O Itinerário da Semana Santa na Liturgia Romana Tradicional – Sexta-Feira da Paixão

Para acompanhar os artigos anteriores desta série:

II Domingo da Paixão ou de Ramos

Segunda-feira Santa

Terça-feira Santa

Quarta-feira Santa

Quinta-feira Santa

Estação: Igreja da Santa Cruz de Jerusalém em Roma.
Fontes da Liturgia: I Leitura, Oseias: 6, 1-6; I Tracto, Habacuque: 3; II Leitura, Êxodo: 12, 1-11; II Tracto, Salmo 139, 2-10 e 14; Evangelho, Paixão de Nosso Senhor segundo S. João, 18: 1-40, 19: 1-42.

Hoje a Igreja de Roma conclama os fieis a se reunirem na estação da Igreja da Santa Cruz de Jerusalém, cujo nome e relíquias ali guardadas indicam o grande Sacrifício consumado para salvação da humanidade. Sendo um dia de luto universal, os sacerdotes usam paramentos pretos.

Os livros litúrgicos chamam este dia de Feria sexta in Parasceve. Parasceve é uma palavra grega que quer dizer preparação. Em conformidade com os costumes judeus, este termo era aplicado a todas as sextas do ano, porque na sexta era preparado todo o necessário para não se violar a lei do Sábado. A Igreja Latina faz uso deste termo, Feria sexta in Parasceve, para designar o dia em que Nosso Senhor foi crucificado, pois neste dia Ele terminou o trabalho para o qual veio ao mundo. Este é, de fato, o dia santo, o dia no qual os fieis são estimulados a meditar nos mistérios da Paixão de seu divino Redentor. Não há melhor forma de meditar a não ser a leitura do relato da Paixão de Nosso Senhor no evangelho de S. João e, na companhia do discípulo amado, seguir Nosso Senhor passo a passo, do pretório e por toda a Via Crucis até o Calvário.

Na manhã da Sexta-feira Santa, o templo apresenta uma cena de grande desolação. O altar está desnudado, as velas e lâmpadas apagadas, a porta do tabernáculo vazio aberta e a cruz coberta com um véu preto. O sacerdote e os ministro sagrados vestidos de preto, prostram-se ao chão diante dos degraus do altar e rezam em silêncio, enquanto o restante dos acólitos se ajoelham e fazem uma inclinação profunda.

Este ofício consiste de quatro partes: As leituras que de certa forma fazem uma alusão à Missa dos Catecúmeno; as Orações por todas as classes da Igreja e até por aqueles de fora da Igreja: hereges, judeus, pagãos; A adoração da Santa Cruz e por fim a Missa dos Pré-santificados.

Para as leituras na parte inicial, temos duas passagens do Antigo Testamento, seguidos de Tractos. Após a primeira das leituras, uma coleta é recitada. Na primeira leitura uma passagem do profeta Oséias nos mostra a misericórdia de nosso divino Senhor diante das nações pagãs. Os judeus, porque não entenderam estas disposições, foram rejeitados. Deus não iria mais aceitar seus sacrifícios. A passagem do profeta Habacuque, que é a fonte do texto do tracto, anuncia a segunda vinda de Cristo em glória e majestade. A coleta mostra o contraste entre a divina justiça na punição de Judas e a misericórdia diante do ladrão penitente. Ela pede a todos os católicos as graças unidas ao mistério da Paixão.

A segunda leitura relata das prescrições dadas por Deus aos israelitas a respeito da celebração da Páscoa e da consumação do Cordeiro Pascal. Esta vítima é apenas um símbolo, uma imagem do verdadeiro Deus que será imolado na Cruz e que se tornará comida para as almas cristãs até o fim dos tempos. O Tracto, tirado do salmo CXXXIX, é um choro de aflição e angústia do Messias a seu Eterno Pai, quando Se encontra nas mãos de seus perseguidores. No relato da Paixão de Nosso Senhor segundo S. João, o discípulo amado nos inspira a alma com os sentimentos de emoção com as quais ele mesmo estava compenetrado enquanto via seu Divino Mestre, a Vítima da nossa Salvação, expirar sobre a Cruz. O canto da Paixão é feito de acordo com os ritos observados no Domingo de Ramos.

