Carta aos aspirantes, noviços e consagrados da Congregação Mariana da Imaculada Conceição de S. Afonso de Ligório – Manaus/AM
Hoje e nos próximos sete dias, relembramos com intenso fervor da profecia de Isaías, de que um menino nasceria, um filho nos seria dado, aquele que seria chamado Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, o Príncipe da paz (Is 9, 5-6). Este menino faria que um povo que andava nas trevas visse a luz e que essa luz resplandeceria sobre todos os que habitassem numa região tenebrosa (Is 9, 1), a qual sabemos ser a região tenebrosa do pecado.
De fato, a luz tornou-se forte e alcançou o mundo inteiro. Um menino enfaixado com pobres panos em uma manjedoura, num estábulo frio e úmido, trouxe para nós a salvação, a dignidade de filhos de Deus e a possibilidade inenarrável de ver a este Deus face a face por toda a eternidade. Este menino é o próprio Deus.
Lamenta-se Santo Afonso em uma de suas meditações natalinas que a graça salvadora, manifestada a todos os homens pela encarnação de Deus, não foi conhecida por todos, porque “a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz” (Jo 3, 19).
Os que estão nas trevas são, primeiramente, os que deliberadamente escolhem manter suas más obras, afastando-se da Verdade, da Luz, que é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Há aqueles ainda que por causa da ignorância não veem a luz, mas pela fé a luz os alcança mais cedo ou mais tarde. Assim começou a minha história na Congregação Mariana: alguém que havia visto a luz de modo muito ofuscado, conheceu a Deus, dentro de suas limitações, muito mais claramente pelo auxílio da Congregação de Maria Imaculada; alguém que apesar dos anos de vida gastos em “comunidade”, não sabia sequer rezar um terço sozinha, que ia a Missas mal rezadas e que não entendia o real sentido delas, que não sabia nem de perto o que seria meditação; alguém que por providência divina teve como primeiro encontro na CM um simpósio sobre Família, porque ganharia para si uma verdadeira Família, que não seria de sangue, mas que seria formada por filhos de uma mesma mãe, a Virgem Maria.
A Congregação Mariana foi, portanto, esta via pela qual Deus me deu a benesse de contemplar a verdadeira Luz muito mais nitidamente, sem os percalços de uma vida moderna na Igreja. A Congregação é, senão, o instrumento que nos traz a companhia de Nossa Senhora para seguirmos juntos até Belém e, dentro de todo o sofrimento de más instalações, desprezo, frio e pobreza, podermos contemplar a Verdade exposta na manjedoura. Por meio da Congregação de Maria, compreendemos o valor do sofrimento, da oração e do recolhimento, entendendo que somente assim o Menino Jesus será de fato adorado e glorificado. Sim, a Congregação Mariana é tudo isto e até mais do que eu possa expressar.
Passados mais de 5 anos de aprendizado, quedas e soerguimentos, estou eu aqui, despedindo-me neste Natal, porque parece haver um chamado de Deus para outra paragem, um outro recanto de Nossa Senhora. Não desejando ser ingrata com tudo que me foi dado por meio desta Congregação, mas, pelo contrário, buscando manifestar toda minha gratidão ao que Deus me deu, manifesto, num primeiro momento, a grande dor que estou sentindo ao partir, ao perder tudo o que Deus há de conceder aos apostolados da Congregação, de não ver o nosso colégio grande, como sempre sonhávamos para o futuro, de não ver minhas afilhadas crescerem, de não mais acompanhar as crianças da Cruzada, de não ver mais o que a Congregação Mariana é capaz de fazer pela Tradição e pela Missa em Manaus. É de fato muito dolorido perder tudo isso e muito mais, mas Deus é quem sabe de todas as coisas e agora, como uma filha que recebe a permissão de sua mãe, eu peço licença a Nossa Senhora para deixá-los.
Por algumas vezes relutei e perguntei-me se deveria ser assim. Se deveria ser eu a primeira congregada a ir buscar uma vida religiosa (espero eu que logo logo não seja a única). A resposta foi muito clara. Não é pelos meus míseros méritos e nunca haveria de ser, mas porque Deus escolhe os fracos para confundir os fortes e os de pouco discernimento para confundir os sábios (I Cor 1, 26-27). Lembremos que o próprio Deus se fez fraco naquela pobre manjedoura, para que naquela fraqueza se manifestasse a sua força (II Cor 12, 10). Não é, portanto, porque há qualidades em mim, mas porque Deus assim o quer, assim eu acho, para que se manifeste mais claramente as suas obras (Jo. 9, 3). Por isso, eu peço com veemência que, diante de minhas fraquezas, todos rezem pela minha vocação.
