O Itinerário da Semana Santa na Liturgia Romana Tradicional – Quarta-feira Santa

Para acompanhar os artigos anteriores desta série:

II Domingo da Paixão ou de Ramos

Segunda-feira Santa

Terça-feira Santa

 

Estação na Basílica de Santa Maria Maior.

Fontes da Liturgia: Introito, Filip., II, 10 e Salmo CI, 2; Epístola I, Isaías, LXII, 11-12 e LXIII, 1-7; Gadual, Salmo LXVIII, 18 e 1-2; Epístola II, Isaías, LIII, 1-12; Tracto: Salmo CI, 2-5; Evangelho, Paixão segundo S. Lucas, XXII-XXIII; Ofertório, Salmo CI, 2-3; Comunhão, Salmo CI, 10, 11, 13, 14.

 

Enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo estava se preparando para celebrar a última Páscoa e a instituição do adorável Sacramento da Eucaristia juntamente com o Sacerdócio na nova Lei, seus inimigos discutiam no sinédrio a melhor forma de prendê-Lo. Seria prudente prendê-Lo nesta época de festividade da Páscoa, quando a cidade fica repleta de estrangeiros, que receberam notícias tão favoráveis de Jesus, até mesmo a aclamação dada a Ele três dias antes? Não deveria haver um grande número de habitantes em Jerusalém, que tomaram parte naquela aclamação, cuja admiração entusiasmada possa fazê-los revoltar-se em Sua defesa? Eles decidem, portanto, deixar passar essa época de Páscoa para colocarem seu plano em ação.

Mas estes homens sedentos de sangue elaboram seus planos como se fossem eles próprios senhores. Entretanto, a imolação da Vítima Divina já estava desde a eternidade prevista para um dia mais propício: seria a Páscoa daquele ano. O cordeiro, imagem de Nosso Senhor, dará lugar ao Verdadeiro Cordeiro. A Páscoa desse ano substituirá a imagem pela realidade; Os pérfidos sacerdotes estão a ponto de imolar a Vítima, cujo Sangue irá firmar a nova e eterna aliança. Mas como os inimigos de Cristo tomariam a Vítima sem causar furor na cidade? Há apenas um plano que poderia suceder, e eles não pensaram nisto: a traição. Apenas tem fim a sua deliberação, eles são informados que pede entrada um dos discípulos de Cristo. O traidor Judas veio à sua assistência e firmou com eles uma barganha infame. Como os sumos sacerdotes puderam deixar de lembrar que a barganha feita entre eles e Judas foi predita no salmo 108, pelo rei David? Eles conhecem as escrituras do início ao fim, como puderam não lembrar-se das trinta moedas, mencionadas pelo profeta?

Desde os primeiros dias do cristianismo a Igreja manifesta o grande horror deste ato pérfido. É por esta razão que tradicionalmente toda quarta-feira do ano é considerada um dia de penitência, além de ser escolhida como um dos dias de penitência das Têmporas. Desde os primórdios a Quaresma inicia em uma quarta-feira. Sem dúvidas, a basílica de Santa Maria Maior foi escolhida como estação nesta quarta tendo em vista o desejo da Igreja de consolar as dores de Nossa Senhora durante estes dias em que Ela sofria as maiores dores e os piores medos na expectativa do Sacrifício iminente. É nesta basílica que o suporte da manjedoura de Belém está preservada e é apropriado pensar que se associe o nascimento do Filho de Deus em tão humildes meios com Sua morte na Cruz: o início e a consumação da Obra da Redenção. Na Missa desta Quarta-feira, assim como na Missa da quarta-feira da quarta semana da quaresma, duas leituras são feitas antes do Evangelho. A razão para isto é que a Igreja de Roma, neste dia, realizava a sexta eleição para admissão dos catecúmenos ao batismo, que não poderia ser realizado no sábado anterior, em razão das ordenações neste dia. Os catecúmenos, assim que os ritos preparatórios estivessem concluídos, eram dispensados após a leitura do Evangelho, mas pelo fim da santo Sacrifício, eram chamados novamente para o anúncio de sua admissão próxima ao batismo.

