O professor católico e a Regra de São Bento

O espírito beneditino é um espírito profundamente familiar. As primeiras palavras da Regra de São Bento são: “Escute, filho, e com teu coração ouve os preceitos do Mestre. Recebe de boa vontade e siga fielmente o conselho de um pai amoroso“. No capítulo II, São Bento lembra ao abade de sua dignidade de pai sobre os monges e dá os preceitos que devem seguir nessa “paternidade espiritual”.

De modo similar, o Papa Pio XII exorta os professores para que sejam verdadeiros “pais das almas” e não simples “propagadores de informações estéreis“. O professor, no exercício de sua função, representa a Cristo, Bom Pastor. Nosso Senhor confia ao professor um pequeno rebanho de estudantes para que possamos levá-los a Ele. O Mestre como que os diz: “Eu vos confio o cuidado destas almas. Eu as comprei por um preço caro, já que derramei todo meu sangue por cada uma delas. Quero que cuideis dessas crianças. Vossa missão como professor é levá-las ao Meu Coração.

O professor é pai. A ele também a Regra do santo monge de Núrsia exorta
A missão do professor implica, portanto, uma grande responsabilidade. “Devemos sempre lembrar que seremos responsabilizados no Dia do Julgamento pelo nosso ensino1  e “qualquer falta grave de bem em nossos alunos será considerada nossa culpa2 .Da mesma forma que um pai terá que dar conta das almas de seus filhos, um professor terá que dar conta das almas de seus alunos.

Quão assustador é perceber que podemos ir para o inferno por causa de nossos alunos! Contudo, “seremos inocentados no julgamento do Senhor se tivermos feito tudo o que estiver ao nosso alcance para vencer a corrupção e a desobediência de nossos alunos“.3. Só seremos, por isso, responsáveis ​​pela perda de nossos alunos se formos culpados de uma grave negligência. Negligência em dar-lhes mau exemplo, negligência em não lhes ensinar a verdade, em não defendê-la, em relativiza-la, em prestar um testemunho contrário ao de pai amoroso, preocupado antes de tudo com a salvação dos alunos.

Sejamos, então, fiéis à nossa missão
O professor deve ser um líder por suas palavras, seu exemplo e sua oração. É como São Bernardo descreve São Bento: ele estava alimentando seu rebanho “por sua doutrina, por toda a sua vida e por sua intercessão“. Nossas aulas têm que ser interessantes, enriquecedoras, inspiradoras e edificantes. Devemos trazer a vida do intelecto de nossos alunos.

Para isso, temos que viver o que pregamos, “para mostrar aos nossos alunos por ações mais do que por palavras o que é bom e santo4Para aqueles que entendem, podemos expor verbalmente as instruções do Senhor: mas para os teimosos e enfadonhos, devemos exibir os mandamentos Divinos por nossas ações em nossa vida cotidiana.”5 E, finalmente, devemos rezar pelos alunos, nossos filhos. Ajoelhar-nos diante do Sagrado Tabernáculo e implorar ao Bom Deus que tenha misericórdia deles, guie-os, conceda-lhes a graça de crescer nas virtudes, auxilie-os em suas dificuldades, por exemplo, para ajudar aquele que é infeliz ou para corrigir aquele que é desobediente.

Como professores, não devemos mostrar favoritismos aos alunos. Se devemos cuidar de alguém com mais diligência, deve ser primeiro a criança lenta, teimosa, cética e egoísta. Ele é aquele que precisa de atenção, ele é a ovelha perdida que temos que procurar. É realmente fácil amar o bonzinho, o gentil, aquele que obtém boas notas ou aquele que agrada seus professores. É difícil amar os outros, aqueles que não são tão atraentes em virtudes. Estes, temos que amá-los por amor a Jesus, vendo-o em todas essas almas.

São Bento exorta o professor a “misturar encorajamento com repreensão. Ele deve mostrar a severidade de um mestre e o amor e afeição de um pai. Ele deve reprovar o indisciplinado e indisciplinado com severidade, mas ele deve exortar o obediente e paciente para a sua própria melhoria6. Aqui vemos outro traço da Regra, que é o seu grande equilíbrio. Firmeza e justiça devem andar de mãos dadas. 

