Encíclica Ingravescentibus Malis

Carta Encíclica
INGRAVESCENTIBUS MALIS
do Sumo Pontífice
PIO XI
sobre o Rosário de Nossa Senhora

Veneráveis Irmãos,
saúde e Benção Apostólica!

Anunciamos mais de uma vez, e ainda ha pouco, em nossa encíclica Divini Redemptoris, que, para os males de nosso tempo, que se agravam cada vez mais, não se encontra re­médio algum fora da Santa Igreja de Jesus Cristo e Suas santas Leis. Pois somente Ele tem palavras de Vida eterna (João, VI, 59). E nem os indivíduos, nem a sociedade po­dem fazer alguma coisa que não pereça miseravelmente com o tempo, se rejeitam a Lei de Deus.

 

O Rosário no Passado Cristão

Quem quer, porém, que estude os anais da Igreja Católica, percebe sem dificuldade alguma que a proteção poderosa da Santíssi­ma Virgem e Mãe de Deus está unida a todas as vicissitudes do Cristianismo. Pois quando aqui ou acolá os erros tentavam rasgar a tú­nica inconsútil da Igreja e subverter todo o mundo católico, os nossos antepassados recorriam, cheios de confiança, a Ela, “única que por sua força extermina todas as heresias no mundo inteiro”1, e o triunfo, obtido por esta intercessão, fazia voltar tempos mais serenos.

Assim, quando os ímpios muçulmanos, confiados em sua enorme esquadra e exércitos ingentes, ameaçavam os povos da Europa com a destruição, estes suplicaram instantemente, por sugestão do Supremo Pastor2, e pro­teção da Santa Mãe de Deus, e desta manei­ra foi derrotado e seus navios foram afun­dados3. Tanto nas necessidades públicas, como nas particulares, os cristãos de todos os tempos rogaram ardentemente a Maria, que mise­ricordiosamente viesse em seu socorro, e lhes alcançasse alívio e remédios, para os sofri­mentos corporais e espirituais, e nunca, de fa­to, imploraram em vão seu poderosíssimo au­xílio os que lhe suplicaram com oração piedosa e confiante.

 

Neste dias

Mas também em nossos dias, perigos não menos sérios ameaçam a sociedade religiosa e civil. De fato, ha muitos que negligenciam a suprema e eterna autoridade de Deus que man­da e proíbe, até a calcam aos pés, e, em con­sequência, a consciência acerca dos deveres cristãos enfraquece, a fé nas almas se afrou­xa ou se extingue por completo, e finalmente os fundamentos da sociedade humana vacilam e desmoronam-se miseravelmente. Por isso ve­mos de uma parte as diversas classes de cida­dãos lutando entre si de maneira horrenda, a saber, a daqueles que possuem grandes fortu­nas, e a classe dos que com penosos trabalhos devem ganhar o pão de cada dia. Em algumas regiões chegou-se, como se sabe, ao ponto de ab-rogar a propriedade priva­da e de ajuntar todos os bens em propriedade comum.

De outra parte, ha os que veneram e ele­vam acima de tudo o poder do Estado, propalando que a ordem e a autoridade civis devem ser fortalecidas com todos os meios, vaticinando que, desta maneira, a ideologia abominável do comunismo ha de ser destruída cabalmente. Estes, porém, desprezando a luz da sabedoria evangélica, tentam renovar os erros e a filoso­fia pagãos.

A isto se ajunta a perversíssima seita da­queles que, negando e odiando a Deus, se opõem como inimigos à eterna Majestade, que se insinuam por toda parte, que abatem toda crença religiosa e a arrancam das almas, que finalmente conculcam todo o direito humano e divino, enquanto zombam da esperança numa salvação eterna, e aliciam os homens com uma beatitude fantástica da vida terrena, a ser ad­quirida mesmo pela mais berrante injustiça, e assim arrastam o povo, em sua audácia, ao caos geral, suscitando motins sangrentos e de­sencadeando a guerra civil.

 

A Esperança e a Confiança conservam-se intactas

Contudo, Veneráveis Irmãos, embora tan­tas e tão graves calamidades ameaçam, e Nós, para o futuro, receemos maiores perigos ain­da, é preciso preservar nossas almas de desânimo, e não deixar esmorecer a esperança e a confiança que se apoiam exclusivamente em Deus. Pois Ele, que dá saúde a povos e nações (Sb 1, 14) não estará, como toda a certeza, longe de nós, aos quais remiu com Seu pre­cioso Sangue. Não abandonará Sua Igreja. Invoquemos a Santíssima Virgem, Intercessora a Protetora, cuja intercessão lhe é muito agra­dável, porque, para usar as palavras de S. Bernardo, “esta é a vontade de Deus, que quer dar-nos tudo por Maria”.

