As Parábolas de Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo no decorrer de sua vida pública escolheu em alguns momentos falar às multidões em parábolas. Em um episódio específico, relatado no capítulo XIII do Evangelho de S. Mateus, Cristo, ao olhar a multidão que Lhe procurava, dirigiu-se a uma barca ancorada à beira do Mar da Galileia, e nessa oportunidade proferiu uma série delas, por meio das quais muito foi dito acerca do Reino de Deus e da salvação dos homens.

 

Mas o que são parábolas?

A parábola é uma narração relevante cujo teor sempre está dentro dos limites da probabilidade, ou seja, os fatos narrados são passíveis de acontecer nos meios naturais. O conteúdo textual das parábolas necessariamente aponta para verdades espirituais ou morais.

Elas diferem de uma simples metáfora, porque esta não é uma narração, mas uma expressão ou um pequeno número de palavras. Diferem das fábulas porque estas são produzidas com fatos irreais ou extraordinários, enquanto que as parábolas sempre estão, como dito, dentro dos limites de probabilidade. Diferem dos mitos, pois eles não contém pontos de doutrina espiritual e moral, mas fatos extraordinários que aproximam as pessoas da simples admiração.

Não se trata também de um provérbio, porque este, apesar da mensagem, é uma pequena frase muitas vezes com rima própria. Por fim, não é propriamente uma alegoria, apesar de se assemelhar a ela, pois a parábola está mais próxima de uma verdade natural, enquanto que a alegoria pode aproximar-se da fábula ou mito.

Portanto, as parábolas são como gêneros textuais independentes, estando sua etimologia filiada ao conceito de comparação e aproximação. Logo, a intenção do uso desta narrativa necessariamente vincula-se à transmissão de uma mensagem que vai além do texto, ou seja, mediante o uso de analogia.

 

Por que Nosso Senhor falava em parábolas?

Esta é uma pergunta bastante relevante, pois o próprio Cristo foi questionado por seus discípulos do porquê falava em parábolas às multidões1. Em resposta, Nosso Senhor disse:

“Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. 12. Ao que tem, se lhe dará e terá em abundância, mas ao que não tem será tirado até mesmo o que tem. 13. Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam. 14. Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis, 15. porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare (Is 6,9s)” (S. Mateus, XIII, 11-15)

Considerando palavras tão duras de Nosso Senhor Jesus Cristo, como que atestando a existência de um número de pessoas que não deveriam ouvir as suas verdades, consideremos o que segue.

A razão para que Cristo falasse em parábolas às multidões primeiramente filia-se ao fato de que muitos dos que estavam no meio dela não estavam preparados para receber a doutrina evangélica, ou seja, de forma análoga, não era possível dar alimento sólido a quem estava na fase inicial do leite materno.

Ademais, quando Nosso Senhor menciona aqueles aos quais não é dado compreender os mistérios do Reino de Deus, tratavam-se em sua maioria dos escribas e fariseus, ou outras classes elevadas dos judeus, que não desejavam acreditar nas verdades eternas proferidas por Cristo. Estes eram os que, por escolha própria, não possuíam ouvidos para ouvir2, aqueles que, segundo o profeta Isaías, taparam seus ouvidos e fecharam os olhos. Os ouvidos e olhos mencionados no evangelho representam a alma, a qual, quando cerrada pelos prazeres mundanos, perde a aptidão de elevar-se e compreender as palavras profundas de Cristo.

Para esses não valeria a pena entregar as verdades celestes, pois seria como dar pérolas aos porcos, algo que iria de encontro a um ensinamento de Cristo dado aos apóstolos eventos antes3.

Ao proferir seus ensinamentos em parábolas, Nosso Senhor também livrava-se por mais tempo da ação incisiva destes que O viam como falso profeta, entregando menos motivos para o crescimento de opositores. Sua vida pública, logo, tornava-se um pouco mais longa, a fim de que cumprisse tudo o que era necessário.

