Motu Proprio Sacrorum Antistitum
MOTU PROPRIO
SACRORUM ANTISTITUM
DO SUMO PONTÍFICE
SÃO PIO X
SOBRE
ALGUMAS NORMAS PARA REPELIR O PERIGO DO MODERNISMO
Veneráveis irmãos,
saúde e bênção apostólica
O perigo do modernismo persiste
Parece-nos que a nenhum Bispo se oculta que esta classe de homens, os modernistas, cuja personalidade foi descrita na encíclica Pascendi Dominici Gregis, não deixou de maquinar para perturbar a paz da Igreja. Tampouco cessaram de atrair adeptos, formando um grupo clandestino; servindo-se disso infectam nas veias da sociedade cristã o vírus de sua doutrina, à base de editar livros e publicar artigos anônimos ou com nomes suspeitos. Ao reler Nossa carta citada e considerá-la atentamente, se vê com claridade que esta deliberada astúcia é obra desses homens que descrevemos nela, inimigos tanto mais temíveis quanto que estão mais próximos; abusam de seu ministério para oferecer seu alimento envenenado e surpreender os incautos, dando uma falsa doutrina na qual se encerra o compêndio de todos os erros.
Diante desta parte que se estende por essa parcela do campo do Senhor, de onde se deveria esperar os frutos que mais alegria teriam de nos dar, corresponde a todos os Bispos trabalhar na defesa da fé e vigiar com suma diligência para que a integridade do depósito divino não sofra detrimento; e a Nós corresponde de maior grado cumprir com o mandato de nosso Salvador Jesus Cristo, que disse a Pedro – cujo principado ostentamos, ainda que indignos dele: Confirma teus irmãos. Por este motivo, isto é, para infundir novas forças às almas boas, nesta batalha que estamos empreendendo, Nos pareceu oportuno recordar literalmente as palavras e os preceitos de Nosso referido documento:
“Nós, porém, vos pedimos e suplicamos que em negócio de tal monta nada, de modo algum, se deixe a desejar em vossa vigilância, desvelo e fortaleza. E isto mesmo que vos pedimos e de vós esperamos, pedimo-lo também e esperamo-lo dos demais pastores das almas, dos educadores e mestres do jovem clero, e particularmente dos Superiores gerais das Ordens religiosas.”
Os estudos da filosofia e teologia
«I. No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e mandamos terminantemente, que a filosofia escolástica seja tomada por base dos estudos sacros.
«se os doutores escolásticos trataram certas questões com excessiva argúcia, ou foram omissas noutras; se disseram coisas que mal se acomodam com as doutrinas apuradas nos séculos posteriores, ou mesmo alguma coisa inadmissível, mui longe está de nossa intenção querer que tudo isto deva servir de exemplo a imitar nos nossos dias (Leão XIII, Enc. Aeterni Patris).
«O que importa saber, antes de tudo, é que a filosofia escolástica, que mandamos adotar, é principalmente a de Santo Tomás de Aquino; a cujo respeito queremos fique em pleno vigor tudo o que foi determinado pelo Nosso Predecessor e, se há mister, renovamos, confirmamos e mandamos severamente sejam por todos observadas aquelas disposições. Se isto tiver sido descuidado nos seminários, insistam e exijam os Bispos que para no futuro se observe. Tornamos extensiva a mesma ordem aos Superiores das Ordens religiosas. E todos aqueles que ensinam fiquem cientes de que não será sem graves prejuízos que especialmente em matérias metafísicas, se afastarão de Santo Tomás. Um erro pequeno no início, diz o mesmo Santo Tomás, se faz grande no final.
«Fundamentada assim a filosofia, sobre ela se erga com a maior diligência o edifício teológico. Veneráveis Irmãos, promovei com toda a solicitude o estudo da teologia, de tal sorte que ao saírem dos seminários os clérigos lhe tenham alta consideração e profundo amor, e sempre o conservem carinhosamente. Porquanto é de todos sabido que na quase infinitude das disciplinas que se apresentam às inteligências ávidas do saber, é tão certo que à teologia cabe o primeiro lugar, que os antigos diziam que era dever das outras ciências e artes servirem-na e auxiliarem-na como escravas (Leão XIII, carta ap. In magna, 10 de dezembro de 1889). Aproveitamos esta ocasião para dizer que Nos parecem dignos de louvor aqueles que, salvando o respeito devido à Tradição, aos Santos Padres, ao magistério eclesiástico, procuram esclarecer a teologia positiva com prudente critério e normas católicas (coisa que nem sempre se observa), tirando luzes da verdadeira história. Certo é que na atualidade, à teologia positiva se deve dar maior extensão que outrora; entretanto, isto se deve fazer de tal sorte que não seja de nenhum modo em detrimento da teologia escolástica, e sejam censurados como fautores do modernismo, aqueles que de tal modo elevam a teologia positiva que parece quase desprezarem a escolástica.
«Quanto às disciplinas profanas, basta lembrar o que sabiamente disse o Nosso Predecessor (Alloc. de 7 de março de 1880): «Aplicai-vos diligentemente ao estudo das coisas naturais; pois, assim como em nossos dias as engenhosas descobertas e os úteis empreendimentos com sobeja razão são admirados pelos contemporâneos, da mesma sorte serão alvo de perenes louvores e encarecimentos dos vindouros». Seja isto feito sem prejuízo dos estudos sacros; assim também o advertiu o mesmo Nosso Predecessor, pela seguintes palavras (lugar citado): «A causa de tais erros, se a investigarmos cuidadosamente, provém principalmente de que hoje, quanto maior intensidade se dá aos estudos das ciências naturais, tanto mais se descuram as disciplinas mais severas e mais elevadas; algumas destas são, de fato, quase atiradas ao esquecimento; outras são tratadas com pouca vontade e de leve, e, coisa indigna, perdido o esplendor de sua primitiva dignidade, são deturpadas por opiniões inverossímeis e por enormes erros. É esta a lei à qual mandamos que se conformem os estudos das ciências naturais nos seminários.
A Escolha dos Professores
«II. Em vista tanto destas Nossas disposições como da do Nosso Antecessor, convém prestar muita atenção toda vez que se tratar da escolha dos diretores e professores tanto dos seminários quanto das Universidades católicas. Todo aquele que tiver tendências modernistas, seja ele quem for, deve ser afastado quer dos cargos quer do magistério; e se já tiver de posse, cumpre ser removido.