Os adolescentes são especialmente propensos ao desânimo. Precisamos conquistar seus corações. Se não houver confiança, teremos apenas disciplina exterior, mas não haverá motivação interior para o bem. Nosso Senhor não disse: “Eu sou o Mestre. Você tem que Me obedecer”. Ele disse: “Eis o Coração que tanto amou os homens”. Sobre isso, disse em determinada ocasião São João Bosco:

A natureza humana é propensa ao mal e às vezes deve ser tratada severamente. No entanto, a caridade deve estimular todas as nossas ações, pois, de fato, a inspiração de toda a minha vida, dos meus esforços e ideais sacerdotais tem sido o meu amor pelos pobres. Somos amigos de nossos meninos, assumimos o papel de seus pais, você obtém qualquer coisa de seus filhos se eles percebem que você está buscando o seu bem. Para ganhar sua confiança, aja para eles como um bom pai, que pune e verifica seus filhos apenas por um senso de dever, quando a razão e a justiça o exigem manifestamente

O professor “deve reconhecer a dificuldade de sua posição – de cuidar e orientar o desenvolvimento espiritual de muitos personagens diferentes. Um deve ser guiado pela amizade, outro por severas repreensões e outro pela persuasão“. Sim, temos em nossas turmas muitos caracteres diferentes, muitos temperamentos diferentes; um é um líder, o outro um seguidor; um é um gênio, outro é um aprendiz lento; essa moça é extrovertida e essa é tímida e quieta. Temos que nos adaptar e praticar paciência e compreensão. Santa Teresa do Menino Jesus, doutora da Igreja e congregada mariana, diz coisa semelhante

Disse, Madre querida, que instruindo os outros muito aprendi. Vi que todas as almas têm de travar, mais ou menos, os mesmos combates, mas são tão diferentes sob outros aspectos, que não tenho dificuldades em compreender o que dizia o padre Pichon: “Há muito mais diferenças entre as almas que entre os rostos”.

Por isso, é impossível agir da mesma maneira com todas. Com certas almas, sinto que devo fazer-me pequena, não recear diminuir-me, confessar meus combates, meus defeitos; vendo que tenho as mesmas fraquezas que elas, minhas irmãzinhas confessam por sua vez as faltas que pesam sobre elas e ficam satisfeitas por eu compreendê-las por experiência.

Com outras, é preciso agir com muita firmeza e nunca voltar ao que foi determinado. Diminuir-se não seria humildade, mas fraqueza. Deus deu-me a graça de não temer a guerra, preciso cumprir minha obrigação, custe o que custar.

Mais de uma vez, ouvi dizer: “Se quiserdes obter alguma coisa de mim, tem de ser pela doçura; pela força, não conseguireis nada”.  Sei que ninguém é bom juiz em causa própria e que uma criança em quem o médico faz um curativo doloroso não deixará de gritar e dizer que o remédio é pior que o mal. Contudo, fica boa alguns dias depois, feliz por poder brincar e correr. É assim com as almas, reconhecem logo que um pouco de amargo é, às vezes, preferível ao doce e não receiam admitir.

Ah! é a oração, é o sacrifício que fazem toda a minha força, são as armas invisíveis que Jesus me deu. Elas têm muito mais poder que as palavras para sensibilizar as almas, percebi isso mais de uma vez. Uma, entre todas, causou-me profunda e doce impressão.7

Não percamos de vista o que é essencial em nossa missão de educadores. “O professor deve sempre lembrar que sua tarefa é a orientação de almas (pelas quais ele será responsabilizado) e ele deve deixar de lado as coisas mundanas, transitórias e mesquinhas. E se ele reclama de bens terrestres menos abundantes, ele deve se lembrar: ‘Busque primeiro o reino de Deus e Sua justiça, e todas as coisas lhe serão dadas, pois nada é necessário para os que temem a Deus”8. Temos que ignorar as desvantagens materiais (por exemplo, salário baixo, más condições, pais difíceis, livros antigos, etc.) para ver a grandeza da nossa missão de educação católica.

São Bento termina este capítulo da Regra lembrando o professor numa escola católica de que “Ele será purificado do próprio vício ajudando os outros por admoestação e correção“. Ensinar é um “ars perficiens” , uma atividade que aperfeiçoa não apenas o aluno, mas o próprio professor. Ensinar nos torna pessoas melhores. Os professores obtêm uma grande recompensa já aqui embaixo e depois no céu.

São João Batista de la Salle, grande educador e congregado mariano, em uma de suas meditações para professores diz:

Que consolo para aqueles que buscaram a salvação dos outros ver no céu um grande número a quem eles ajudaram a alcançar tão grande felicidade! Isto acontecerá àqueles que ensinaram muitas verdades da religião, como o profeta Daniel disse: ‘Aqueles que instruem muitos na justiça cristã brilharão como estrelas por toda a eternidade’.

