Princípios de S. Luiz Gonzaga para obter a virtude da Humildade

São Luiz Gonzaga, aquele a quem o Papa Pio XI se referiu como modelo de perfeição cristã, foi ornado em mais alto grau nas virtudes e jamais soube o que é ofender a Deus gravemente. Dentre o resplendor de suas virtudes, ressalta-se sempre a pureza que cuidou com não pouco zelo durante toda a sua vida, mas a virtude da humildade que tinha fazia os mais doutos de seu tempo se surpreenderem.

Ainda novo, quando vivia na casa de seus pais na corte, apesar de ser nobre e príncipe do Sacro Império Romano Germânico, fazia esforço para usar as suas roupas mais velhas. Tratava a todos com mansidão e reverência, como se fosse o menor de todos. Cobria-se de vergonha sempre que lhe lembravam de sua nobreza e desejava que esta informação não fosse de conhecimento de todos.

Renunciou aos títulos, herança e bens do mundo para entregar-se totalmente a Deus sob o hábito religioso jesuíta. Quanto aos anos vividos no noviciado na Companhia de Jesus, muito tem a testemunhar seus amigos mais próximos e superiores: pedia esmolas com alegria pelas ruas de Roma, dava aos colegas até mesmo as vestes que recebia como esmola da mãe, desejando usar as velhas roupas remendadas. Se era admoestado pelos superiores, ouvia resignado e sem se defender, pois a arguição por si já demonstra a vaidade. Quando parado certa vez na rua por um conhecido que lhe pedia auxílio em uma causa particular, respondeu humildemente:

“Eu não sou mais que o irmão Luiz da Companhia de Jesus. O único auxílio que vos posso dar é pedir a Deus por vós, e aconselhar-vos que vades expor vossa necessidade a meu irmão.1

Outra vez ainda, o padre Luiz Corbinelli, com quem S. Luiz costumava trocar correspondências, caiu gravemente doente e estava à beira da morte. Pediu insistentemente ao enfermeiro que lhe fizesse trazer o jovem S. Luiz para que lhe viesse dar uma bênção, por ter o jovem como santo:

“Irmão Luiz, eu provavelmente morrerei sem vos tornar a ver, por isso quero pedir-vos uma graça que não me haveis de negar e é que antes de partirdes me deis a vossa bênção.”

Qual não foi a reação de S. Luiz Gonzaga a uma súplica tão indecorosa, mas piedosa? O jovem, ainda atônito pelo pedido, soube manter a virtude da humildade e não faltar ao pedido do padre e, traçando o sinal da cruz sobre si, disse:

Deus Nosso Senhor nos abençoe a ambos; e tomando água benta aspergiu o Padre dizendo: Meu Padre, Deus Nosso Senhor encha Vossa Reverência de sua santa graça, e de quanto deseja para sua glória. Peça por mim.2. Assim conseguiu descansar em paz o pobre sacerdote.

Além dos exemplos de sua vida, que falam muito mais que palavras, S. Luiz Gonzaga nos deixou ainda em escritos alguns princípios que ele mesmo aplicava e que aconselhava a quem desejasse cultivar a virtude da humildade:

«Primeiro princípio: és feito por Deus, e obrigado a caminhar para Ele, à título de criação, redenção, e vocação, do que deduzirás que deves guardar-te não só de qualquer má obra, mas também de qualquer obra ociosa e indiferente, e pelo contrário, trabalhar para que todas as tuas operações, quer interiores, quer exteriores, sejam virtuosas, afim, de caminhares sempre para Deus.

«Depois, para te regulares mais em particular no caminho de Deus, te compenetrarás de mais estes três princípios:

«O primeiro seja que pela vocação comum aos Religiosos da Companhia de Jesus, e pela tua particular, és chamado a seguir a bandeira de Cristo e de seus Santos, donde se segue que qualquer cargo, ofício, ou exercício, em tanto deves cuidar que é conforme à tua vocação, em tanto deves abraçá-lo ou evitá-lo, quanto for conforme ao exemplo de Cristo e de seus Santos; e para este fim procurarás  tornar-te familiares à vida e ações de Cristo, meditando-as, e as dos Santos, lendo-as com atenção e reflexão.

«O segundo, para regular teus afetos, seja que a tua vida será tão religiosa e espiritual, quanto no interior procurares reger-te secundum rationes aeternas, et non secundum temporales3, de modo que em tudo que amares ou desejares, ou de que te alegrares, assim como no que aborreceres ou detestares, sejas inspirado por motivo espiritual, persuadindo-te que nisto consiste o ser um espiritual.

«O terceiro princípio, que como os mais contínuos assaltos que te dá o demônio tem por origem a vaidade e o amor próprio, por ser este o lado fraco de tua alma, deves, por sua vez, empregar o maior e mais contínuo cuidado em resistir-lhe pela humildade e desprezo de ti mesmo, tanto interior, como exteriormente, e assim formarás para te empregares em adquirir esta virtude, algumas como regras de ofício particular, ensinadas por Deus Nosso Senhor, e confirmadas pela experiência.