Faça-se o mesmo com aqueles que, às ocultas ou às claras, favorecerem o modernismo, louvando os modernistas, ou atenuando-lhes a culpa, ou criticando a escolástica, os Santos Padres, o magistério eclesiástico, ou negando obediência a quem quer que se ache em exercício do poder eclesiástico; bem assim como aqueles que se mostrarem amigos da novidade em matéria histórica, arqueológica e bíblica; e finalmente com aqueles que se descuidarem dos estudos sacros ou parecerem dar preferência aos profanos. Neste ponto, Veneráveis Irmãos, e particularmente na escolha dos lentes, nunca será demasiada a vossa solicitude e constância; porquanto, é o mais das vezes ao exemplo dos mestres que se formam os discípulos. Firmados, portanto, no dever da consciência, procedei nesta matéria com prudência, mas também com energia.
Não deve ser menor a vossa vigilância e severidade na escolha daqueles que devem ser admitidos ao Sacerdócio. Longe, muito longe do clero esteja o amor às novidades; Deus não vê com bons olhos os ânimos soberbos e rebeldes! A ninguém doravante se conceda a láurea da teologia ou direito canônico, se primeiro não tiver feito todo o curso de filosofia escolástica. Se, não obstante isto, ela for concedida, será nula. Tornem-se doravante extensivas a todas as nações as disposições emanadas da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares no ano 1896, acerca da freqüência dos clérigos regulares e seculares da Itália às Universidades. Os clérigos e sacerdotes inscritos a um Instituto ou a uma Universidade católica, não poderão frequentar nas Universidades civis cursos também existentes nos Institutos católicos a que se inscreveram. Se, em tempos passados, isto tiver sido concedido em algum lugar, mandamos que de ora em diante não mais se permita. Ponham os Bispos que formam o conselho diretivo de tais Institutos católicos ou Universidades católicas, o maior empenho em fazer observar estas nossas determinações.
A Proibição de Livros
III. Compete, outrossim, aos Bispos providenciar para que os livros dos modernistas já publicados não sejam lidos, e as novas publicações sejam proibidas. Qualquer livro, jornal ou periódico desse gênero não poderá ser permitido aos alunos dos seminários ou das Universidades católicas, pois daí não lhes proviria menor mal do que o que produzem as más leituras; antes, seria ainda pior, porque ficaria contaminada a mesma raiz da vida cristã. Nem diversamente se há de julgar dos escritos de certos católicos, homens aliás de não más intenções, porém faltos de estudos teológicos e embebidos de filosofia moderna, que procuram conciliar com a fé, e fazê-la servir, como eles dizem, em proveito da mesma fé. O nome e a boa reputação dos autores faz com que tais livros sejam lidos sem o menor escrúpulo, e por isto mesmo se tornam assaz perigosos para pouco e pouco encaminharem ao modernismo.
Querendo, Veneráveis Irmãos, dar-vos normas gerais em tão grave assunto, se em vossas dioceses circularem livros perniciosos, procurai energicamente proscrevê-los, condenando-os mesmo solenemente, se o julgardes oportuno. Conquanto esta Sede Apostólica procure por todos os meios proscrever tais publicações, tornou-se hoje tão avultado o seu número que não lhe bastariam forças para condená-las todas. Disto resulta às vezes que o remédio já chega tarde, porque a demora já facilitou a infiltração do mal. Queremos, por conseguinte, que os Bispos, pondo de parte todo o receio, repelindo a prudência da carne, desdenhando a grita dos maus, com suavidade perseverante cumpram todos o que lhes cabe, lembrando-se do que na Constituição Apostólica Officiorum, Leão XIII escreveu: «Empenhem-se os Ordinários, mesmo como Delegados da Sede Apostólica, em proscrever e tirar das mãos dos fiéis os livros ou quaisquer escritos nocivos publicados ou divulgados nas suas dioceses». Com estas palavras, é verdade, concede-se um direito; mas, ao mesmo tempo, também se impõe um dever. Ninguém, contudo, julgue ter cumprido tal dever pelo fato de Nos remeter um ou outro livro, deixando entretanto muitíssimos outros serem publicados e divulgados. Nem se julguem desobrigados disto por terem ciência de que certo livro alcançou de outrem o Imprimatur, porquanto tal concessão pode ser falsa, como também pode ter sido por descuido, por excesso de benignidade, ou por demasiada fé no autor; e este último caso pode muito facilmente dar-se nas Ordens religiosas. Acresce também saber que, assim como todo e qualquer alimento não serve igualmente para todos, da mesma sorte um livro que pode ser inocente num lugar, já noutro, por certas circunstâncias, pode tornar-se nocivo. Se, por conseguinte, o Bispo, depois de ouvir o parecer de pessoas prudentes, julgar que em sua diocese deve ser condenado algum desses livros, damos-lhe para isto ampla faculdade, e até o oneramos com este dever. Desejamos entretanto se conservem as devidas atenções, e talvez baste num ou noutro caso restringir ao clero essa proibição; e ainda mesmo neste caso os livreiros católicos estão obrigados a não dar à venda as publicações proibidas pelo Bispo. E já que nos caiu sob a pena este assunto, atendam os Bispos a que os livreiros, por avidez de lucro, não vendam livros perniciosos; o certo é que nos catálogos de alguns deles não poucas vezes se vêem anunciados, e com bastante louvores, os livros dos modernistas. Se eles a isto se recusarem, não ponham dúvida os Bispos em privá-los do título de livreiros católicos; da mesma sorte, e por mais forte razão, se gozarem do título de episcopais; mas, se tiverem o título de pontifícios, seja o caso deferido à Santa Sé. A todos finalmente lembramos o artigo XXVI da citada Constituição apostólica Officiorum: «Todas as pessoas que tiverem obtido faculdade apostólica de ler e conservar livros proibidos, não se acham por esse mesmo fato autorizadas a ler livros ou jornais proscritos pelos Ordinários locais, salvo se no indulto apostólico se achar expressamente declarada a licença de ler e conservar livros condenados por quem quer seja».
