O acólito e a comunhão
No último sábado, assistia uma missa rezada como acólito. Todo o rito transcorria sob a santa monotonia da liturgia tradicional da Igreja, como a melodia de um canto gregoriano. Pequenas e pontuais imprecisões do sacerdote, ainda com pouca prática com o rito tridentino, eram como suaves vozes que se insinuavam numa melodia polifônica. Em todo caso, tudo seguia normalmente, até chegada a hora da comunhão dos fiéis.
Há muitas vantagens na função de acólito. A maioria delas têm relação direta com a vida espiritual. Uma em particular é o privilégio sobre todos os que estão presentes à Santa Missa de assistir o sacerdote na administração da sagrada comunhão. Não por motivo de vaidade para o acólito, mas por oferecer uma interessante ocasião para exercitar um olhar mais atento.
Eu dizia que era chegada a hora da comunhão. Confessando-se pecadores e reconhecendo-se indignos diante de Nosso Senhor, os fiéis se dirigiam à mesa de comunhão, confiantes na misericórdia divina e meio desajustados pela baixa altura da balaustrada, planejada para as crianças.
Neste momento, se você é o acólito, pode observar de perto tanto o padre como os fiéis, seus gestos, expressões e reações. Para um acólito disperso, geralmente esta hora constitui uma ocasião próxima de tentação contra a virtude da seriedade.
É que alguns fiéis levantam a cabeça demais; outros, de menos. Alguns fiéis abrem a boca demais; outros, de menos. Alguns fiéis põem a língua pra fora demais; outros, de menos. E geralmente são os adultos. A exceção são os bebês de colo que, na ânsia de fazerem logo a sua primeira comunhão, podem chegar a puxar a patena da mão do acólito. Esses são os piores!
Mas em geral, as crianças são os que melhor se apresentam para a comunhão. Estão com as instruções do catecismo mais presentes na memória, é verdade. Mas isso não é tudo. Não se trata de analisar apenas quem cumpre ou não as regras de etiqueta da comunhão.
Bem, há fundamentalmente dois erros acerca da devoção: a irreverência, como a de uma pessoa que se dirige ao balcão de uma agência qualquer, para ser atendido; e o sentimentalismo, como o de uma personagem de um videoclipe de música gospel, combinando expressões faciais de mal estar com gestos extravagantes. Em muitas ocasiões, ou as pessoas vão comungar com irreverência ou, com sentimentalismo.
Ao contrário, as crianças bem formadas costumam comungar com profunda atenção e seriedade. Como a atenção e a seriedade que elas geralmente aplicam às suas brincadeiras, levando às últimas consequências os pressupostos assumidos. Para comprovar, basta brincar com sua sobrinha de 4 anos: se você não levar a coisa a sério, verá a carinha desapontada dela fulminar você.
Mas, se as crianças agem com atenção e seriedade movidas pela imaginação nos seus jogos, agem com muito mais atenção e seriedade movidas pela fé e pela caridade na devoção: elas acreditam perfeitamente que, à hora da comunhão, estão diante de uma realidade importantíssima, diante da Pessoa que merece todo o seu inocente e afetuoso amor.
Voltando àquela missa, do último sábado… Enquanto via os pequeninos comungarem, lembrava-me de um bonito símbolo do cristianismo primitivo: as crianças ali ajoelhadas, esperando a comunhão das mãos do padre, pareciam filhotes de pelicano sendo alimentados.
A Igreja aplicou a Nosso Senhor o símbolo do pelicano, como se canta no Adoro te, devote. A analogia é tão simples quanto bela: No intuito de nutrir seus filhotinhos, quando falta o alimento adequado, a ave fere a si mesma para dar sua carne como alimento. É o que fez Nosso Senhor na cruz e o que continua a fazer, renovando a cada Santa Missa, pelos seus sacerdotes, o sacrifício do Calvário.
E o padre de fato lembrava o pelicano, que tomava da própria carne para dar na boca de seus filhotinhos; e esta figura realçava ainda mais seu caráter sacerdotal, sua identificação com Nosso Senhor.
Diante disso, começava a meditar o quão tristemente a comunhão havia se tornado algo ordinário, corriqueiro. Acontecia – e acontece – um milagre em toda Missa, mas por ter entrado para a ordem do dia, havia se tornado rotina, perdido a admiração que em geral temos pelo extraordinário. E a admiração que é sobretudo interior se diluía em uma devoção exterior, apenas.
Porque ambos, a irreverência e o sentimentalismo são, no fundo, frutos de uma devoção meramente exterior: ou se comunga por mera convenção social, ou se comunga para mostrar, ou a Deus ou às pessoas, seus sentimentos e afetos. O ponto é que o destaque não está sobre Deus, mas sobre si mesmo.
Por isso a comunhão das crianças é mais bonita, e talvez por isso, mais verdadeira. Elas não pensam em si mesmas, em como estariam aparentando aos outros, mas sua consideração é interior e o objeto, o Mistério de Deus.
Grandioso Mistério é a Sagrada Eucaristia, pelo qual Nosso Senhor nos alimenta com a sua própria carne! Muito mais do que nutrir o corpo é a virtude de aumentar em nós a graça habitual, conceder novas graças atuais, perdoar nossos pecados veniais, refrear nossas paixões e firmar nossa vontade no bem! Que devoção não deveria nos inspirar esta consideração!
O padre, então, surpreendia-me com um gesto, solicitando-me a patena, pois já se encerrava a comunhão dos fiéis.
Ajoelhava-me ainda considerando aquele importante aprendizado, o qual me fazia lembrar das palavras de Nosso Senhor: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhe assemelham” (S. Marcos X,15). De fato, não se vai até Nosso Senhor sem uma devoção verdadeira, interior, que não busca a si mesmo, exatamente como a das crianças.