A Comunhão espiritual

Nos escritos do Concílio de Trento sobre a Santíssima Eucaristia1, distinguem-se três modos de recepção do Sacramento da Comunhão: a) sacramental somente, feita pelos pecadores, a exemplo de Judas, que traz consigo a condenação de quem comunga; b) espiritual somente e; c) sacramental e espiritual, feita pelos que comungam da Sagrada Hóstia em estado de graça.

Segundo menciona o texto do Sagrado Concílio, a comunhão espiritual é feita por aqueles que, comendo em desejo aquele pão celeste que lhes é oferecido, com a fé viva “que opera pelo amor” [Gl 5,6], sentem seu fruto e utilidade.

A comunhão espiritual é, portanto, o meio usado por aqueles que, impossibilitados de receberem sacramentalmente o Corpo de Cristo, o fazem em espírito, apresentando um desejo de unirem-se a Deus, o Sumo Bem, pondo-se num estado favorável para tal.

São Leonardo de Porto Maurício2 exorta aos fiéis que esta santa e bendita comunhão espiritual, tão pouco praticada pelos cristãos de nossos dias, é um tesouro que cumula a alma de bens incalculáveis; […] é de tal modo eficaz que pode produzir as mesmas graças que a comunhão sacramental, e maiores ainda.

Obviamente que a comunhão sacramental é maior que a exclusivamente espiritual. Primeiro porque aquela contém esta e, segundo, porque a comunhão sacramental age ex opere operato3. Contudo, ainda nos dizeres de São Leonardo, é possível que uma alma faça a comunhão espiritual com tanta humildade, amor e fervor, que não obteria outra, comungando sacramentalmente, mas com disposição menos perfeita.

São Tomás4 explica que é possível haver a comunhão espiritual separada da sacramental, tendo em vista que na recepção do sacramento há dois elementos: o sacramento em si e o seu efeito, sendo a maneira perfeita de recebê-lo aquela pela qual colhemos os efeitos.

Porquanto, assim como há o batismo de desejo, pelo qual a pessoa alcança a graça do Batismo sem a matéria da água, apenas tendo a vontade de ser Filho da Igreja, assim também é possível comungar espiritualmente, antes de receber a Comunhão sacramental ou na ausência desta.

Destaca o Doutor Angélico não ser inútil receber a comunhão sacramental, porque induz um efeito mais pleno do sacramento o recebê-lo realmente do que somente pelo desejo.

Por isso, não se pode deixar de receber sacramentalmente a Santíssima Eucaristia, se está dentro das condições para tal, sob uma ideia de fazer somente comunhões espirituais, tanto que Santo Afonso de Ligório5 e São Leonardo exortam para que se faça a comunhão espiritual durante a comunhão do sacerdote na Missa, a fim de melhor preparar-se para a comunhão sacramental que logo se dará.

De fato, a comunhão espiritual pode servir para aumentar substancialmente a proximidade da alma com Deus, já que pode ser feita muitas vezes ao dia, diferentemente da sacramental6, e principalmente em circunstâncias em que não é possível ter acesso à Hóstia Sagrada, por exemplo, por ausência de padres, crises, perseguições etc.

O meio de fazê-la se dá pelo recolhimento e pela formulação de atos de sincera contrição, reconhecendo-se indigno de tão grande graça, fazendo atos de amor, humildade e tudo o mais que se costuma fazer em uma comunhão sacramental. O modo é propriamente desejar ardentemente e vivamente receber o adorável Jesus, oculto no Santíssimo Sacramento. Complementa Santo Afonso:

Procura fazer com frequência a comunhão espiritual; tanto mais que ela é também um meio valiosíssimo para dispor a alma a fazer com mais fruto a comunhão sacramental. Por isso, nas tuas visitas ao Santíssimo Sacramento, na tua oração mental, em cada missa que ouvires, no momento da comunhão do celebrante, faze a comunhão espiritual.

Faze então um ato de fé, crendo firmemente que na Eucaristia está o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Jesus Cristo, tão vivo como está no céu. Faze também um ato de amor, unido ao arrependimento dos teus pecados; e em seguida um ato de desejo, convidando Jesus Cristo a entrar em tua alma a fim de a fazer toda sua. Agradece-lhe, afinal, como se já o tivesses recebido. — Para que essas comunhões espirituais te sejam mais proveitosas, une-as àquelas que fizeram todos os santos e em particular a tua querida Mãe Maria. Quantos frutos colherás desta forma para tua alma! Representa-te que cada uma de tuas comunhões será uma pedra preciosa que ornará a tua coroa no céu.

A comunhão espiritual abrasa a alma no amor de Deus, une-a a Ele, e dispõe-a a receber as graças insignes, comenta ainda S. Leonardo. Quantas vezes for feita, outras tantas seremos enriquecidos de graças e méritos.

 

Oração de Comunhão Espiritual

Creio ó meu Jesus, que estais presente no Santíssimo Sacramento. Amo-vos sobre todas as coisas e desejo-vos possuir em minha alma. Mas como agora não posso receber-vos sacramentalmente, vinde espiritualmente ao meu coração. E, como se já vos tivesse recebido, uno-me inteiramente a vós; não consintais que de vós me aparte.

 

  1. Concílio de Trento. XIII Sessão, Cap. 8. Denzinger, n. 1648
  2. PORTO-MAURÍCIO, S. Leonardo de. As Excelências de Santa Missa. Conforme a edição romana de 1737 dedicada a S.S. o Papa Clemente XII. P. 53.
  3. A Graça de Deus age não por dependência das disposições de quem recebe, mas por promessa e poder de Deus
  4. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica., parte III, Tratado do Verbo Encarnado, O Sacramento da Eucaristia, Questão 80, Art. 1
  5. LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 144-146)
  6. A comunhão pode ser tradicionalmente feita uma vez ao dia

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