Os Censores por Ofício
IV. No entanto não basta impedir a leitura ou a venda de livros maus; cumpre, outrossim, impedir-lhes a impressão. Usem pois, os Bispos a maior severidade em conceder licença para impressão. E visto como é grande o número de livros que, segundo a Constituição Officiorum, hão mister da autorização do Ordinário, é costume em certas dioceses designar, em número conveniente, Censores, por ofício, para o exame dos manuscritos. Louvamos com efusão de ânimo essa instituição de censura; e não só exortamos, mas mandamos que se estenda a todas as dioceses. Haja, portanto, em todas as Cúrias episcopais censores para a revisão dos escritos em via de publicação. Sejam estes escolhidos no clero secular e regular, homens idosos, sábios e prudentes, que ao aprovar ou reprovar uma doutrina tomem um meio termo seguro. Terão eles o encargo de examinar tudo o que, segundo os artigos XLI e XLII da referida Constituição, precisar de licença para ser publicado. O Censor dará o seu parecer por escrito. Se for favorável, o Bispo permitirá a impressão com a palavra Imprimatur, que deverá ser precedida do Nihil obstat e do nome do Censor. Também na Cúria romana, como nas outras, serão estabelecidos Censores de Ofício. Serão estes designados pelo Mestre do Sagrado Palácio Apostólico, depois de consultar o Cardeal Vigário de Roma e obtido também o consentimento e aprovação do Sumo Pontífice. O mesmo determinará qual dos Censores deverá examinar cada escrito. A licença de impressão será concedida pelo referido Mestre juntamente com o Cardeal Vigário ou o seu Vice-gerente, antepondo-se, porém, como acima se disse, o Nihil obstat e o nome do Censor. Somente em circunstâncias extraordinárias e raríssimas, a prudente juízo do Bispo, poderá omitir-se a menção do Censor. Nunca se dará a conhecer ao autor o nome do Censor, antes que este tenha dado seu juízo favorável, afim de que o Censor não venha sofrer vexames, enquanto examinar os escritos ou depois que os tiver desaprovado. Nunca se escolham Censores entre as Ordens religiosas, sem primeiro pedir secretamente o parecer ao Superior provincial, ou, se se tratar de Roma, ao Geral; estes deverão em consciência dar atestado dos costumes, do saber, da integridade e das doutrinas do escolhido. Avisamos aos Superiores religiosos do gravíssimo dever que têm de nunca permitir que algum de seus súditos publique alguma coisa, sem a prévia autorização juntamente com a do Ordinário. Declaramos em último lugar, que o título de Censor, com que alguém for honrado, nenhuma eficácia terá nem jamais poderá ser aduzido para corroborar as suas opiniões particulares.
Ditas estas coisas em geral, particularmente mandamos a mais rigorosa observância do que se prescreve no artigo XLII da citada Constituição Officiorum, a saber: «É proibido aos sacerdotes seculares tomarem a direção de jornais ou periódicos, sem prévia autorização do Ordinário». Será privado desta licença quem, depois de ter recebido advertência, continuar a fazer mau uso dela. Como há certos sacerdotes, que, com o nome de correspondentes, ou colaboradores, escrevem nos jornais ou periódicos, artigos infectados de modernismo, tomem providências os Bispos para que tal não aconteça; e, acontecendo, advirtam-nos e proíbam-nos de escrever. Com toda a autoridade mandamos que os Superiores das Ordens religiosas façam o mesmo; e se estes se mostrarem descuidados neste ponto, façam-no os Bispos com autoridade delegada do Sumo Pontífice. Sempre que for possível tenham os jornais e periódicos publicados pelos católicos um determinado Censor. Será este obrigado à revisão de todas as folhas ou fascículos já impressos; e se encontrar alguma coisa perigosa, fará corrigi-la quanto antes. E se o Censor tiver deixado passar alguma coisa, o Bispo tem o direito de fazê-la corrigir.
A assistência a Congressos e Assembleias
V. Já nos referimos acima aos congressos, reuniões públicas, em que os modernistas se aplicam à pública defesa e propaganda das suas opiniões. Salvo raríssimas exceções, de ora em diante os Bispos não permitirão mais os congressos de sacerdotes. Se nalgum caso o permitirem, será sob condição de não tratarem de assuntos de competência dos Bispos ou da Santa Sé, de não fazerem propostas nem petições que envolvam usurpação de jurisdição, nem se faça menção alguma de tudo o que pareça modernismo, presbiterianismo ou laicismo. A essas reuniões que devem ser autorizadas, cada uma em particular e por escrito, e na época oportuna, não poderá comparecer sacerdote algum de outra diocese, sem as cartas de recomendação do próprio Bispo. Lembrem-se todos os sacerdotes do que por estas gravíssimas palavras, Leão XIII recomendou (Carta Enc. Nobilissima Gallorum 10 de fevereiro de1884): «Seja intangível para os sacerdotes a autoridade dos próprios Bispos; persuadem-se de que se o ministério sacerdotal não se exercer debaixo da direção do Bispo, não será santo, nem proveitoso nem merecedor de respeito».
O Conselho de Vigilância
Mas que aproveitariam, Veneráveis Irmãos, as Nossas ordens e as Nossas prescrições, se não fossem observadas como se deve com firmeza? Para o alcançarmos, pareceu-Nos bem estender a todas as dioceses o que desde muitos anos os Bispos da Úmbria, com tanta sabedoria, resolveram entre si (Atas do Congresso dos Bispos de Úmbria, nov.1849, Tit. II art.6). «Para extirpar, diziam eles, os erros já espalhados e impedir que se continue a sua difusão, ou que haja mestres de impiedade que perpetuam os perniciosos efeitos produzidos por essa mesma difusão, seguindo o exemplo de São Carlos Borromeu, este sacro Congresso determina que em cada diocese se institua um conselho de homens eméritos dos dois cleros, com a incumbência de ver se, e de que modo, os novos erros se dilatam e se propagam, e dar aviso disto ao Bispo, para que de comum acordo se providencie para a extinção do mal logo que desponte e não tenha tempo de espalhar-se com detrimento das almas, nem, o que ainda seria pior, de se avigorar e crescer. Determinamos, pois, que em cada diocese se institua um semelhante Conselho, que se denominará Conselho de Vigilância. Os membros do Conselho serão escolhidos pela normas já prescritas para os Censores dos livros. Reunir-se-ão de dois em dois meses, em dia determinado, em presença do Bispo; e as coisas tratadas ou resolvidas guardem-nas os Conselheiros com segredo inviolável.
Serão estes os deveres dos membros do Conselho: investiguem com cuidado os vestígios do modernismo, tanto nos livros como no magistério, e com prudência, rapidez e eficácia providenciem quando houver mister pela preservação do clero e da mocidade. – Combatam as novidades de palavras, e lembrem-se dos avisos de Leão XIII (Instr. S.C. NN. EE. EE. 27/01/1902): «Nas publicações católicas não se poderia aprovar uma linguagem que, inspirando-se em perniciosas novidades, parecesse escarnecer da piedade dos fiéis e falasse de nova orientação da vida cristã, de novas direções da Igreja, de novas aspirações da alma moderna, de nova vocação do clero, de nova civilização cristã». Não se tolerem tais dislates nem nos livros nem nas cátedras.