 

A importância do Rosário

Entre as diversas súplicas que mui frutuosamente são dirigidas à Mãe de Deus, o Rosá­rio, como cada cristão sabe, ocupa um lugar proeminente e: especial. Esta forma de oração, que alguns chamam “Saltério da Santa Vir­gem” ou “Breviário do Evangelho e da vida cristã”, o nosso Predecessor, de feliz recorda­ção, Leão XIII, a descreveu magnificamente, e a recomendou instantemente, da seguinte ma­neira: Uma coroa admirável, entrelaçada da saudação angélica, entremeiada com a oração do Senhor, e unida à obrigação de meditar — maneira excelente de rezar, e utilíssima, prin­cipalmente para alcançar a vida eterna4. Isto se deduz das próprias flores das quais se compõe esta coroa mística. Onde encontra­ remos orações mais aptas e sublimes?

Em primeiro lugar, a oração que Nosso Redentor pronunciou com sua própria boca a pedido de Seus discípulos: “Ensinai-nos a re­zar”. (Lc XI, 1). Esta santíssima súplica tanto tende à glória de Deus na medida de nos­sas possibilidades, como também se lembra das necessidades de nosso corpo e de nossa alma. E em verdade, como pode ser que o Eterno Pa­i, ouvindo-nos rezar com as palavras de Seu
próprio Filho, não nos socorra?

A outra oração é a saudação angélica, que começa com o elogio do Arcanjo Gabriel e de Santa Isabel, e termina com a piíssima súpli­ca, pela qual invocamos para nós a assistência da Santa Virgem, agora e na hora da morte.

E a estas orações se ajunta ainda a con­templação dos Santos Mistérios, nos quais os gozos, as dores e a glória de Cristo e de Sua Mãe se nos põem diante dos olhos, de tal ma­neira que deles possamos haurir conforto e consolação para nossas dores, e sejamos exor­tados para, sustentados por estes santíssimos exemplos, subir pelos degraus de sempre mais elevadas virtudes à felicidade da pátria eterna.

 

Não é monótono e fastidioso

Sem dúvida, Veneráveis Irmãos, esta ma­neira de rezar, propagada por São Domingos de maneira miraculosa, não sem a intervenção da Virgem Mãe e sob a inspiração do Céu, é fácil e própria, tanto para os cultos como para os iletrados. Mas quanto se afastam do cami­nho da verdade aqueles que rejeitam esta de­voção como um estribilho monótono, de mes­mas fórmulas de oração que enfastiam, sendo boa somente para crianças e mulheres velhas!

A este propósito, devemos observar em pri­meiro lugar que a piedade, do mesmo modo que o amor, por mais vezes que repitam as mesmas palavras, contudo não dizem a mesma coisa, mas cada vez algo de original, porque sempre promanam de um sentimento de amor. E além disso, esta oração exige uma sim­plicidade evangélica e uma humildade de alma, sem a qual não e possível alcançar o Reino dos Céus: “Em verdade vos digo, se não vos con­verterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus (Mt XVII, 3)

Todavia, embora este século escarneça e rejeite, em exaltação própria e em seu orgu­lho, o Rosário, um número incalculável de ho­mens santos de toda idade e posição, não so­mente o amam com uma piedade profunda, mas além disso, em todos os momentos, o seu uso é como uma arma poderosa para afugentar os demônios, proteger a integridade da vida, ad­quirir rapidamente a virtude e reconciliar os homens em paz.

Não faltaram homens insignes em ciência e sabedoria que, embora ocupadíssimos nos es­tudos e investigações científicas, nunca dei­xaram passar um dia sem ajoelhar-se perante a imagem da Mãe de Deus, para rezar piedosamente o Rosário. Até reis e príncipes, embora distraídos pe­los mais diferentes negócios e atividades, pra­ticaram esta devoção, de maneira que esta co­roa mística não somente foi composta pelas mãos de ignorantes e pobres, mas foi honrada por pessoas de todas as posições e classes. E não queremos aqui silenciar que a Santa Virgem, também em nosso tempo, recomendou instantemente esta maneira de rezar, quando apareceu na gruta de Lourdes5, e, por seu exemplo ensinou esta oração à alma pura de uma menina. E quantas graças não podemos esperar, se sempre recorrermos à Mãe, celestial de maneira santa e com as devidas dispo­sições?

 

O que o papa deseja

Desejamos, Veneráveis Irmãos, que prin­cipalmente no próximo mês de Outubro, o San­to Rosário seja recitado por todos os fieis, com crescente piedade, tanto na Igreja como em ca­sa. De modo particular neste ano, afim de que os inimigos do Nome Divino, que, tão numero­sos negam e desprezam a Eterna Majestade, que em tão grande número armam ciladas à fé católica e às liberdades da Igreja, que fi­nalmente se rebelam em louco furor contra os direitos divinos e humanos, e tentam lançar a humanidade na ruína e na perdição; que estes inimigos, por intermédio da poderosa intercessão da Santíssima Virgem, finalmente sejam vencidos e induzidos ao arrependimento, e vol­ tem à palavra de Deus, e outra vez se incorporem ao número dos fieis, confiando na pro­teção de Maria.