Eles brilharão, de fato, no meio daqueles que eles ensinaram, que eternamente darão testemunho da grande gratidão que eles têm pelas instruções valiosas de seus mestres, a quem eles considerarão como a causa, depois de Deus, de sua salvação.

Que alegria um professor terá quando ver um grande número de seus alunos na posse da felicidade eterna, pelo qual eles estão em dívida com ele pela graça de Jesus Cristo! Que partilha de alegria haverá entre o professor e seus discípulos no Céu! Que especial reunião entre eles na presença de Deus! Será uma grande celebração para eles, compartilhando as bênçãos para as quais o chamado de Deus lhes deu esperança, a riqueza da herança gloriosa que Deus lhes deu com todos os santos 9

São João Batista de La Salle
Que consolo para os professores que buscaram a salvação dos seus alunos ver no céu um grande número a quem eles ajudaram a alcançar tão grande felicidade! Eles brilharão, de fato, no meio daqueles que eles ensinaram!

Que Deus nos dê a graça de amar não apenas o estudo e o ensino, não apenas a prática de ensinar e de conviver com os alunos, mas de amar verdadeiramente nossos alunos, esforçando-nos para transformar o nosso trabalho de professores em um verdadeiro apostolado, preocupado antes das notas e das lições na alma dos alunos e em sua salvação – sem negligenciar a qualidade e o rigor do estudo, mas aperfeiçoando pelo jugo suave do Redentor.

Que Deus nos ajude a assumir esta responsabilidade, tão bem exortada na Regra de São Bento: “Saiba aquele que recebeu almas a dirigir que deve preparar-se para prestar contas delas

Baseado em conferência do Pe. Herve de la Tour em setembro de 1987

  1. Da Regra de S. Bento, cap. II
    lembre-se sempre o abade de que da sua doutrina e da obediência dos discípulos, de ambas essas coisas, será feita apreciação no tremendo juízo de Deus.  E saiba o Abade que é atribuído à culpa do pastor tudo aquilo que o Pai de família puder encontrar de menos no progresso das ovelhas. Em compensação, de outra maneira será, se a um rebanho irrequieto e desobediente tiver sido dispensada toda diligência do pastor e oferecido todo o empenho na cura de seu atos malsãos; absolvido então o pastor no juízo do Senhor, diga ao mesmo com o Profeta: “Não escondi vossa justiça em meu coração, manifestei vossa verdade e a vossa salvação; eles, porém, com desdém desprezaram-me”.
  2. Ibid.
  3. Ibid
  4. Da Regra de São Bento, cap. II
    Portanto, quando alguém recebe o nome de Abade, deve presidir a seus discípulos usando de uma dupla doutrina, isto é, apresente as coisas boas e santas, mais pelas ações do que pelas palavras, de modo que aos discípulos capazes de entendê-las proponha os mandamentos do Senhor por meio de palavras, e aos duros de coração e aos mais simples mostre os preceitos divinos pelas próprias ações.
  5. Da Regra de São Bento, cap. II
    Portanto, em sua doutrina deve sempre o Abade observar aquela fórmula do Apóstolo: “Repreende, exorta, admoesta”, isto é, temperando as ocasiões umas com as outras, os carinhos com os rigores, mostre a severidade de um mestre e o pio afeto de um pai, quer dizer: aos indisciplinados e inquietos deve repreender mais duramente, mas aos obedientes, mansos e pacientes, deve exortar a que progridam ainda mais
  6. Ibid.
  7. Santa Teresa do Menino Jesus em História de uma Alma, carta a Madre Maria de Gonzaga
  8. Da Regra de São Bento, cap. II
    E saiba que coisa difícil e árdua recebeu: reger as almas e servir aos temperamentos de muitos; a este com carinho, àquele, porém, com repreensões, a outro com persuasões segundo a maneira de ser ou a inteligência de cada um, de tal modo se conforme e se adapte a todos, que não somente não venha a sofrer perdas no rebanho que lhe foi confiado, mas também se alegre com o aumento da boa grei. Antes de tudo, que não trate com mais solicitude das coisas transitórias, terrenas e caducas, negligenciando ou tendo em pouco a salvação das almas que lhe foram confiadas, mas pense sempre que recebeu almas a dirigir, das quais deverá também prestar contas. E para que não venha, porventura, a alegar falta de recursos, lembrar-se-á do que esta escrito: “Buscai primeiro reino de Deus e sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo”; e ainda: “Nada falta aos que O temem”. E saiba que quem recebeu almas a dirigir, deve preparar-se para prestar contas.
  9. Meditação de S. João Batista de La Salle, n. 208, II Ponto

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