As Sagradas Relíquias e as tradições piedosas
Não se descuidem dos livros em que se tratar das piedosas tradições de cada lugar, ou das sagradas Relíquias. Não permitam que se ventilem tais questões em jornais ou em periódicos destinados a nutrir a piedade, nem com expressões que tenham ares de zombaria ou de desdém, nem com afirmações decisivas, particularmente, como quase sempre sucede, quando o que se afirma não passa as raias da probabilidade ou quando se baseia em opiniões e preconceitos. – Acerca das sagradas Relíquias tomem-se as seguintes normas: se os Bispos, que são os únicos juízes nesta matéria, reconhecerem com certeza que uma relíquia é falsa, sem demora a subtrairão ao culto dos fiéis. Se, por ocasião de perturbações civis ou por outro motivo, se tiverem extraviado os documentos de autenticidade de uma Relíquia qualquer, não seja exposta à veneração do povo, sem que primeiro tenha sido reconhecida pelo Bispo. Só terá valor o argumento de prescrição ou de presunção fundada, quando o culto for recomendável pela sua antiguidade, conforme o Decreto da Congregação das Indulgências e das sagradas Relíquias, do ano de 1896, expresso nestes termos: «As antigas Relíquias devem ser conservadas na veneração que tiverem até agora, salvo se em casos particulares se tiverem provas certas de que são falsas ou supositícias. – Nos juízos a emitir acerca das pias tradições, tenha-se sempre diante dos olhos a suma prudência de que usa a Igreja nesta matéria, de não permitir que essas tradições sejam relatadas nos livros sem as determinadas precauções, e com a prévia declaração prescrita por Urbano VIII; e apesar disto, ainda não se segue que a Igreja tenha o fato por verdadeiro, mas apenas não proíbe que se lhe dê crédito, uma vez que para isto não faltem argumentos humanos. Foi isto precisamente o que, há trinta anos, a Sagrada Congregação dos Ritos declarou (Decr. 2 de maio de 1877): «Essas aparições ou revelações não foram aprovadas nem condenadas pela Santa Sé, foram apenas aceitas como merecedores de piedosa crença, com fé puramente humana, em vista da tradição de que gozam, também confirmadas por testemunhas e documentos idôneos». Quem se apegar a esta regra, nada tem que temer. Com efeito, o culto de qualquer aparição, enquanto se baseia num fato e por isto se chama relativo, inclui sempre implicitamente a condição de veracidade do fato; o absoluto, porém, sempre se funda na verdade, porquanto se dirige às mesmas pessoas dos Santos, a quem se honra. Dá-se o mesmo com as Relíquias. –Recomendamos por fim ao Conselho de Vigilância, lance assídua e cuidadosamente as suas vistas sobre os institutos sociais e bem assim sobre os escritos relativos a questões sociais, afim de que nem sequer aí se dê agasalho a livros de modernismo, mas se acatem as prescrições dos Pontífices Romanos.
Últimas Recomendações
VII. A fim de que as coisas aqui determinadas não fiquem esquecidas, queremos e mandamos que, passado um ano da publicação das presentes Letras, e em seguida, depois de cada triênio, com exposição diligente e juramentada os Bispos informem a Santa Sé a respeito do que nestas mesmas Letras se prescreve e das doutrinas que circulam no clero e particularmente nos seminários e outros Institutos católicos, não excetuando nem sequer aqueles que estão isentos da autoridade do Ordinário. Ordenamos a mesma coisa aos Superiores gerais das Ordens religiosas, com relação aos seus súditos.
O Ensino nos Seminários e Noviciados
Confirmamos a tudo isso, urgindo-o em consciência, contra aqueles que, tendo conhecimento disto, não obedeçam; e acrescentamos algumas particularidades que se referem aos alunos dos seminários e aos noviços dos institutos religiosos.
Nos seminários, as aulas devem estar programadas de modo tal que todo o seu planejamento leve a formar sacerdotes dignos de carregar esse nome. Não se deve pensar que o conjunto de aulas resulte no detrimento da piedade. Todo o conjunto toma parte na formação e são como pilares de onde, com uma preparação diária, se exercita a milícia de Cristo. Para conseguir um exército bem treinado, duas coisas são absolutamente necessárias: a doutrina que cultiva a mente e a virtude que aperfeiçoa a alma. A primeira exige que os jovens alunos seminaristas se instruam naquilo que tem mais íntima relação com os estudos das coisas divinas; a outra, exige uma singular categoria na virtude e na constância. Observem, então, aqueles que ensinam os assuntos e a piedade, o que cada um dos estudantes espera, e examine as disposições que cada um tem; vejam se eles se deixam levar por sua maneira de ser, se tem inclinação ao espírito profano; se tem disposições para ser dóceis, se são inclinados a ser piedosos, se não são dados a ter boa concepção de si mesmos, se são capazes de aprender o que lhes é ensinado; observem se eles se lançam à dignidade sacerdotal com retidão de intenção ou se se movem por razões humanas; observem, por último, se possuem a santidade e a doutrina convenientes para a vida sacerdotal. Caso falte alguma destas características, verifiquem ao menos se eles se propõem a adquiri-la com decisão. Estas indagações não oferecem poucas dificuldades; se lhes faltam as virtudes as quais Nos referimos, cumprirão o ato de piedade de forma hipócrita e se submeterão à disciplina somente por temor e não por convencimento interior. Aquele que obedece servilmente ou que rompe a disciplina por superficialidade ou rebeldia está muito longe de poder desempenhar o sacerdócio santamente. Não se pode pensar que quem menospreza a disciplina em casa não se apartará de nenhum modo das leis públicas e da Igreja. Caso um superior observa que algum rapaz está nestas más disposições, deve adverti-lo uma e outra vez e, depois da experiência de um ano, se verifica que não se corrige, deverá dispensá-lo e nem ele e nenhum outro bispo deverá readmiti-lo.