Que Ela, que expulsou do território dos cristãos a terrível seita dos Albigenses, movi­da por nossas súplicas, expulse também estes novos erros. Principalmente os erros do comu­nismo, que por diversos motivos, e. por crimes hediondos, evoca estes antigos hereges. Como no tempo das Cruzadas todos os povos da Eu­ropa eram um só em palavra e oração, assim também hoje, em todo o mundo, em cidades, aldeias e vilas, de. almas e forças unidas, deve­ mos pedir instantemente à Grande Mãe de Deus, que estes inimigos do Cristianismo e da cultura humana sejam derrotados, afim de que a luz da verdadeira paz resplandeça sobre os povos fatigados.

Se todos assim fizerem com as devidas disposições, com máxima confiança e fervoro­sa piedade, podemos esperar que também em nosso tempo, como em séculos passados, a San­ta Virgem alcance de Seu Filho Divino que os vagalhões da tempestade recuem, e que uma brilhante vitória coroe esta porfia louvável dos cristãos na oração.

 

O Rosário na vida da Fé

Além disso, o Rosário não é somente um meio poderoso na luta contra os inimigos de Deus e da religião, mas também é um estímu­lo e uma exortação para viver segundo as vir­tudes evangélicas que ele desperta e cultiva em nossas almas.

Em primeiro lugar, fortalece a fé católi­ca que refloresce com a meditação dos Santos Mistérios, e eleva o nosso espírito até as ver­dades por Deus reveladas; e cada um compre­ende quanto isto nos é salutar, principalmente neste tempo, em que de vez em quando encon­tramos, mesmo entre os fieis, uma aversão con­tra as virtudes da alma, e em que a doutrina cristã é considerada como quase enfadonha.

Reanima, além disso, a esperança na felicidade imperecível, enquanto a glória de Jesus e de Sua Mãe, que meditamos na última parte do Rosário, nos mostra o Céu aberto, e nos exor­ta à conquista da Pátria eterna. Em nosso tempo, em que o coração dos mortais está cheio de sede irrefreável de feli­cidade terrena, é bom e salutar para todos lem­brar-se dos tesouros celestiais, dos bens que nunca perecem. E como não se reacenderia nas almas daqueles que, o coração em pranto, me­ditam nos sofrimentos e. na morte de nosso Salvador e na aflição da Mãe das Dores, como não se reacenderia em suas almas o amor, hoje em dia tão tíbio?

Deste amor para com Deus ha de dimanar necessariamente fortíssima caridade para com o próximo, meditando quais as fadigas e dores suportadas por Nosso Senhor, para rein­tegrar a todos na herança perdida de filhos de Deus.

 

Para todas as classes e tempos

Tomai, a peito, Veneráveis Irmãos, a ta­refa de espalhar mais e mais, e de fazer estimar este tão frutuoso exercício, para aumen­to da piedade em geral. A sublimidade e vanta­gens deste exercício sejam pregadas repetidas vezes aos fieis de todas as classes, por Vós, e pelos Sacerdotes, que sob a vossa direção tra­balham na cura de almas. Neste exercício, a Juventude encontrará novas forças de dominar o estímulo da carne rebelde e inclinada para o mal, e conservar intacta e intemerata a pureza da alma. Nele também a velhice encontrará alívio e para seus cuidados e temores.

E para aqueles que se dedicam à Ação Ca­tólica o Rosário seja um estímulo para um apostilado mais frutuoso e mais vivo ainda. Mas em particular, porém, seja uma con­solação para todos que, de qualquer maneira, sofrem, principalmente para os moribundos, aumentando-lhes a esperança numa felicidade bem-aveturada.

 

A oração da família

Os pais devem servir de exemplo aos fi­lhos principalmente nisto que, à noite, depois do trabalho diário, reunidos na família, reci­tem com os filhos o Rosário diante da imagem da SS. Virgem, fundindo juntos a voz, a fé, e o sentimento. Costume este belíssimo e salu­tar, do qual certamente não pode deixar de provir, para a convivência doméstica, tranquilidade serena e abundância de dons celestiais. Quando Nós, em muitas audiências, falamos aos jovens casais, lhes damos sempre um Rosário e recomendamos vivamente a sua reci­tação. E apontando o Nosso próprio exemplo, exortamo-los a nunca deixar passar um dia sem rezar o Rosário, não imporia quantos cuida­dos, e fadigas isto lhes custe.

Estas são as razões, Veneráveis Irmãos, porque nós quisemos exortar-vos, e por vós todos os fieis, a praticar este piedoso exercí­cio, e não duvidamos que, quando, com a vos­sa conhecida obediência as escutardes, colhais fecundos frutos.

 

Dado em Castelo Gandolfo, junto de Roma, aos 29 de setembro de 1937, na festa da Dedicação de São Miguel,
no 16° ano do Nosso Pontificado.
PIO PP. XI.

  1. Antífona Mariana: cunctas haereses sola interemisti in universo mundo
  2. São Pio V
  3. O papa se refere, aqui, à gloriosa batalha de Lepanto, 1571
  4. Acta Leonis, 1881, f. 18, pa. 154
  5. Nota do editor: Impossível, também, não recordar Fátima

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