Para exercitar-me na humildade

«O primeiro meio seja entender que, conquanto esta virtude convenha especialmente aos homens, pela baixeza que lhes é própria, todavia non oritur in terra nostra – não nasce de nós, antes é preciso pedi-la ao Céu, ab illo, a quo est omne datum optimum, et omne donum perfectum4. Por isso ainda que sejas soberbo, esforça-te por pedir o mais humildemente que puderes, a mesma virtude da humildade à infinita Majestade de Deus, como a seu primeiro e principal autor; e isto pela intercessão e pelos méritos da profunda humildade de Jesus Cristo, o qual, cum in forma Dei esset, exinanivit semetipsum, formam servi accipiens – sendo Deus, como que se aniquilou a Si mesmo, tomando a forma de servo.

«Segundo meio: recorre à intercessão dos Santos, que foram particularmente assinalados nesta virtude. Primeiramente cuidando que, assim como eles cá na terra foram dignos de alcançar particularmente e em tão alto grau esta virtude, assim lá no Céu, onde são mais aceitos a Deus, do que eram na terra, tanto mais dignos e merecedores serão de alcançá-la; e já que não têm mais necessidade de humilhar-se em suas pessoas, tendo já por este caminho, subido às magnificências do Céu, roga-lhes que hajam por bem agora impetrá-la de Deus para ti.

«Em segundo lugar cuida também que, aqui na terra, quem se assinalou numa profissão, procura naturalmente favorecer os que querem seguir a mesma carreira. Por exemplo: um grande capitão, na corte de um rei, procura especialmente proteger junto ao príncipe os que aspiram à milícia; um literato célebre, os que atendem às letras; e da mesma forma um distinto arquiteto ou matemático os que aspiram ou pretendem dedicar-se à arquitetura ou às matemáticas. Assim também no Céu, os que foram assinalados em uma virtude mais que nas outras particularmente favorecem e ajudam a adquiri-la aos que mais trabalham para obtê-la, e para este fim se valem de sua intercessão. Por isso te lembrarás de recorrer especialmente à Beatíssima Virgem Mãe de Deus, como a mais assinalada de todas as criaturas que foram insignes nesta virtude. Depois, entre os apóstolos: valer-te-ás de S. Pedro, que de si dizia: Exi a me, Domine, quia homo peccator sum: Senhor, afastai-vos de mim que sou um pecador; e de S. Paulo, que apesar de ter sido arrebatado ao terceiro céu, se tinha em tão baixo conceito, que dizia: Venit Jesus peccatores salvos facere, quorum primus ego sum: vem Jesus salvar aos pecadores, dos quais sou o primeiro. O primeiro destes dois pensamentos servir-te-á para entender quanto estes Santos podem com Deus para te alcançarem esta virtude. O segundo, não só quanto podem, mas quão prontos estão a fazê-lo.5

Por seus escritos, vemos o quanto S. Luiz Gonzaga tinha de amor pela humildade. Em outro escrito, também de seu próprio punho, ao qual intitulou de Afetos de Devoção, reforça os mesmos princípios:

«Os desejos que tens deves encomendá-los a Deus, não como estão em ti, mas como estão no Coração de Jesus; pois se são bons, primeiro estarão em Jesus, do que em ti, e serão, com afeto incomparavelmente maior, apresentados por Ele ao Eterno Padre, etc.

Tendo desejo de qualquer virtude, deves recorrer aos Santos que mais se assinalaram nela, verbi gratia6: para a humildade a S. Francisco, Santo Aleixo, etc. para a caridade a S. Pedro e S. Paulo, a Santa Maria Madalena, etc. Assim como quem quer de um príncipe da terra alcançar uma mercê tocante às armas mais facilmente a obtém recorrendo ao general da milícia e a seus coronéis, do que a alcançaria se se valesse do mordomo, ou de outros oficiais da casa real: assim, querendo impetrar de Deus a fortaleza devemos recorrer aos Mártires, querendo a penitência aos Confessores, et sic de singulis, e assim por diante.7

Por estes breves princípios de uma vida que cultivou as virtudes em grau heroico, podemos estabelecer bons propósitos que auxiliarão na formação da vida de piedade cristã. E por este seu próprio conselho, podemos hoje, para alcançar tão estimada virtude, recorrer a S. Luiz Gonzaga, que quis ser o menor dos servos da Companhia de Jesus, aquele mesmo servo que nem ao sacerdócio aspirou, por julgar-se pequeno demais para a dignidade sacerdotal.


 

  1. O irmão de S. Luiz Gonzaga havia herdado os títulos e heranças que seriam por direito dele, que era o filho mais velho do nobre de Castiglione
  2. Na noite anterior à sua morte, S. Luiz Gonzaga teve a graça de uma consolação, ao observar o céu e maravilhar-se contemplando os santos de Deus. Perguntado sobre o padre Luiz Corbinelli, àquela época já falecido havia certo tempo, respondeu que o padre passou somente pelo Purgatório.
  3. Segundo as máximas eternas e não segundo as temporais
  4. A partir de onde foi dada toda dádiva e todo dom perfeito
  5. Pe. Virgílio Cepari, S.J., São Luiz Gonzaga
  6. Graça do Verbo
  7. Pe. Virgílio Cepari, S.J., São Luiz Gonzaga

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