Condições para se alcançar o Sacerdócio
Há duas coisas que se requerem absolutamente para promover alguém ao sacerdócio: uma vida ilibada juntamente com uma sã doutrina. Não se deve esquecer que os preceitos e conselhos que os Bispos dirigem àqueles que se iniciam nas sagradas ordens também se aplicam àqueles que se preparam para elas: “deve-se procurar que estes eleitos estejam adornados de sabedoria celestial, de bons costumes e de uma contínua observância da justiça. Que sejam honestos e maduros na ciência e nas obras… que neles brilhe toda forma de justiça”
Teríamos dito já o suficiente sobre a honestidade de vida, se não fosse porque não é fácil separá-la da doutrina que cada um assimila e das opiniões próprias que defende. Mas, como se diz no livro dos Provérbios: Ao homem se conhece por sua sabedoria; e como diz o apóstolo: Quem… não permanece na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quando se tem que se dedicar a aprender tantas e tão variadas coisas como o nosso tempo ensina, não se pode lançar mão de nada melhor do que das luzes que o progresso humano proporciona. Assim, pois, se aqueles que formam parte do clero querem levar a cabo sua tarefa segundo exigem esses tempos, se querem com fruto ensinar a sã doutrina e argumentar contra aqueles que a combatem, se querem aproveitar para a Igreja as realizações do gênero humano, é necessário que adquiram ciência e não uma ciência vulgar; e é necessário que se mantenham firmes na doutrina. Haverão de lutar contra inimigos bem preparados, que frequentemente juntam um alto nível de estudos a uma ciência construída com astúcia, cujas teorias errôneas e vibrantes estão expostas com grande aparato de palavras, para que pareçam que estão dizendo algo novo e estranho. Por isso devem preparar seriamente as armas, isto é, devem adquirir grande riqueza de doutrina todos aqueles que se dispõem a combater em uma luta santíssima e particularmente árdua.
Como a vida do homem é tão limitada, que apenas se pode tomar um sorvo do manancial abundante que é o conhecimento das coisas, devem moderar na ânsia de aprender e recordar essas palavras de S. Paulo: não se elevem acima do devido. Por esta razão, como os clérigos tem a obrigação de estudar muito e seriamente, já no que se refere às Escrituras, como também à Fé e aos costumes, à piedade e ao culto da – assim chamada – ascética, já ao que se refere à história da Igreja, ao direito canônico, à sagrada eloquência, com o objetivo de que os jovens não percam seu tempo com outras questões, recordando-os daquilo que é seu principal estudo, proibimos terminantemente que leiam periódicos e revistas, por boas que sejam; os Superiores que não cuidarem extremamente disto, haverão de sentir gravemente sua consciência.
Medidas contra a infiltração do modernismo
Para evitar toda possibilidade de que o modernismo se infiltre dissimuladamente, queremos não somente que se observe o que dizíamos no número segundo mais acima transcrito, mas também o que mandamos a seguir, que cada doutor, ao acabar seus estudos de segundo ano, apresente a seu bispo o texto que se propõe a explicar, ou as questões e teses que irá expor. Além disso, se deverá observar como realiza suas aulas durante um ano. Se é observado que ele se afasta da boa doutrina, este será o motivo para que se faça abandonar a docência. Por último, além da profissão de fé, deverá entregar a seu bispo o juramento, cuja fórmula se expõe mais adiante, devidamente assinado.
Também deverão entregar a seu bispo este juramento, além da profissão de Fé, com fórmula prescrita por Nosso Antecessor Pio IV e as definições acrescentadas pelo Concílio Vaticano I:
I – Os clérigos que se iniciam às ordens maiores; a cada um deles se deverá distribuir um exemplar da profissão de fé e outro do juramento, para que considerem detidamente e conheçam também a sanção que leva consigo a violação do juramento, como mais adiante explicaremos;
II – Os sacerdotes que se destinam a ouvir confissões e os oradores, antes que se lhes conceda a autorização para exercer duas funções;
III – Os párocos, cônegos, beneficiários, antes de tomar posse de seus benefícios;
IV – Os oficiais das cúrias episcopais e dos tribunais eclesiásticos, incluídos aí o vigário geral e os juízes;
V – Os pregadores em tempo de quaresma;
VI – Todos os oficiais das Congregações Romanas e dos tribunais, diante do cardeal prefeito ou do secretário da congregação ou tribunal correspondente.
VII – Os superiores e doutores das famílias religiosas e das congregações, antes de tomarem posse de seu cargo.
A profissão de fé a que nos referimos e o documento impresso com o juramento devem ser expostos em um quadro de anúncios especiais nas cúrias episcopais e nos escritórios de todas as congregações romanas. Se alguém ousar violar este juramento – o que Deus não permita – será acusado ante o Tribunal do Santo Ofício.
Juramento anti-modernista
Eu, …, firmemente abraço e aceito cada uma e todas as definições feitas e declaradas pela autoridade inerrante da Igreja, especialmente estas verdades principais que são diretamente opostas aos erros deste dia.
Antes de mais nada eu professo que Deus, a origem e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão a partir do mundo criado (Cf Rom. 1,90), ou seja, dos trabalhos visíveis da Criação, como uma causa a partir de seus efeitos, e que, portanto, Sua existência também pode ser demonstrada.
Em segundo lugar: eu aceito e reconheço as provas exteriores da revelação, ou seja, os atos divinos e especialmente os milagres e profecias como os sinais mais seguros da origem divina da Religião cristã e considero estas mesmas provas bem adaptadas à compreensão de todas as eras e de todos os homens, até mesmo os de agora.
Terceiro: eu acredito com fé igualmente firme que a Igreja, guardiã e mestra da Palavra Revelada, foi instituída pessoalmente pelo Cristo histórico e real quando Ele viveu entre nós, e que a Igreja foi construída sobre Pedro, o príncipe da hierarquia apostólica, e seus sucessores pela duração dos tempos.
Quarto: eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente.
Quinto: eu mantenho com certeza e confesso sinceramente que a Fé não é um sentimento cego de religião que se alevanta das profundezas do subconsciente pelo impulso do coração e pela moção da vontade treinada para a moralidade, mas um genuíno assentimento da inteligência com a Verdade recebida oralmente de uma fonte externa. Por este assentimento, devido à autoridade do Deus supremamente verdadeiro, acreditamos ser Verdade o que foi revelado e atestado por um Deus pessoal, nosso Criador e Senhor.
Além disso, com a devida reverência, eu me submeto e adiro com todo o meu coração às condenações, declarações e todas as proibições contidas na encíclica Pascendi e no decreto Lamentabili, especialmente as que dizem respeito ao que é conhecido como a história dos dogmas.
Também rejeito o erro daqueles que dizem que a Fé mantida pela Igreja pode contradizer a história, e que os dogmas católicos, no sentido em que são agora entendidos, são irreconciliáveis com uma visão mais realista das origens da Religião cristã.
Também condeno e rejeito a opinião dos que dizem que um cristão erudito assume uma dupla personalidade – a de um crente e ao mesmo tempo a de um historiador, como se fosse permissível a um historiador manter coisas que contradizem a Fé do crente, ou estabelecer premissas que, desde que não haja negação direta dos dogmas, levariam à conclusão de que os dogmas são falsos ou duvidosos.
Do mesmo modo, eu rejeito o método de julgar e interpretar a Sagrada Escritura que, afastando-se da Tradição da Igreja, da analogia da Fé e das normas da Sé Apostólica, abraça as falsas representações dos racionalistas e sem prudência ou restrição adota a crítica textual como norma única e suprema.
