A samaritana e a oração
Lembremos do poço de Jacó, perto do qual Nosso Senhor Jesus Cristo esteve com uma samaritana, conforme o relato do evangelho de São João, Capítulo IV.
Nosso Senhor iniciou o diálogo pedindo à mulher Da mihi bibere – “Dá-me de beber”, tendo ela incomodado-se, porque não era costume um judeu dirigir-se a alguém da Samaria. Posteriormente, Nosso Senhor a disse: Si scires donum Dei, et quis est qui dicit tibi : Da mihi bibere, tu forsitan petisses ab eo, et dedisset tibi aquam vivam – “Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva“.
Ela então o questionou buscando saber de onde viria esta água viva e se o Homem que lhe falava era maior que seu pai Jacó. Logo depois, Nosso Senhor destacou que quem bebesse da água do poço de Jacó tornaria a ter sede, mas quem vier a beber da água que Ele der jamais a sentirá, porque haverá uma fonte de onde a água jorrará até a vida eterna.
Dentre tantos significados espirituais que podem ser extraídos desta passagem, é possível destacar uma ótima observação de S. Francisco de Sales no livro Filotéia, também conhecido como Introdução à Vida Devota. Para o Santo, a cisterna ou o poço de Jacó é uma figura do próprio Cristo1, ou seja, Ele é a própria fonte de água viva, desta água pura que pode nos saciar até a vida eterna.
Sendo Nosso Senhor a figura de um poço profundo, para alcançar a água que Ele, na figura da Samaritana, oferece aos homens, é necessário haver um esforço humano próprio, mediante o exercício das potências da alma.
Este esforço excedido pelos homens nada mais é do que a oração e a água viva fornecida de bom grado por Nosso Senhor pode ser vista como as graças alcançadas durante a oração, as consolações e verdades profundas, além da perseverança nos momentos finais de vida, para que se possa finalmente contemplar a face de Deus.
Segundo S. Francisco de Salles, a oração é “a água da graça, que lava a nossa alma de suas iniquidades, alivia os nossos corações, opressos pela sede das paixões e nutre as primeiras raízes que a virtude vai lançando, que são os bons desejos” 2
Por meio da oração, que é o modo mais eficaz de encontrar-se com Cristo, a alma põe-se a encher-se dEle e conforma a vida interior e exterior com a Sua.
Nosso Senhor é o poço de água viva que aguarda com instância beberem dEle, e que, após uma aproximação bem quista de nossa parte, faz com que possamos refletir acerca dos nossos pecados, erros e imperfeições. Assim ocorreu com a samaritana, que em determinado ponto do diálogo com Cristo revelou não ter marido, apesar de conviver com um homem, e assim o fez porque um pouco antes pediu a Nosso Senhor de coração aberto: Domine, da mihi hanc aquam, ut non sitiam, neque veniam huc haurire – “Senhor, dá-me desta água, para eu já não ter sede nem vir aqui tirá-la!”.
Com este exemplo é possível compreender a necessidade da oração, como bem expressa S. Francisco de Sales ao dizer que ela é o “meio mais eficaz de dissipar as trevas de erros e ignorância que obscurecem a nossa mente e de purificar o nosso coração de todos os seus afetos desordenados” 3.
Após esse diálogo tão profundo, a samaritana, como que abrindo os olhos, viu-O como profeta, acreditou ser Ele o Messias, e no mesmo instante dirigiu-se à cidade para revelar tão maravilhosas verdades.
Sendo assim, prossegue o Santo em dizer que precisamos nos unir com Nosso Senhor, pela meditação e demais orações, e notando as Suas palavras e ações, os Seus sentimentos e inclinações, ou seja, aceitando o Seu convite para Dar-lhe de beber, aprenderemos por fim, com a Sua graça, a falar com Ele, a agir com Ele, a julgar e amar como Ele.