A Dignidade Sacerdotal

São João Crisóstomo, partindo do duplo ministério sobre o corpo sacramental e místico de Cristo, afirma a alta dignidade do sacerdócio católico. Comparando o culto do Novo Testamento ao do Antigo, afirma com as palavras de São Paulo: “O que havia de glorioso, aparece despojado de toda a glória, em presença de uma glória mais eminente”1. Como nem aos Anjos fora dado o poder das chaves, neste sentido de perdoar os pecados2, então a dignidade e a honra dos sacerdotes supera até mesmo a  dos Anjos3. E como Nosso Senhor vinculou os sacramentos do Batismo e da Eucaristia à salvação, conclui o Santo Doutor que os sacerdotes, pelos quais ordinariamente recebemos estes sacramentos são necessários à salvação das almas4.

O sacerdócio está essencialmente ordenado ao sacrifício. O sacrifício consiste numa vítima oferecida a Deus, a fim de homenagear a sua soberana majestade, aplacar a sua justiça e restituir a amizade entre Deus e o povo. O sacrifício e o próprio sacerdócio são tanto mais perfeitos quanto mais o sacerdote está unido a Deus e ao povo, e quanto mais o valor da vítima é proporcional à majestade divina. Ora, o sacerdócio de Cristo é perfeitíssimo, por causa de sua perfeita união com Deus, sendo o Verbo Eterno; com a vítima, que é Ele mesmo; e com o povo, pela união hipostática das naturezas humana e divina na Pessoa do Verbo Encarnado. O sacerdócio católico, por causa do carácter sacramental e da graça sacramental da ordem é uma participação no único sacerdócio perfeitíssimo de Cristo, de modo que ambos produzem idênticos efeitos nas funções sacerdotais5. Disto decorre a perfeição, a dignidade e a santidade do sacerdócio católico.


O CARÁTER SACERDOTAL

O carácter sacerdotal é uma virtude instrumental, uma participação indelével no sacerdócio de Cristo, pela qual o sacerdote realiza validamente suas funções sacerdotais6. O sacerdote é o ministro estabelecido pelo próprio Deus como embaixador público de toda a Igreja junto a Ele, a fim de honrá-lo e obter de sua bondade as graças necessárias a todos os fiéis. Assim, a dignidade sacerdotal é a mais alta dignidade da terra7.

Sem os sacerdotes, o maior sacrifício que a Igreja poderia oferecer a Deus seria o da vida de todos os homens, dado que o homem é a criatura mais nobre sobre a terra. Ainda assim, este sacrifício teria um valor finito, porque a vítima seria um conjunto de seres finitos. Portanto, este sacrifício não corresponderia à majestade infinita de Deus. Mesmo que fosse possível à Igreja oferecer a Deus o sacrifício da vida de todos os Anjos, também este sacrifício teria valor finito, por se tratarem de criaturas, seres finitos por definição. Assim, a dignidade sacerdotal excede todas as dignidades criadas, no céu e na terra; e nem os justos da Igreja Militante, nem as santas almas da Igreja Padecente e nem mesmo os beatos da Igreja Triunfante poderiam prestar um culto de valor infinito a Deus, como faz o simples sacerdote que celebra a Santa Missa8. O sacerdote desempenha verdadeiramente o ofício de Salvador. Por isso, como atesta Santo Afonso, os sacerdotes são muitas vezes chamados de deuses9.

A GRAÇA SACRAMENTAL SACERDOTAL

A graça sacerdotal, recebida como efeito do sacramento da ordem, não é uma nova graça santificante, um hábito novo, mas uma modalidade da mesma graça santificante, pela qual o sacerdote realiza santa e cada vez mais santamente suas funções sacerdotais; e dá direito moral de receber graças atuais correlatas10.

A graça sacerdotal, dentre outras disposições, dispõe à contemplação. Ora, “da plenitude da contemplação derivam a doutrina sagrada e a pregação” (AQUINO, p. II-II, q. 188, a. 6). Compreende-se, então, porque são precisamente os sacerdotes chamados à pregação da palavra divina e à atividade apostólica11. As obras de apostolado do sacerdote são frutos da graça sacerdotal: “Não descuides da graça que recebeste, porque quem recebe a graça não deve ser negligente com ela, senão que deve frutificar com ela”12. Fá-la frutificar, o sacerdote, sobretudo pelos sacramentos.

Ora, a dignidade do sacerdote também se mede pelo poder que ele exerce sobre o corpo real e o corpo místico de Cristo. Conforme Santo Afonso, quanto ao corpo real, quando o sacerdote consagra, o próprio Verbo Encarnado se obrigou a obedecer-lhe, vindo às suas mãos, sob as espécies sacramentais. Quanto ao corpo místico, tem o sacerdote o poder das chaves, podendo livrar do inferno o pecador, tornando-o digno do Paraíso e, de escravo do demônio, fazê-lo filho de Deus. Assim, o juízo de Deus está na sentença do sacerdote. Ele tem, portanto, uma dignidade infinita13.

  1. II Coríntios III,10
  2. cf. São Mateus XVIII,18; São João XX,23
  3. cf. Os seis livros do sacerdócio, 2015, p. 42-43
  4. cf. CRISÓSTOMO, 2015, p. 44
  5. cf. GARRIGOU-LAGRANGE, 1962, p. 51
  6. cf. GARRIGOU-LAGRANGE, 1962, p. 49-50
  7. cf. LIGÓRIO, 2014, p. 22-23
  8. cf. LIGÓRIO, 2014, p. 22-23
  9. cf. A selva, 2014, p. 28-30
  10. cf. GARRIGOU-LAGRANGE, 1962, p. 44-46
  11. cf. GARRIGOU-LAGRANGE, 1962, p. 173-174
  12. I Timóteo IV,14
  13. cf. A selva, 2014, p. 24-25

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