Além disso, eu rejeito a opinião dos que mantém que um professor ensinando ou escrevendo sobre um assunto histórico-teológico deve antes colocar de lado qualquer opinião preconcebida sobre a origem sobrenatural da Tradição católica ou a promessa divina de ajudar a preservar para sempre toda a Verdade Revelada; e que ele deveria então interpretar os escritos dos Padres apenas por princípios científicos, excluindo toda autoridade sagrada, e com a mesma liberdade de julgamento que é comum na investigação de todos os documentos históricos profanos.
Finalmente, declaro que sou completamente oposto ao erro dos modernistas, que mantém nada haver de divino na Tradição sagrada; ou, o que é muito pior, dizer que há, mas em um sentido panteísta, com o resultado de nada restar a não ser este fato simples – a colocar no mesmo plano com os fatos comuns da história – o fato, precisamente, de que um grupo de homens, por seu próprio trabalho, talento e qualidades continuaram ao longo dos tempos subsequentes uma escola iniciada por Cristo e por Seus Apóstolos.
Prometo que manterei todos estes artigos fielmente, inteiramente e sinceramente e os guardarei invioladas, sem me desviar em nenhuma maneira por palavras ou por escrito. Isto eu prometo, assim eu juro, para isso Deus me ajude, e os Santos Evangelhos de Deus que agora toco com minha mão.
A Sagrada Pregação
Uma vez que depois de uma atenta observação, percebemos que de pouco servem os cuidados que os Bispos colocam para que se pregue a Palavra; e isto não é por culpa daqueles que ouvem, mas sim por conta da arrogância dos pregadores que expõem a palavra dos homens e não a de Deus, cremos que seja oportuno divulgar em língua latina e recomendar aos ordinários o documento que, por mandato de Nosso Predecessor Leão XIII, foi publicado pela Sagrada Congregação de Bispos e Regulares, no dia 31 de julho de 1894 e enviado aos Ordinários da Itália e aos superiores das Famílias e Congregações Religiosas:
Piedade e Doutrina
1º – Em primeiro lugar, pelo que se refere às virtudes de que devem estar adornados de maneira muito eminente os oradores sagrados, tenham bom cuidado os Ordinários e os Superiores das Famílias Religiosas de não confiar este santo e salutar ministério da palavra divina àqueles que não sejam piedosos com Deus nem que amem a Jesus Cristo, Filho de Deus e Senhor nosso, e que não transbordam em si desta piedade e deste amor. Se estes dotes faltam aos pregadores da doutrina católica, não conseguirão ser mais que os bronzes que soam ou como os címbalos que retinem1; jamais lhes deve faltar aquilo de que procede a força e a eficácia da pregação evangélica, isto é, o zelo pela glória de Deus e pela salvação eterna das almas. Esta piedade necessária que devem ter os oradores sagrados há de transliterar-se muito particularmente na maneira de se manifestar sua vida, não vá a ser que a conduta daqueles que pregam estejam em contradição com o que recomendam sobre os preceitos e costumes cristãos; e não destruam com obras o que edificam com palavras. Essa piedade não deve ressentir-se de qualquer coisa profana: deve estar adornada de gravidade, para que se veja que verdadeiramente são ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus. Do contrário, como acertadamente adverte o Doutor Angélico: se a doutrina é boa e o pregador é mal, isto é ocasião de blasfêmia da doutrina divina2.
Entretanto, da piedade e das demais virtudes cristãs não lhes deve faltar conhecimento; é evidente por si só, e a experiência assim o confirma, que aqueles que não possuem abundante doutrina – principalmente doutrina sagrada – não podem expressar-se com sabedoria, nem com rigor sistemático, nem com fruto; e tampouco aqueles que confiados em sua inata facilidade de palavra sobem ao púlpito com descontração, quase sem preparar-se. Estes certamente dão golpes no vazio e inconsistentemente são a causa de a palavra divina ser depreciada e objeto de violação; a eles se pode aplicar restrição das palavras divinas: “por teres rejeitado a instrução, te excluirei de meu sacerdócio”3.
«Pregai o Evangelho»
2º Por isso, que os Bispos e Ordinários das Famílias Religiosas não devem confiar o ministério da palavra a nenhum sacerdote sem que antes lhes conste que tem uma notável quantidade de piedade e de doutrina. Vigiem atentamente para que falem somente das coisas que são próprias da pregação divina. Em que consistem estas coisas disse o mesmo Cristo Nosso Senhor: pregai o Evangelho…4. Ensinando-os a observar tudo o que lhes mandou. Ao que Santo Tomás comenta: os pregadores devem lançar luz sobre o que se deve crer, e exortando, não cessar de pregar aos bons homens. O Concílio de Trento diz: Manifestando-lhes o vício que devem abandonar e as virtudes que lhes convém adquirir para que possam eludir a pena eterna e alcançar a glória do céu5. Tudo isto foi resumido por Pio IX escrevendo assim: pregando a Cristo crucificado, e não a si mesmos, anunciem ao povo com clareza e simplicidade os dogmas e preceitos de nossa santa religião, valendo-se de um linguajar sério e elegante; exponham a todos com detalhes quais são seus deveres correspondentes, afastem a todos do pecado, inflamem-nos na piedade; desta forma, os fiéis, alimentados com a Palavra de Deus, se afastarão de todos os vícios, se sentirão inclinados à virtude e poderão ver-se a salvo das penas eternas, alcançando a glória do céu6. De tudo isso resulta evidentemente que os temas sobre o que se deve pregar são o Símbolo dos Apóstolos, a lei de Deus, os Mandamentos da Igreja, os Sacramentos, as virtudes, os vícios, os deveres de estado, os Novíssimos do homem e as demais verdades eternas.
Mais Sermões e menos -conferências
3º – Mas não é algo raro que se dê pouco desta riquíssima e importantíssima quantidade de coisas aos ministros modernos da palavra divina; deixam-nas de lado como se fossem algo sem uso e inútil, praticamente a desprezando. Se dão conta de que estas coisas que citamos não são precisamente mais apropriadas para arrancar essa popularidade que tanto desejam; buscam seus próprios negócios, não as coisas de Jesus Cristo7, e isto fazem inclusive nos dias de quaresma e nos demais tempos solenes do ano. Não só mudam o nome de tudo, mas também que agora substituem os sermões de sempre por uma espécie de discurso pouco adequado para se dirigir às mentes, o que eles chamam de CONFERÊNCIAS, que se prestam mais a uma reflexão do que a mover as vontades e a estimular os bons costumes. Não se convencem de que os sermões sobre moral aproveitam a todos, enquanto que as conferências apenas sejam de proveito para alguns poucos; se na pregação se leva a cabo um exame destemido dos costumes, incentivando a castidade, a humildade, a docilidade à autoridade da Igreja, por si irão corrigir as ideias equivocadas na fé e acolherão a luz da verdade com melhor disposição de ânimo. Os conceitos equivocados que muitos tem sobre a religião, sobretudo no próprio meio católico, devem acusar mais as más inclinações da concupiscência que a uma atitude errada da inteligência, como afirmam estas palavras divinas: do coração saem os maus pensamentos… as blasfêmias8. Fazendo referência às palavras do salmista: disse o insensato em seu coração: Deus não existe9, S. Agostinho comenta: em seu coração, não em sua cabeça.
