Do Egito a Canaã e a nossa vida espiritual – discurso para a festa de Natal de 2021

Há uma grande alegria sempre que estamos uma vez mais reunidos. Lembrando dos amigos presentes e especialmente da Luhana, é bonito ver como a Providência nos reuniu nesta família de Nossa Senhora.
Outro dia falava à Luhana que jamais imaginaria que aquela moça que conheci na Fundação Nokia seria um dia irmã de congregação e madrinha de uma filha minha.

Pensando um pouco em como Deus tudo provê, o Padre Rohrbacher – famoso por escrever a coleção Vida dos Santos – em uma outra obra sua sobre a História Universal da Igreja Católica (Histoire Universelle de l’Église Catholique), diz que a história deve reproduzir como um espelho a vida própria da Igreja e das sociedades temporais em épocas passadas.

Por outro lado, diz o padre Rohrbacher, esses eventos sociais cumprem-se pela Providência através da liberdade do homem. Deus e o homem, a Providência e a liberdade: tais são, pois, as duas causas de todo e qualquer evento. […] Deus Criador e soberano Senhor, deixa os povos e os indivíduos com o poder de seu próprio conselho, e entretanto nada aliena de sua soberania absoluta; Ele governa sem coagir.
Deus é o Senhor absoluto da história.

A ciência da história, registrando fielmente o passado, é um auxílio em nosso próprio tempo, assim como diz o adágio popular: “o homem sábio aprende com os erros alheios”. Mas não só com os erros alheios, o homem aprende principalmente com os exemplos alheios.

Por essas e outras razões é necessário o mínimo de conhecimento da História Sagrada, sendo esta também uma forma de conhecer mais a Deus na maneira como conduz a Igreja.

Aqui lembro-me especialmente de uma aula que tivemos neste ano difícil, de dificuldades pessoais e espirituais. Logo no início do ano, em fevereiro, tivemos uma aula bem marcante, que tratava sobre a passagem dos Hebreus do Egito a Canaã. Uma pessoa não congregada, assídua nas nossas aulas, me confidenciou que tinha sido a melhor aula que já vira na Congregação.

Vimos nessa aula um pouco da história dos hebreus pelo deserto, as figuras de Nosso Senhor e de Nossa Senhora ali presentes. Mas meditando um pouco mais no tema, é uma história que resume também a nossa própria história.

Depois de viverem como senhores no Egito pelos feitos de José, os israelitas logo passam a servos e escravos dos egípcios. Deus levantou Moisés para libertar o povo e, após os avisos, as pragas e os milagres, notavelmente a impressionante passagem do Mar Vermelho, os hebreus deixam o Egito em busca da Terra Prometida. Passaram, então, 40 anos vagando pelo deserto.

Entretanto, poucos meses após os judeus iniciarem a viagem pelo deserto, logo começaram a murmurar de fome e reclamar contra o próprio Deus que havia feito tantos milagres em favor deles. Assim também, para nossa vergonha, quantas vezes murmuramos das dificuldades que encontramos, muitas dessas dificuldades seriam até mesmo justas por causa das nossas faltas.

Deus, porém, é um Senhor misericordioso, ouviu as orações de Moisés e logo lhes concedeu o Maná que era o pequeno orvalho que caía pela noite e era recolhido pela manhã, do qual se fazia um pão de sabor muito agradável.

De uma certa forma, podemos pensar no Maná como a graça da Missa Tridentina em Manaus. Não tínhamos tantas esperanças para conseguirmos, parecia um objetivo fora do nosso alcance quando fundamos a Congregação Mariana, mas Deus, Senhor da História, já via o que poderia fazer em Manaus: os inúmeros batizados no Rito Tradicional, as Primeiras Comunhões, a Crisma na Catedral… e Ele nos deu essa graça.

Os judeus novamente no deserto, entretanto, tornaram a murmurar contra o Senhor que, por causa dessa nova ingratidão, enviou serpentes cujas picadas ardiam como fogo.

Podemos pensar na Pandemia, que sem dúvidas pela ingratidão e pecados dos homens de nosso tempo, veio como uma forma de punição. Nesse tempo ficamos separados, não tínhamos mais a Missa, perdemos pessoas queridas… Lembramos com carinho da dona Goretti, cuja falta sentimos constantemente. Lembramos também da dona Eldaíza, tão querida por nós e vista também como uma de nós, por sua presença constante.

E lembrando delas, do exemplo de fé e piedade que deram em vida, cremos que lutaram até o último instante sob a sombra da Imaculada. E assim como aqueles judeus que olhavam para a serpente de bronze erguida por Moisés no madeiro se salvaram, cremos que elas, que tantas vezes contemplaram a Deus erguido pelo sacerdote na Santa Missa tenham também conseguido a graça da perseverança final. Porque Deus ouve às orações dos que O chamam: “Clamábit ad me, et ego exáudiam eum: * cum ipso sum in tribulatióne: erípiam eum et glorificábo eum”.

Os hebreus seguiam pelo deserto e Deus os envia a coluna de nuvens para guiá-los de dia e de noite. Nós recorremos à Virgem, cujo trono está sobre a coluna de nuvem, para que nos auxilie nas trevas deste vale de lágrimas, a fim de que não pereçamos, mas confiemos até o fim.

Novamente os judeus, por duvidarem tantas vezes de Deus, não foram permitidos chegar à terra prometida. Apenas a geração seguinte chegaria até ela com vida. Apenas a geração mais nova. De certa forma os hebreus tiveram que se fazer mais novos, como crianças, para poderem chegar à terra prometida.

Na vida religiosa, o religioso tem de se fazer como criança a fim de entrar na Terra Prometida, na Casa de Deus. Diz Santo Afonso “feliz a vida é a do religioso, que vive junto ao Santíssimo Sacramento. Beati qui habitant in domo tua, Domine; in saecula saeculorum laudabunt te – “Bem-aventurados, Senhor, os que moram em tua casa; pelos séculos te louvarão”

Aí, continua Santo Afonso, pode entreter-se continuamente com seu Senhor, e aí Jesus se compraz em tratar familiarmente com seus amados servos, que Ele para este fim tirou do Egito, isto é, do mundo, para nesta vida lhes fazer companhia, escondido no Santíssimo Sacramento, e na outra, ser-lhes companheiro, mas então descoberto, no céu.

Que Deus abençoe os propósitos da Luhana e conceda a todos nós a firme confiança nEle e o verdadeiro amor à Virgem Santíssima, para assim deixarmos o deserto desta vida e chegarmos à Terra Prometida, a Jerusalém Celeste.

Salve Maria!
Jackson Leite Pereira, CM

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