado de Vida e Profissão
    Sobretudo para as congregações de diferentes classes, sempre se verificou com cuidado o estado de vida (solteiro, casado, religioso, sacerdote), a profissão e o nível social do membro. A Congregação é útil a todas as classes sociais, mas sempre teve cuidado de juntar sempre membros de classes sociais semelhantes, pois assim mais facilmente – assim como quando à idade – a Congregação poderia abordar os temas necessários, atacar os erros e formar a vida interior adequada a cada estado.
  3. Virtude e Boas Qualidades
    A busca dessa característica é comum a todas as regras. O candidato, para ser admitido, deve possuir costumes irrepreensíveis, isto é, não possuir ou aparentar nada que possa ser motivo de escândalo ou desedificação ao próximo. As Regras urgem o Congregado a sempre buscar estar em um nível acima do comum dos fiéis. Um candidato que não se apresenta já com tendências a essa disposição dificilmente conseguiria atender a esse chamado e não deve ser admitido.
  4. Propósito de seguir com fidelidade as Regras e a Espiritualidade da Congregação
    O propósito firme de seguir com fidelidade as Regras é o segundo elemento mais necessário na avaliação. Não se pode admitir candidatos que tenham uma visão enganada da Congregação, a vejam como um grupo simplesmente devocional, ou a busquem pelos seus benefícios espirituais e sociais – como foi tão comum das décadas passadas. Deve-se estar na Congregação por querer o que ela quer, e cabe ao Presidente e, sobretudo, ao Padre Diretor avaliar isso. Outro ponto importante é a possibilidade de cumpri-las. Candidatos impossibilitados de participar das reuniões, por exemplo, não poderiam ser admitidos1;
  5. Histórico
    A consulta do histórico da pessoa é indispensável. Os antigos diretores procuravam conhecer um candidato por meio de seus conhecidos, colegas de trabalho e familiares antes de formar um julgamento2. Além disso, via-se o passado do candidato na própria congregação mariana: Todo aquele que saísse da Congregação sem motivo grave e justificado ou tivesse sido dela expulso não poderia ser admitido a outra.

As Regras Antigas tinham, também, outras condições que foram abandonadas com o tempo, como a ausência de doenças como epilepsia ou deformidades físicas, a presença de pretensões acadêmicas ou a participação na Congregação de Menores. Estas últimas regras, embora abandonadas, mostram a visão “exclusiva” que a Congregação sempre gozou.

Uma vez que o candidato tenha se apresentado ao padre Diretor e tenha sido constatado a idoneidade, isto é, a inexistência dos impedimentos acima, o candidato deve passar a ser acompanhado por outro congregado, que o ensinaria com maior aprofundamento as Regras, a Espiritualidade, a história e a vida da Congregação Mariana, o Instrutor. Diz-nos a Regra de 1587:

Cap. II, Art. III – Sendo algum dos candidatos julgado idôneo para a Congregação, o Padre ou o Presidente levará seu nome aos Doze [Ao conselho] para que seja decidido quem, durante a sua prova (a qual será de dois a três meses, ou um pouco menos dependendo da qualidade da pessoa), o acompanhará e instruirá nas Regras e nos demais costumes e observâncias da Congregação, removendo as dificuldades que possam existir para seu ingresso […]

O papel do Instrutor é, portanto, essencial. É ele quem guiará cada candidato na melhor compreensão do que de fato é a congregação. Mais do que isso, o Instrutor também servirá de auxílio no julgamento final sobre a recepção do membro. Diz-nos a Regra de 1910:

Art. 57 – O Instrutor dos Candidatos tem por ofício guiá-los e instruí-los acerca dos usos e espírito da Congregação, durante o tempo de prova que precede a admissão deles como congregados. Comunique com o Padre Diretor o que observar sobre o modo de proceder dos candidatos na Congregação e fora dela, para que ele possa com maior conhecimento de causa conceder a admissão, diferi-la ou negá-la