Pregar com Simplicidade
4º – Não se pode tomar de todas as formas o que dizemos como se estas formas de dirigir a palavra sejam por si só reprováveis, mas que pelo contrário, se fazem bem, podem ser muito úteis e inclusive necessárias para combater os erros com que a religião é atacada. Entretanto, deve-se eliminar absolutamente do púlpito as formas pomposas de falar, que não sejam mais que dar voltas em vez de animar para uma boa conduta; que se referem ao que é mais próprio da sociedade civil do que da religião; que focam mais na elegância no dizer do que nos frutos alcançados. Todas estas coisas são mais próprias de ensaios literários e de discursos acadêmicos, mas não concordam em absoluto com a dignidade e com a categoria da casa de Deus. Os discursos ou conferências que tem por objetivo defender a religião contra os ataques dos inimigos, ainda quando às vezes sejam necessários, não são coisa que esteja ao alcance de todos, senão de alguém que seja muito capaz disto. Entretanto, mesmo estes exímios oradores devem ter grande cautela, pois estas defesas da religião só convêm se assim aconselham as circunstâncias de lugar, de tempo e dos tipos de ouvintes e quando se veja que não serão infrutuosas: é inegável que o juízo sobre a oportunidade ou não corresponde aos Ordinários. Ademais, neste tipo de discurso, confie-se mais na força da doutrina sagrada do que nas palavras da sabedoria humana; que a exposição tenha força e seja lúcida, que não ocorra que nas mentes dos ouvintes sejam gravadas mais profundamente as teorias falsas que a verdade que as opõe, ou que sobressaiam mais as objeções que as respostas. De forma especial trabalhará para que não se abuse destes discursos, colocando-os no lugar dos sermões, como se estes fossem de menor categoria e de menor eficácia, deixando-os, por isso, para pregadores e ouvintes vulgares; é muito certo que os sermões sobre os bons costumes são altamente necessários à maioria dos fiéis, mas isso não quer dizer que devem ter nível menor que os discursos apologéticos; de modo que os sermões devem ser feitos por oradores de grande prestígio, sem levar em conta se o público ouvinte é dos mais elegantes ou dos mais comuns e, ao menos de vez em quando, se deverão organizar estes sermões com especial cuidado. Se não procedem assim, a maioria dos fiéis estará sempre ouvindo falar de erros que quase todos detestam, mas nunca ouvirão falar dos vícios e pecados que lhes circundam e lhes mancham.
A Sagrada Escritura, fonte da pregação
5º – Quando o tema escolhido para os sermões não é bem orientado, há outras coisas muito graves que causam lástima, levando em conta o estilo e a forma do discurso. Como esplendidamente disse S. Tomás de Aquino, para que seja realmente luz do mundo, o pregador deve reunir três características: primeiro, uma solidez de doutrina para que não venha a se desviar da verdade; segundo, clareza na exposição, para que seu ensinamento não seja confuso; terceiro, eficácia, para buscar o louvor de Deus e não sua própria vanglória10. Mas a verdade é que na maioria das vezes a forma como se fala hoje em dia não está pouco distante dessas claridades e simplicidades evangélicas que devem ser suas características, senão que estão mais bem codificada em rodeios de oratória e em temas abstratos que superam a capacidade de entender do povo comum. É realmente lamentável e dá vontade de chorar com as palavras do profeta: as criaturas pediram por pão e não havia quem lhes desse. E é também muito triste que com frequência falte nos sermões conteúdo religioso, esse sopro de piedade cristã, essa força divina e essa virtude do Espírito Santo que move as almas e as impele ao bem: para conseguir esta força e esta virtude, os pregadores sagrados devem sempre ter em mente as palavras do apóstolo: minha palavra e minha pregação não consistem em vocábulos persuasivos de sabedoria humana, mas em mostrar o espírito da virtude11. Aqueles que confiam em palavras persuasivas da sabedoria humana, quase nada ou nada tem da palavra divina nem das Sagradas Escrituras, que oferecem o mais poderoso e abundante manancial para a pregação, como há não muito tempo ensinou Leão XIII, com estas importantes palavras: “Esta característica virtude das Escrituras, que procede do sopro do Espírito Santo, é o que dá autoridade ao orador sagrado, lhe outorga liberdade de apostolado, lhe confere uma eloquência viva e convincente. Aquele que quer lutar ao falar o espírito e a força da palavra divina, não fala somente com palavras, mas com firmeza, com o Espírito Santo e cheio de confiança12. Devem dizer que atuam com pressa e sem prudência aqueles que pregam seus sermões e que ensinam os preceitos divinos como se somente utilizassem palavras de ciência e de prudência humanas, apoiando-se mais em seus próprios argumentos que nas verdades divinas. A oratória deles, ainda que seja brilhante, necessariamente carecerá de vigor e será fria, posto que lhes falta fogo da palavra de Deus e por isso estará longe de ter a força que é própria da palavra divina: A palavra de Deus é viva, eficaz, penetrante como uma espada de dois fios que vai até os mais profundos da alma13. Além disso, as pessoas mais sábias estão de acordo que as Sagradas Escrituras são de uma eloquência maravilhosa, diversa e rica, adequada às coisas maiores, S. Agostinho também compreendeu desta forma e falou disto amplamente14; além do mais, é algo que se põe em evidência nos oradores sagrados de maior nível, e àqueles que devem sua fama a uma assídua frequência e a uma piedosa meditação dos Livros Sagrados, assim o afirmam dando graças a Deus15”.
A Bíblia é, pois, a principal e mais acessível fonte de eloquência sagrada. Mas aqueles que são pregadores de novidades, não alimentam o acervo de seus discursos através da fonte de água viva, sem que insensatamente e equivocados se aproximam das cisterna rachada da sabedoria humana; assim, deixando de lado a doutrina inspirada por Deus ou a doutrina dos Padres da Igreja e dos Concílios, tudo se volta para reviver os nomes e as ideias de escritores profanos e modernos, mesmo que ainda vivos: estas ideias dão lugar com frequência a interpretações ambíguas e muito perigosas.