Abro espaço agora para os agradecimentos.
Agradeço aos cupidos e casamenteiros de plantão, que buscando, acredito eu, o melhor para mim, direcionaram esforços e orações para que eu conseguisse um matrimônio já em meia-idade, lançando até mesmo um buquê quase que certeiro em minha direção. Tenho certeza que os méritos dos seus esforços foram direcionados para a escolha da minha vocação.
Brincadeiras a parte, primeiramente, agradeço ao Sr. Presidente, Nilson Neto, pela paciência e confiança durante estes anos de trabalho. Torno-me agraciada por saber que da relação de um presidente e uma secretária tenha nascido um grande sentimento fraterno. Hoje considero-o como um irmão.
Extensivamente, agradeço à Diretoria da Congregação pela paciência em me suportar todo esse tempo e pela coragem de permanecer nestes cargos, mantendo a vida da Congregação, apesar das dificuldades.
Agradeço também, in memoriam, à dona Goretti que foi uma grande amiga, conselheira e mãe para mim. Que nos lembremos sempre com muito carinho de seus conselhos e “puxadas de orelha”, bem como da sua linda morte.
Prefiramos o paraíso, como ela.
À minha mãe, in memoriam, que durante um pouco mais de 29 anos suportou-me e cuidou muito bem para que eu não desistisse do que era importante. Peço que rezem por ela.
Às mães que ganhei nesta Congregação, dona Socorro, dona Silene, dona Elizete, que me considerando como filha, trataram-me como tal, dando-me conselhos, ajudas e carinho.
Às crianças da primeira turma da Cruzada Eucarística pela oportunidade de orientá-las durante este ano e aos alunos que turmas de catecismo anteriores. Tenho plena certeza que a pessoa que mais aprendeu neste processo, fui eu mesma.
Enfim, a todos os congregados pelo auxílio, paciência e cuidado. Aos novos e aos mais antigos como eu, meu muito obrigada. É uma grande alegria ver a Congregação crescendo e gerando frutos por onde passa.
Por fim, tenho somente três pedidos a fazer e peço-lhes licença para tomar esta liberdade.
Primeiro, peço que se esforcem em manter diligência nos apostolados da Congregação. Mesmo que possam fazer somente algo muito pequeno, façam com amor e dedicação, e não desistam. Usemos o exemplo de S. Bernadette, que foi congregada. Sabe-se que, por relatos de sua biografia, tudo que ela devia fazer, fazia com grande zelo. Se se tratava de uma limpeza no convento, limpava todos os cantos do cômodo, até mesmo os nunca vistos pelas pessoas. Seu amor a Deus resplandecia na sua obra, logo ela não se importava com o que os outros viam, mas somente com Aquele que tudo vê, o próprio Deus, o motivo de suas obras. Deus nem Nossa Senhora precisam de nós, mas por algum motivo nos puseram onde estamos. Então façamos o máximo que está ao nosso alcance para fazer a perfeita vontade divina. Limpemos o cantos que nos forem dados.
Segundo, sejam verdadeiramente irmãos uns dos outros. Alegrem-se juntos quando possível, suportem-se quando necessário, e amem-se sempre. Que nós sejamos gratos por todos que Deus no envia e também pelos que eventualmente nos venha a tirar. No ensejo, peço que tenham paciência e ajudem o quanto puderem a Diretoria da Congregação. Às vezes conciliar os afazeres é algo, de fato, muito difícil, principalmente corroborado pelas dificuldades pessoais de cada um. Por isso, rezem por eles.
Por fim, não desistam de nada, nada mesmo, que Deus tenha posto em suas mãos. Os nossos tempos estão cada vez mais difíceis, principalmente pelas proibições relacionadas a Missa, mas não esqueçam: “Quando mais difícil está é quando mais Deus quer ajudar”. Acompanhemos Nossa Senhora e São José até Belém e soframos com eles. Junto deles e do menino Jesus, símbolo de resignação e paciência, nada será tão difícil que não possa ser suportado. Não percamos a esperança, não desanimemos. É por Deus que passamos e iremos passar as mais diversas dificuldades e é Deus que há de nos recompensar, apesar das nossas mazelas.
Por tudo e em tudo devemos nos alegrar. Exultemos de alegria, “nasceu-nos um menino, um filho nos foi dado”, nasceu para nós, pobres pecadores, Um Salvador! Venite, Adoremus Dominum!
Prometo rezar por todos, enquanto houver forças. Salve Maria!
Manaus, 25 de dezembro de 2021, Festa da Natividade de Nosso Senhor,
Luhana Nyevies Martins Soares, CM.