E quanto a Congregados de outras Congregações? As Regras são claras: Eles podem ser admitidos imediatamente se apresentarem as Letras Patentes, isto é, a recomendação escrita pelo padre diretor da congregação de origem à congregação de destino, na qual consta ser um bom congregado, cumpridor das Regras e digno de ser admitido a outra congregação. A decisão sobre a recepção do membro de outra congregação ser imediata ou ser precedida, também, de um tempo de prova está a cargo de cada congregação em suas regras particulares. Com efeito, há congregações que estabelecem tempo de alguns meses ou até anos antes de admitir alguém de fora, mesmo com as Letras Patentes. Isto está de acordo com a postura adotada por grandes congregações da história, embora não seja a regra geral.

Diz-nos a Regra de 1910:

Art. 24 – A admissão definitiva deve ser precedida de um tempo de prova nunca inferior a dois meses. Neste tempo o candidato estará obrigado a cumprir todos os deveres que a Congregação impõe aos seus membros. O que vier de outra Congregação, pode ser logo admitido, se apresentar guia de transferência assinada pelo diretor da Congregação de onde vem, da qual conste o seu bom comportamento e assiduidade nos atos da Congregação. Quem não vier diretamente de outra Congregação, ainda que antes tenha sido Congregado, será sujeito a prova mais ou menos longa, a juízo do Diretor.

Uma vez que se tenha tido o tempo e a formação necessária, o diretor proporá o nome novamente ao Conselho (Diretoria) para a aprovação de seu ingresso. Reste claro que a decisão final é sempre do diretor e a consulta à diretoria não é, propriamente, necessária: as regras o recomendam fortemente, mas o diretor é livre para agir de outra maneira. Diz-nos a Regra de 1587:

Cap. II, Art. 3 – Antes de alguém ingressar na Congregação, deve ser proposto no Conselho dos Doze (Diretoria)  onde será proposto à discussão seus princípios e bom comportamento, em particular por aqueles que cuidaram dele. Sendo o momento do julgamento, aquele que não deu satisfação e impressão pode ter seu tempo de prova finalizado, sendo assim excluído da congregação, ou tê-lo prolongado. Mas, se durante o tempo de prova o candidato deu boas satisfações, será proposto a toda Congregação e será compartilhado suas qualidades, virtudes e perseverança. […]

Esta definição está de pleno acordo com o que diz a Regra de 1910:

Art. 26 – Estando próxima a data da admissão solene dos candidatos, proponha o Diretor ao Conselho os nomes daqueles que, a seu juízo, podem ser admitidos, e mande aos Oficiais do Conselho que deem com simplicidade o seu parecer e exponham o que acaso haja contra a admissão proposta. O Diretor, em vista das observações do Conselho, determinará o que a respeito de cada um julgar melhor: se deve ser admitido no número dos Congregados, se lhe deve prorrogar o tempo da prova, ou se deve ser excluído da Congregação.

Pode-se perceber que há duas “etapas” distintas de admissão. A primeira é a admissão ao estado de prova. A segunda é a decisão após o tempo de prova. Essas duas etapas correspondem, nas Regras Antigas, ao Noviciado e à Consagração. Após ser julgado idôneo, o candidato é admitido como noviço, e deve ser ensinado e provado pelo Instrutor. Uma vez que é julgado pronto, consagra-se definitivamente.

Numa realidade em que não mais facilmente se conhecia o membro para julgar sua idoneidade para o ingresso, convencionou-se a fazer a admissão em três etapas. Assim o fez a Congregação de Mercadores de Viena3 e as Congregações no Brasil a partir da década de 50, sendo a primeira etapa, chamada de aspirantado ou postulantado, um tempo de preparação e conhecimento para a primeira avaliação e consulta em diretoria, como explicado acima.

  1. Regras de 1855, Cap. XXVI, Art. 2
  2. Mullan, 1912
  3. Mullan, 1912

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