O Introito, retirado de uma passagem da epístola de S. Paulo aos Filipenses, sendo um protesto em antecipação contra as genuflexões insultantes dos soldados diante da Vítima de sua própria crueldade. Por isso a Igreja declara que ao Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo todo joelho se dobre, daqueles que estão no céu, sobre a terra e dos que estão sob a terra. A Igreja se une a este clamor no início do salmo 101. Este salmo, cujos versos podemos encontrar no Tracto, na antífona de Ofertório e na Comunhão, é um dos salmos penitenciais; sob a figura de Israel, um cativo na Babilônia, o pecador põe seus lamentos diante de Deus e implora seu auxílio. Levada pelos escritos dos doutores, a Igreja não hesita em aplicar estas palavras à Paixão de Nosso Senhor. Ele também, como feno foi cortado, secou como em fornalha (Tracto), Ele misturou sua bebida com lágrimas (Comunhão). Nestes grandes sofrimentos, suplica a seu Eterno Pai. “Senhor, ouvi a minha oração e chegue até vós o meu clamor. Não aparteis a vossa face de mim.”

Introito

In nomine Jesu omne genuflectatur, caelestium, terrestrium et infernorum: quia Dominus factus est oboediens usque ad mortem, mortem autem crucis: ideo Dominus Jesus Christus ingloria est Dei Patris. Domine, exaudi orationem meam: et clamor meus ad te veniat.
Ao Nome de Jesus se dobrem os joelhos de todos os que estão no céu, na terra e debaixo da terra, porque o Senhor se fez obediente até a morte e morte de Cruz; por isto o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre. Senhor, ouvi a minha oração e chegue até Vós o meu clamor.

 

Coleta

Praesta, quaesumus, omnipotens Deus: ut, qui nostris excessibus incessanter affligimur, per unigeniti Filii tui passionem liberemur: Qui tecum vivit.
Deus onipotente, incessantemente aflitos por causa dos nossos excessos, nós Vos suplicamos concedei sejamos libertados pela Paixão de vosso Filho Unigênito, que, sendo Deus, vive e reina.

 

I Epístola (Is. 62: 11 e 63: 1-7)

O Gradual, retirado do salmo LXVIII, expressa quase que nos mesmos termos esta última súplica. Na primeira Coleta a Igreja fala no nome de todos os seus filhos, mas particularmente no nome dos catecúmenos e dos penitentes públicos. É realmente este sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo que o profeta Isaías descreve na primeira Epístola. Abandonado em seus sofrimentos, Ele tomou para Si mesmo a culpa de toda humanidade, para garantir-lhes os benefícios da misericórdia divina. A segunda Coleta, novamente coloca diante de Deus a humanidade culpada, mas com plena confiaça na sua redenção. Declara que Nosso Senhor Jesus Cristo por seus méritos e sofrimentos destruiu o jugo do demônio. O que custou ao Filho de Deus para realizar esta redenção, o profeta Isaías descreve perfeitamente, muitos séculos antes, explicitando todos os sofrimentos, a calma e a submissão da Vítima divina.

Gradual (Salmo 68: 18, 2-3)

Ne avertas faciem tuam a puero tuo, quoniam tribulor: velociter axaudi me. Salvum me fac, Deus, quoniam intraverunt aquae usque ad animam meam: infixus sum in limo profundi, et non est substantia.
Não desvieis o vosso rosto de vosso servo, pois estou angustiado; atendei-me sem demora. Saivai-me, ó Deus, porque as águas [da aflição] penetram até a minha alma; mergulhado estou num lodo profundo e nele não há esperança.

 

II Coleta

Deus, qui pro nobis Filium tuum crucis patibulum subire voluisti, ut inimici a nobis expelleres potestatem: concede nobis famulis tuis; ut resurrectionis gratiam consequamur. Per eudem D. N.
Ó Deus, que quisestes sofresse o vosso Filho por nós o suplício da Cruz, para nos livrar do poder do inimigo, fazei com que vossos servos alcancem a graça da ressurreição. Pelo mesmo J. C.