As Orações Solenes podem ser precedidas por uma breve exortação do sacerdote a respeito do que é pedido em cada uma delas. O padre, então, canta o Oremus, e o diácono responde com o flectamus genua, no que todos os presentes de ajoelham e permanecem até que o subdiácono responda o Levate. Estas petições são feitas na seguinte ordem: pela Igreja, pelo soberano Pontífice, pelos bispos, padres, clero e ordens, pelos confessores, virgens e viúvas, em uma palavra, por todos os cristãos; depois uma oração especial é feita pelos catecúmenos, para livrá-los dos erros, da doença e de outras calamidades, etc. Depis a Igreja volta sua atenção aos hereges, cismáticos, os pérfidos judeus e os pagãos. Esta pública e detalhada súplica é oferecida apenas na Sexta-feira Santa e nos recorda que Nosso Senhor morreu para remissão de todos, embora nem todos aceitem seu Sacrifício. Na oração pelos judeus o padre não diz o flectamus genua, em memória ao horror cometido pelos judeus e pela humilhação feita a Nosso Senhor, ao zombarem chamando-O de Rei dos Judeus1.

A cerimônia mais impressionante do ofício da Sexta-feira Santa é a Adoração da Santa Cruz. Como sabemos, após a noite de sábado antes do primeiro domingo da paixão, todas as cruzes e imagens foram cobertas. Na sexta-feira santa, entretanto, após as orações das quais falamos, o crucifixo do altar, coberto de véu preto, é oferecido pelo diácono ao sacerdote, que o descobre gradualmente; primeiro tornando o topo do crucifixo visível, depois o braço direito e por fim toda a cruz. Em cada um desses momentos, o padre eleva o crucifixo, a caminho do centro do altar, e canta as seguintes palavras: Ecce lignum crucis, eis o lenho da cruz, elevando a voz cada uma das vezes. Os sagrados ministros, então, respondem: In quo in quo salus mundi pependit. Todos respondem, exceto o sacerdote: Venite, adoremus.

Esta cerimônia, realizada em Jerusalém desde o século IV, após o encontro da verdadeira cruz por S. Helena, nos lembra da gradual glorificação da cruz de Cristo. O sacerdote, então, em um gesto de profundo respeito pela cruz, retira os sapatos e junto aos ministros sagrados ajoelham-se três vezes diante da cruz caminhando até ela e leh beija os pés; os demais ministros fazem o mesmo em seguida. Após todos os assistentes no altar o fazerem, o sacerdore recoloca os sapatos e apresenta o crucifixo para adoração dos fiéis.

Durante a adoração da Santa Cruz, uma série de antífonas são cantadas. Essas antífonas são chamadas de Impropérios e já tratamos delas em um artigo que pode ser conferido aqui. A cerimônia é concluída com um hino de honra à santa Cruz. O diácono, tendo recebido a cruz do sacerdote, coloca-a sobre o altar. Os fiéis devem manter uma atitude de recolhimento e oração, contemplando com amor, arrependimento sincero e veneração ao sagrado Lenho que Nosso Senhor designou para ser crucificado, lembrando-se que seus pecados são causa dos sofrimentos e ignomínias que Nosso Senhor sofreu até sua morte.

A adoração é seguida da procissão do altar do repouso, trazendo de volta o Santíssimo Sacramento que foi consagrado no dia anterior. A procissão acontece em silêncio, mas no seu retorno do altar de repouso, é entoado o canto Vexilla Regis no lugar do alegre Pange Lingua, que a Igreja considera como inadequado para o dia de hoje.

A Igreja chama a última parte das cerimônias de Missa dos Pré-santificados. Não é uma Missa, falando estritamente, pois não há consagração. As hóstias consumidas neste dia foram consagradas no dia anterior, na Missa da Quinta-feira Santa. Após o retorno da procissão do altar de repouso, a Sagrada Hóstia é colocada sobre o altar. O sacerdote O incensa e prepara vinho e água no cálice, mas não o consagra. Após isso, o sacerdote recita o Pai Nosso e a oração Libera nos, e após uma oração de preparação para a comunhão, ele diz o Domine non sum dignus. Ele então comunga do Santíssimo Sacramento apenas na espécie do pão, toma as abluções e se retira.

A Igreja ordena que nenhuma Missa seja celebrada neste dia, pois ela está de tal modo absorvida pelo pensamento do grande e terrível Sacrifício oferecido neste dia no Calvário, que ela cessa de renovar sobre seus altares a imolação da divina Vítima, contentando-se em tomar parte do grande mistério através da Comunhão.

 

Tradução e adaptação por um congregado mariano.


Fontes: The Liturgy of the Roman Missal – Dom Leduc e Dom Baudot O.S.B

The Rites of the Holy Week – Pe. Frederick R. McManus

The Mass, A Study of the Roman Liturgy – Pe. Adrian Fortescue

The Liturgical Year – D. Prosper Gueranger

  1. Isto, assim como a palavra pérfidos judeus, foi alterado após a reforma da Semana Santa, feita pelo Papa Pio XII em 1955.

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