A circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo

Passados oito dias após o nascimento do abençoado bebê, ele foi levado ao templo para ser circuncidado, conforme a lei de Moisés. Dois grandes mistérios são realizados neste dia. O primeiro é o de Seu santo nome, por meio somente do qual a salvação deve ser obtida, que neste dia manifestou-se ao mundo; e nosso abençoado Senhor e Salvador tornou público e passou a ser chamado pelo nome de Jesus; este nome havia sido dado por Seu Pai desde a eternidade, e pelo Santo Anjo antes de sua concepção. E eles chamaram seu nome Jesus; que é um Salvador. Qual nome, como diz o apóstolo, está acima de todos os nomes. Pois não há outro nome no céu dado aos homens em quem devemos ser salvos. (Atos IV). O segundo é, que neste dia nosso Senhor Jesus iniciou a derramar seu precioso sangue por nossa causa. Tão zeloso foi para iniciar cedo o sofrimento por nós, que aquele que não conheceu pecado assumiu este dia para suportar a dor disso por nós.

Aqui deixemos que a ternura nos leve a compadecer-se dele: deixemos pelo menos algumas poucas lágrimas com ele, que neste dia derramou muitos por nós. Pois, em dias solenes, nos regozijamos com a nossa salvação comprada pelos seus mistérios; todavia, devemos igualmente conceber uma dor interior e compaixão, pela angústia e dor suportadas por ele. Sabemos quantas foram as aflições que ele sofreu para enfrentar a grande pobreza, penúria e angústia que sofreu no momento de seu sagrado nascimento. Mas dentre todas essas coisas esta sua circuncisão.

Nós dissemos antes, que neste dia ele começou a derramar seu sangue sagrado para nós, e de fato de uma maneira mais severa; pois sua carne tenra foi cruelmente separada por um instrumento de pedra sem corte e sem bordas. Que piedade, então, não deveria nos mover, em relação a ele e à sua santa Mãe? Que lágrimas então o tenro menino Jesus não derramou com a incrível dor que sofreu na incisão de sua carne sagrada; porque a dele era realmente assim e tão sensível à dor quanto a qualquer mortal puro. E podemos razoavelmente imaginar então, que sua mãe sagrada, quando ela viu seu amado filho em lágrimas, poderia conter-se delas? Não, podemos supor que, como um pai apaixonado, ela sempre o acompanhou em todas as suas aflições; de modo que sua ternura de coração se derreteu agora com tristeza ao vê-lo chorar, ela mesma irrompeu em lágrimas e chorou amargamente.

Da mesma forma, podemos imaginar que mais afetado com a tristeza de sua mãe do que a dele, o santo bebê, deitado no colo dela, acenou com as mãozinhas para os lábios, as bochechas e os olhos de Sua Mãe, para secar aquelas gotas preciosas, e pedir a ela que parasse de derramar-lhes, lutando ao mesmo tempo, para esconder o excesso de sua própria tortura para mitigar a dela. Mas ela, ah! foi muito afetada com seu sofrimento para não derramar lágrimas por ele. No entanto, a sabedoria divina dentro dela, suprindo a falta de fala nele, permitiu-lhe conhecer o seu prazer, antes que ele tivesse palavras para pronunciá-lo; daí, percebendo que o sofrimento dela aumentava sua dor, muitas vezes ela tentava suprimi-lo e, com sinais de tranquilidade forçada, esforçava-se para consolá-lo; ainda muitas vezes ela iria suspirar e com lágrimas proibidas, pronto para fluir em seus olhos, e esperando como se estivessem em um estado de violência para irromper, assim frequentemente ela se dirigia a ele com cumprimentos do mais terno amor: “Aguente, linda criança! Como pode a sua mãe amorosa ver aqueles olhos queridos e deixar de chorar?” Por isso, o abençoado bebê, em compaixão para com sua santa Mãe, moderou seus soluços e evitou o choro, e ela, com a ternura da Mãe, limpou os seus olhos sagrados, inclinou o rosto para o dele e apertou com cuidado e ternura as faces abençoadas dele; e estudou, entretanto, o meio mais provável de acalmar sua dor e o acalentou.

Dessa maneira, ela se comportava assim enquanto ele chorava, de modo que podemos razoavelmente acreditar que ele costumava fazer diante por compor a natureza de uma criança. Primeiro, mostrar a fraqueza miserável e a miséria da condição do homem, cuja natureza ele realmente assumira. E, em segundo lugar, esconder-se do diabo, para que ainda não o conhecesse como Deus: por isso, a santa igreja aludindo a ele em parte de seu serviço, canta: “A criança tenra, como ele está na manjedoura fria treme e chora “.

A partir de então, a circuncisão da carne foi abolida, e sua obrigação cessou, o batismo sendo instituído em seu lugar, que é um sacramento de graça mais extensa, e menos repugnante à natureza, como sendo vazio de dor. E, ainda assim, gentil leitor, a prática da circuncisão espiritual ainda deve permanecer em vigor, que consiste em nos despojar de tudo o que é supérfluo e abraçar a verdadeira pobreza de espírito. Ele, e ele somente, é na verdade espiritualmente circuncidado, que é verdadeiramente pobre. Isto, diz São Bernardo, o apóstolo nos diz em poucas palavras, Tendo comida e vestuário nos deixemos contentes com isso (1 Tim. VI). Em uma palavra, nossa circuncisão espiritual deve aparecer em todos os nossos sentidos. Vamos então mostrar que somos de fato circuncidados espiritualmente, renunciando, tanto quanto nossa natureza admitir, o uso da visão, da audição, do gosto, do toque, mas acima de tudo, da nossa fala. Muita conversa é um grande vício, odioso para Deus e para o homem, e sempre atendeu com consequências fatais. Devemos, portanto, nos mostrar circuncidados na fala: falando raramente, e nunca com um bom propósito: falar muito é um sinal seguro de leviandade. Pelo contrário, silêncio é uma virtude nobre, e não sem grande razão, especialmente recomendada a pessoas religiosas.

Concernente a este assunto São Bernardo diz: “É verdadeiramente qualificado para falar, quem primeiro aprendeu a ficar em silêncio, pois o silêncio é a única natureza adequada da fala.” E, novamente, em outro lugar: “É sempre a propensão de julgamentos fracos serem gerados nas imprudências da fala, pois as concepções precipitadas de uma fantasia leve são sempre tão prontamente entregues por uma língua desenfreada”.

Extraído do Livro “Life of Our Lord and Savior Jesus Christ” de São Boaventura, pg. 51-54

Tradução e adaptação por um congregado mariano.

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