 

II. Epístola (Isaías, 53: 1-12)

Tracto (Salmo 101: 2-5, 14)

Evangelho (Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas, 22: 171; 23: 1-53)

Ofertório (Salmo 101: 2-3)

Domine, exaudi orationem meam, et clamor meus ad te perveniat: ne avertas faciem tuam a me.
Senhor, ouvi a minha oração, e chegue até Vós o meu clamor; não afasteis de mim a vossa face.

 

A Secreta tem como fim inspirar em nós um verdadeiro amor pelos sagrados Mistérios nos quais todos os dias a Paixão de Nosso Divino Redentor é renovada sobre os altares. A Pós-comunhão pede a todos os fieis a graça para que tenham confiança na misericórdia divina, uma confiança baseada na morte temporal que o Filho de Deus desejou sofrer pela nossa salvação. Na Oração sobre o povo, o padre, em nome de toda a congregação que se reúne em torno do altar, implora a Deus para que olhe por eles, pois seu Divino Filho entregou-se nas mãos dos perversos e sofreu a morte de cruz pela redenção deles. Esta mesma oração será a conclusão de todas as horas litúrgicas do ofício nos últimos três dias da Semana Santa.

Secreta

Suscipe, quaesumus, Domine, munus oblatum, et dignanter operare: ut quod passionis Filii tui, Domini nostri, mysterio gerimus, piis affectibus consequamur. Per eundem D. N.
Nós Vos rogamos, Senhor, aceitai o dom que Vos é oferecido, e, por vossa bondade fazei que alcancemos por nossos piedosos sentimentos os frutus que esperamos, celebrando o mistério da Paixão de vosso Filho, Nosso Senhor. Pelo mesmo J. C.

 

Comunhão (Salmo 101: 10, 13, 14)

Potum meum cum fletu temperabam: quia elevans allisti me: et ego sicut foenum arui: tu autem, Domine, in aeternum permanes: tu exsurgens misereberis Sion, quia venit tempus miserendi ejus.
Eu misturo a minha bebida com lágrimas, porque, elevando-me, me despedaçastes e eu sequei como feno. Vós, porém, Senhor, permaneceis para sempre. Levantando-Vos, compadecer-Vos-eis de Sião, porque chegou a hora de Vos compadecerdes de sua desgraça.

 

Pós-comunhão

Largire sensibus nostris, omnipotens Deus: ut, per temporalem Filii tui mortem, quam mysteria veneranda testantur, vitam te nobis, dedisse perpetuam confidamus. Per eundem D. N.
Concedei às nossas almas, ó Deus onipotente, a graça de crermos confiantemente que nos destes vida eterna pela morte temporal de vosso Filho, de quem estes sublimes Mistérios dão testemunho. Pelo mesmo J. C.

 

Oração

Réspice, quaesumus, Domine, super hanc familiam tuam, pro qua Dominus noster Jesus Christus non dubitavit manibus tradi nocentium, et Crucis subire tormentum: Qui tecum.
Senhor, humildemente Vos rogamos, olhai propício para esta vossa família, pela qual Nosso Senhor Jesus Cristo não hesitou em se entregar às mãos dos malfeitores e sofrer o tormento da Cruz, Ele, que sendo Deus, convosco vive e reina.

 

Ofício de Trevas

O Ofício de Trevas é o ofício que é cantado, não como Matinas, no decorrer da noite, mas ao cair da noite de quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira da semana santa. O diminuir da luz que acontece enquanto o ofício é cantado, simboliza o eclipse que a glória do Filho de Deus sofreu nas ignomínias de Sua Paixão, o abandono dos seus apóstolos que fugiram quando Nosso Senhor entregou-se nas mãos de seus inimigos e finalmente a grande tristeza que cobriu a Igreja durante o aniversário dos dias nos quais seu Divino Esposo sofreu as humilhações e torturas da Cruz. Tudo isto é simbolizado no Rito de Trevas, que trataremos em um artigo à parte.

 

Tradução e adaptação por um congregado mariano


Fontes: The Liturgy of the Roman Missal – Dom Leduc e Dom Baudot O.S.B

The Rites of the Holy Week – Pe. Frederick R. McManus

The Mass, A Study of the Roman Liturgy – Pe. Adrian Fortescue

The Liturgical Year – D. Prosper Gueranger

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