Buscar o fruto sobrenatural da pregação
Outra maneira de se causar dano é a mesma daqueles que falam das coisas da religião como se tivessem de ser consideradas segundo os cânones e conveniências desta vida passageira, dando esquecimento à vida eterna futura: falam brilhantemente dos benefícios que a religião cristã trouxe para a humanidade, mas se calam a respeito das obrigações que ela impõe; pregam a caridade de Nosso Salvador Jesus Cristo, mas nada dizem de sua justiça. O fruto que esta pregação produz é escasso, já que depois de ouvi-la, qualquer profano se convence de que, sem necessidade de mudar de vida, ele é um bom cristão apenas dizendo: creio em Jesus Cristo16
Que tipo de fruto querem obter estes pregadores? Não tem certamente nenhum outro propósito a não ser aquele de buscar por todos os meios ganhar adeptos falando-lhes aos ouvidos, de modo a ver o templo transbordar, não lhes importa que as almas se tornem vazias. É por isso que sequer falam do pecado, dos novíssimos, nem de qualquer outra coisa importante, mas se deixam a falar apenas de coisas complacentes, com uma eloquência mais própria de uma disputa profana do que de um sermão apostólico e sagrado, para conseguir o clamor e o aplauso; contra estes oradores escrevia S. Jerônimo: quando ensinares na Igreja, deveis provocar não o clamor do povo, mas sua compunção: as lágrimas daqueles que te ouvem devem ser tua balança17. Assim também estes discursos se rodeiam de um certo aparato cênico, tendo um lugar dentro ou fora de um lugar sagrado, e prescindindo de todo ambiente de santidade e de eficácia espiritual. Daí que não cheguem aos ouvidos do povo e também de muitos do clero as delícias que brotam da palavra divina; daí o desprezo das coisas boas; daí o escasso ou nulo aproveitamento que tiram aqueles que vivem em pecado, pois mesmo que gostem de escutar, sobretudo se se trata desses temas cem vezes mais sedutores, como o progresso da humanidade, a pátria, os mais recentes avanços da ciência, uma vez que tendo aplaudido ao especialista da vez, saem do templo da mesma forma como entraram, como aqueles que se encheram de admiração, mas não se converteram18.
Grave dever dos Bispos
Sendo, pois, desejo da Sagrada Congregação, por um mandato de nosso Venerabilíssimo Senhor o Papa, cortar tantos e tão grandes abusos, insiste aos Bispos e aos Superiores das Famílias Religiosas para que com toda a sua autoridade apostólica se oponham a eles e cuidem de extirpá-los com todo o seu empenho. Haverão de recordar o que ordena o Concílio de Trento19, tem a obrigação de buscar pessoas idôneas pra este ofício de pregador, conduzindo-os neste assunto com a maior diligência e cautela. Se tratar-se de sacerdotes de sua própria diocese, cuidem os Ordinários de não autorizar jamais que preguem sobre nada cuja vida, ciência e costumes não tenham sido antes provados20, isto é, se não foram tomados como idôneos por meio de exame ou de algum outro modo. Se forem sacerdotes de outra diocese, não permitam que subam ao púlpito, sobretudo nas festividades solenes, se não consta antes por escrito a autorização de seu próprio Bispo, garantindo seus bons costumes e sua aptidão para este ofício. Os Superiores das Ordens, Sociedades ou Congregações Religiosas não autorizarão a nenhum de seus súditos para que preguem e muito menos os recomendarão para os Ordinários, se não estão devidamente convencidos de sua honestidade de vida e de suas faculdades para pregar. Se depois de haver autorizado por escrito a um pregador, se comprovar que ele se afastou na sua pregação das normas que estabelecemos neste documento, deverão obrigar-lhe a obedecer; e se não fizerem caso, deverão proibi-lo de pregar, mesmo que fosse necessário recorrer às penas canônicas que pareçam oportunas.
Acreditamos que seja conveniente prescrever e recordar tudo isto, mandando que se observe religiosamente; Vemo-nos movidos a isto pela gravidade do mal que aumenta dia a dia e do qual se deve sair com toda energia. Já não podemos nos ver, como num primeiro momento, diante de adversários disfarçados em pele de ovelha, mas com inimigos declarados e descarados, dentro da mesma casa, que, estando de acordo com os principais adversários da Igreja, tem o propósito de destruir a fé. Tratam-se de homens cuja arrogância frente à sabedoria do céu se renova todos os dias e se julgam no direito de retificá-la, como se estivesse se corrompendo; querem renová-la, como se a velhice lhe tivesse consumido; querem dar-lhe novo impulso e adaptá-la aos gostos do mundo, ao progresso, aos caprichos, como se a fé se opusesse não à ligeireza de alguns poucos, mas ao bem da sociedade.
Nunca serão exageradas a vigilância e a firmeza com que se opõem essas acometidas contra a doutrina evangélica e contra a tradição eclesiástica, aqueles que tem a responsabilidade de custodiar fielmente seu sagrado depósito.
Tornamos públicas estas advertências e estes salutares mandatos, por meio desde Motu Proprio e tendo consciência do que fazemos; deverão ser observados por todos os Ordinários do mundo católico e pelos Superiores Gerais das Ordens Religiosas e dos Institutos eclesiásticos; queremos e mandamos que se retifique tudo isto com Nossa assinatura e autoridade, sem que se abstenha nada contrário.
Dado em Roma, junto a São Pedro, dia 1 de setembro de 1910, ano oitavo de Nosso Pontificado.
Pio PP. X
Tradução inédita para o português por um congregado da seção da Boa Imprensa da Congregação Mariana da Imaculada Conceição e de Santo Afonso, Manaus-AM
- I Cor. XIII. 1
- Comm. in Matth. V
- Os. IV. 6
- Mc XVI. 15
- Sesión V, cap. 2 De Reform.
- Encíclica 9-XI-1846
- Filip. II. 21
- Mt. XXVIII. 20
- Sl. XIII.1
- Ibidem
- I Cor. II. 4
- I Ts, I. 5
- Hb. IV. 12
- De Doctr. Christ., IV. 6. 7
- Encíclica de Studiis Script. Sacr., 18-XI-1893
- Cardenal Bausa, arzobispo de Florencia, ad iuniorem clerum, 1892
- Ad Nepotian
- Cfr. S. Agostinho, in Matth. XIX, 25
- Sessão V, c.2 De reform.
- Ibidem