Natividade da Virgem Santíssima, Aqueduto de Graças
“Nativitas tua, Dei Genitrix Virgo, gaudium annuntiavit universo mundo: ex te enim ortus est Sol justitiae, Christus Deus noster.”1
É no século VII que surge a festa da Natividade da Virgem. Dela temos menção no Sacramentário Gelasiano, livro que enumera as festividades da Igreja. O Papa Sérgio I (687-701) prescreveu para o dia de sua celebração uma procissão de rogações. No Oriente a festa era também conhecida, como vemos de dois Sermões de S. André de Creta (720). 2 Nove meses após comemorar a Imaculada Conceição no dia 8 de dezembro, a Igreja nos faz celebrar com júbilo a festa da Natividade de Nossa Senhora.
O nascimento de uma pessoa poderia render o sentimento de tristeza, por tratar-se de uma nova alma criada fora da graça de Deus, destinada às misérias das consequências do pecado. A natividade de Maria, única criatura privilegiada por tal graça, deve sim ser justamente comemorada, pois nasceu na graça de Deus e grande em virtude.
Argumentam os santos que Deus concede graças proporcionais à dignidade a que certa criatura se destina. Aos apóstolos, a graça para exercerem o apostolado inicial da Igreja. Nossa Senhora nasce destinada a ser a Mãe de Deus, por isso nasce enriquecida de graça maior que a dos anjos e dos santos unidos. Diz São Bernardino de Siena: “Quando alguém é eleito por Deus para um cargo, recebe não só as disposições necessárias, mas ainda os dons precisos para exercê-lo dignamente. Ora, em vista da escolha de Maria para Mãe de Deus, convinha certamente que o Senhor, desde o primeiro instante, a adornasse com uma graça imensa, superior em grau à de todos os outros homens e anjos. Pois tal graça tinha de corresponder à imensa e altíssima dignidade, à qual o Senhor a elevara.” e confirma Santo Tomás de Aquino: “A Santíssima Virgem foi escolhida para ser Mãe de Deus e para tanto o Altíssimo capacitou-a certamente com sua graça. Antes de ser Mãe foi Maria, por conseguinte, adornada de uma santidade tão perfeita, que a pôs à altura dessa grande dignidade.” São Bernardo conclui dizendo: “Não convinha a Deus outra Mãe que não Maria, e à Virgem Maria não convinha outro Filho senão Deus”.
A graça nela não caiu em gotas, como nos santos, mas totalmente nela (Ave Gratia Plena), assim como no velo de gedeão, que é figura de Nossa Senhora. Com Maria, nasceu novamente a esperança para o mundo perdido nas trevas do pecado. Por isso canta a Igreja com júbilo “A Vossa natividade, ó Maria, anunciou gozo ao mundo inteiro; porque de vós nasceu o Sol da justiça, que nos deu a vida eterna”.
Maria teve o uso da razão desde o primeiro instante de sua imaculada conceição
Desde o primeiro instante em que sua perfeita alma uniu-se ao seu corpo puríssimo, era mister que Nossa Senhora tivesse o uso pleno a razão, em vista do grande privilégio de ser Mãe de Deus e das graças recebidas de Deus, de modo que pudesse perfeitamente amar a Deus de toda sua alma, com todo o seu ser. Ornada dos mais altos graus das virtudes cristãs, eram esses privilégios concedidos por conta de sua Imaculada Conceição, uma vez que jamais tomou conhecimento do pecado.
A Virgem Santíssima não só teve pleno uso da razão desde sua imaculada conceição como também não teve a inclinação ao pecado, especialmente pelo fato de não ter tido o pecado de nossos pais, também não teve as consequências dele. Pode, por isso, inclinar-se sempre mais a Deus, amando-O sempre mais, a ponto de o Espírito Santo questionar-Se nos Cânticos dos Cânticos: “Quem é esta que sobe do deserto, inundando delícias, e firmada sobre o seu Amado?” (8, 5). Santo Ambrósio explica mais claramente esta passagem: “Maria, unida ao Verbo Divino, é como a videira que cresce apoiada em uma grande árvore.
O Aqueduto
Por tamanha graça recebida, Nossa Senhora é para os pecadores motivo de esperança e verdadeiro aqueduto das graças de Deus, como diz São Bernardo.
Quando aparecer Cristo, que é a vossa vida, então também vós aparecereis com ele na glória (Cl. 3, 4). De fato Cristo aniquilou-se a Si mesmo para se fazer para nós justiça, santificação e redenção. Esta fonte chegou até nós, suas águas deram a vida eterna àqueles que dela aproximaram-se. Esta fonte, porém, chegou-nos através do Aqueduto, que em abundância prorrompeu graças de sua plenitude, em uns mais, em outros menos. Este Aqueduto não deu a plenitude totalmente, mas deu da plenitude a todos. Continua São Bernardo:
“Se não me engano, já compreendes de que aqueduto pretendo falar: o aqueduto que, recebendo do coração do Pai a plenitude da própria fonte, nos deu essa mesma fonte, senão assim como ela é, ao menos na medida em que nós a podíamos receber. Afinal, sabeis a quem foi dito: Ave Gratia Plena (Lc. 1, 28). Portanto, podemos nos maravilhar se o aqueduto é tão grande e tão cheio que o seu cume toca os céus, como a escada que o patriarca Jacó viu em sonho (Gn. 28, 12), e até mais, se ultrapassa aos céus e chega à fonte luminosíssima das águas que estão por cima do firmamento (Gn. 1, 7)? Também Salomão se admirava e, quase sem esperar que tal criatura pudesse existir, dizia: Quem achará uma mulher forte (Pr. 31, 10)? Na verdade, precisamente porque ao gênero humano faltava o aqueduto tão desejado, do qual estamos falando, é que por tantos séculos lhe faltaram os rios de graça.”3
Alegrai-vos, ór Virgem Maria, pois a vossa natividade trouxe ao mundo o Sol da justiça, Cristo Nosso Senhor, que é nossa esperança.
Ó Maria, que sem mancha entrastes no mundo, obtende-me de Deus que eu possa sair dele sem pecado 4
Fontes:
Glórias de Maria, de Santo Afonso Maria de Ligório.
Sermões de São Bernardo para as festas de Nossa Senhora.