A verdade é que Nosso Senhor desejava que todos compreendessem suas parábolas, assim como deseja que todos os homens se salvem, porém conhece os corações humanos, cheios de luxúria, orgulho e inveja, nos quais não há espaço para as revelações divinas, mesmo após pregações tão eloquentes e milagres tão latentes.

A capacidade de receber a palavra divina não se obtinha (nem se obtém) por poder próprio, mas humildemente pedindo a Deus. Aqui estava a diferença entre os escribas e fariseus dos apóstolos de Nosso Senhor. Estes desejavam ardentemente conhecer a verdade e, por isso, tinham um presente de Deus, porque para eles Cristo falava às claras, explicando o significado de algumas parábolas, como fez com a do Semeador. Deste ponto retira-se uma ótima conclusão espiritual, de que Nosso Senhor, nas palavras do evangelho, dará em abundância aos que têm coração puro e aberto à verdade, e tirará dos que não tem zelo pela salvação, ou seja, aos que desejam aprender de Cristo muito será dado, mas aos corações de pedra, não há qualquer sabedoria terrena sem humildade que os deixe ganhar benesses do Reino dos Céus.

Além disso, as parábolas tendem a tornar a instrução de Cristo mais concreta, admirável e didática, por se tratarem de histórias simples e coesas, que podem muito bem ser analisadas pelo homem médio de maneira a se extrair as virtudes necessárias. Seria como, parafraseando o velho ditado, não dar o peixe, mas ensinar a pescar, já que é preciso um esforço mental próprio para se angariar o extrato espiritual de cada narração. Logo, aquele que examina e medita debruçando-se sobre os citados textos, tira mais proveito do que se tivesse recebido as mensagens espirituais diretamente.

É por isso que São Beda declarou que “Não somente as coisas que Nosso Senhor disse, mas também as coisas que Ele fez eram parábolas”. Porque há em Cristo um desejo de nos fazer buscá-lO, buscar aquele que é chamado no livro do Profeta Isaías de Deus que se oculta ou escondido – Deus absconditus4. Suas ações e falas aproximam-se de mistérios, pois não se revelam inteiramente no próprio ato. Elas podem ser, analogicamente, “ruminadas”, ou seja, mediante o esforço da oração mental, delas pode-se extrair um substrato espiritual que vai além da interpretação literal do texto.

Por fim, Nosso Senhor apresentou-nos que as realidades e fatos da nossa vida comum podem ser empregadas para elevar nossas mentes às coisas divinas e espirituais. Cristo utilizando-se de relatos naturais, muitas vezes relacionados ao trabalho humano, santificou os atos da vida comum e nos demonstrou o valor existente nas pequenas ações diárias, das quais também é possível arrecadar valores elevados e exercer a prática de virtudes.

 

O que, então, concluir?

Sabe-se que tudo o que Deus faz é perfeito, por isso, o ato de Nosso Senhor Jesus Cristo dirigir-se às multidões proferindo parábolas não foi em vão. Ora para resguardar alguns, ora para livrar-se de outros, Cristo escolheu proferir estas narrativas, de qualquer modo, em prol do Seu principal objetivo, a salvação de nossas almas.

Ao utilizar-se de narrações que ao mesmo tempo contém atos da vida comum e, por outro lado, exalam verdades espirituais elevadas, demonstrou-nos quão valorosos podem ser nossos próprios atos, os quais devem humildemente honrar a Nosso Senhor.

O estudo das parábolas serve, ainda, como uma escola para o exercício da meditação, de modo que Deus, na Sua infinita grandeza, deseja que o procuremos mediante a oração por excelência.

 

Fontes:

REV. A. J. MAAS, S. J., The Life of Jesus Christ. 1891.

The Great Commentary of Cornelius à Lapide. 1889. Trad.: Thomas W. Mossman.

 

  1. S. Mateus, XIII, 10
  2. Aqui fazendo menção a como Nosso Senhor encerrava a narração de algumas de suas parábolas quando dizia “Quem tem ouvidos para ouvir ouça” (S. Mateus XIII, 9)
  3. S. Mateus, XII, 6
  4. Isaías, XLV, 15

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