A Adoração do Sagrado Coração de Jesus
Nada é mais fundado na razão e conforme as doutrinas da Fé que a Adoração do Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Coração de Jesus é o que há de mais profundo na criação. É a parte mais nobre da natureza humana do Verbo que se fez Carne. Em nossa própria natureza física, o coração é tudo: Quando ele funciona de uma maneira irregular, a vida está em perigo quando deixa de bater, o homem deixa de viver. Da mesma maneira, na ordem moral: É pelo coração que queremos algo, é o coração que dá aos pensamentos, ações, intenções seu valor: bom ou mau. O bom é aquilo que é tirado do bom tesouro que está em seu coração1 e o que constitui mau são as más disposições do coração, pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias2.
Da mesma forma, enquanto os olhos do homem se fixam às aparências exteriores, Deus vê e sonda o coração3. Na linguagem de todos os povos, o coração sempre significa coragem, virtude e, especialmente, amor. Após a sepultura nos levar alguém querido, ainda cremos ter posse dele enquanto o guardamos no coração: Esta parte, separada do restante do corpo, parece-nos sempre essencial.
Que adoração não deveríamos ter ao Sagrado Coração de Jesus?! Fisicamente, Este Coração foi o principal órgão de Sua vida humana e divina. Este coração derramou, fastidiosamente, cada gota do Sacratíssimo Sangue Redentor. Emanou, e continuamente emana a cada dia as gotas do Cálice Eucarístico. E se o coração físico de Jesus já é digno de honra, quanto mais será se o considerarmos como a sede do seu amor, o princípio de suas inspirações?
Quando adoramos o Coração de Jesus, adoramos esta efusão de infinita caridade que levou o Verbo de Deus a se oferecer como vítima por nossa redenção. Quando adoramos este Coração, adoramos o amor que confinou a Deus por nove meses nas entranhas da Santíssima Virgem Maria, adoramos o amor que fez nascer Deus como um menino em Belém, o amor que O fez passar trinta anos oculto aos olhos do mundo na humilde casa de Nazaré, que O moveu ao deserto e por toda a Galiléia e Judeia, o amor que O fez suar sangue na solidão do horto, que O pregou na Cruz!
Adoramos, neste Sagrado Coração, o amor que mantém o Bom Jesus dia e noite em nossos altares, o amor que distribui as graças do Céu e do Sacrário e as difunde nos corações. Santa Maria Madalena cobriu os pés de Jesus com beijos e perfumes, mas foi Este Coração que fez estes pés saírem em busca da ovelha que se perdeu, da alma dos pobres pecadores. Os mais necessitados invocam o braço poderoso de Cristo, mas foi por Este Coração, apenas, que estes braços agiram.
Pareceria que nada mais poderia ser adicionado. Mas eis que, no dia de sua morte, após entregar seu espírito, Jesus nos dá mais um motivo – eloquentíssimo – para considerar seu amor. O que vemos? Vemos o lado de Jesus ser aberto e seu coração ser mostrado aos olhos da humanidade para ser por ela adorado e amado! Diz-nos Santo Agostinho:
Observai como São João foi consciente da linguagem que estava a usar. Suas palavras foram escritas com uma pena vigilante e reflectiva. O santo autor tomou cuidado de não dizer que a ponta da lança cortou ou feriu o lado de Jesus – estas palavras não diriam toda a verdade. São João nos diz: Um soldado abriu-lhe o lado, e dali saiu sangue e água4. Não apenas feriu-lhe, mas abriu-lhe o lado, para que a entrada para a vida, o portal da salvação, fosse de alguma maneira expresso nesse Divino Coração, fonte da Redenção, de onde fluíram todos os mistérios, todos os sacramentos da Igreja, sem os quais não teríamos acesso à verdadeira vida.5
Esta é, portanto, a primeira base da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Quem poderia permanecer frio e indiferente a Ele? Significaria não termos, nós mesmos,um coração.
Nossa razão pode ter sido má conduzida, enganada, corrompida de diversas maneiras. Nascemos e fomos criados em um século de trevas. Participamos em muitos erros do nosso tempo – e hoje, parece-nos, não conseguimos já combatê-los, mas os vivemos e apoiamos, como que sem força, sem coragem! Mas, apesar das nossas más inclinações, as seduções mundanas, os erros em nossa educação, nosso coração permanece a querer amar: O coração possui uma faculdade e uma necessidade de amar. Uma faculdade que jamais poderá ser expressa completamente em ação, uma necessidade que jamais encontrará à sua sede a saciedade, enquanto este amor não estiver direcionado ao seu Último Fim, Deus.
É por isso que Deus nos pede: Praebe, fili mi, cor tuum mihi: Meu filho, dá-me teu coração6. Quando afastamo-nos de Nosso Senhor, é como se perdêssemos nosso próprio coração e endurecêssemos nossa capacidade de amar. Por isso, declara o salmista: Cor meum dereliquit me: o meu coração me abandonou7. Por isso, diz-nos ainda o Divino Jesus: Agora voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes8. Voltemo-nos ao Sagrado Coração!
A Fé Católica é, verdadeiramente, a religião dos corações, e a veneração do Sagrado Coração de Jesus é o resumo substancial do Catolicismo. Aquele que habita em luz inacessível, querendo trazer para si a todos nós, fez-se homem e, sendo homem, abriu-nos o coração e no-lo deu. E nós, embora sejamos como poeira, formados a partir do barro, recebemos um coração capaz de amar e retribuir este amor. Neste Sagrado Coração, unem-se Criador e a Criatura, o Céu e a Terra, Coração e coração. Deus ergo nos apponentem Cor suum, venite adoremus: A Deus, na pessoa de Jesus Cristo, seu Filho, entregando-nos seu Coração, vinde adoremos9
Baseado na homilia do Cardeal Pie
no encerramento da Novena do Sagrado Coração (VI, 609-614)
Tradução e ampliação por um congregado mariano