Exame Geral e Particular

Os exames constituem um dos elementos principais da espiritualidade inaciana que nutre as Congregações Marianas. Nas três revisões das Regras Comuns, sempre se punha como um dos deveres do congregado mariano a realização diária do exame, preferencialmente conforme o método de Santo Inácio. Os exames, junto ao tesouro espiritual, e a meditação são poderosas armas de que se mune a alma para o avanço na vida espiritual, a contínua conversão e a guarda do coração.

A eficácia dos exames está, sobretudo, no modo como auxilia a alma a, mantendo vigilância sobre as ações do dia, adquirir cada vez mais um conhecimento de si mesma, conhecimento tão necessário para a vida espiritual. Estamos frequentemente em perigo de esquecer ou mesmo estar em completa ignorância das áreas de nossa vida em que precisamos nos emendar. Os exames particular e geral são, por isso, diagnósticos espirituais, que nos ajudam a observar e ter atenção aos nossos defeitos e progredir na correção deles.

A distinção entre exame particular e geral é feita por Santo Inácio na primeira semana dos Exercícios Espirituais. De forma simplificada, o exame geral analisa todas as ações moralmente significantes do dia, tanto quanto se pode lembrar delas, enquanto o exame particular foca a atenção em uma falta em particular com a qual se tem especial dificuldade e a virtude oposta a ela que estamos tentando cultivar.

Santo Inácio indica a realização do Exame Particular três vezes por dia: Uma pela manhã, outra após o almoço e outra após o jantar. O Exame Geral, por outro lado, é melhor se feito antes de dormir.

 

Exame Particular

O exame particular, como dito, consiste na vigilância de um defeito em particular, normalmente o defeito dominante, e na busca da prática da virtude oposta – pois a prática da virtude oposta a um defeito é a melhor maneira de evitar esse defeito.

 

Método

  1. Todos os dias de manhã, após as orações da manhã, propor evitar algum defeito particular, ou falta em que mais costume cair; – ou praticar alguma virtude determinada, que mais deseje alcançar.
  2. À tarde (ao meio dia, idealmente), após agradecer a Deus pelos benefícios recebidos e pedir as luzes para conhecer o próprio pecado, discorrendo por todas as horas do dia até aquele momento, fazer o primeiro exame, examinando e apontando o número de vezes que caiu no defeito que quer evitar (ou o número de atos que praticou da virtude que deseja alcançar) e propor emenda (ou maior fervor) até o próximo exame;
  3. À noite, antes de deitar-se, fazer o segundo exame, do mesmo modo que o do meio dia, apontando também o número das faltas cometidas ou dos atos de virtude praticados.

 

Para o melhor aproveitamento desse exame, Santo Inácio faz quatro adições

  1. Pelo dia, cada vez que cair naquele pecado ou defeito particular, arrepender-se logo dessa falta (ainda que não fosse senão pondo a mão no peito) e ir notando o número dessas faltas, ou dos atos de virtude praticados.
  2. Comparar o exame da manhã com o da tarde e ver se há emenda do defeito ou progresso na virtude.
  3. Comparar do mesmo modo os exames de um dia com os do outro.
  4. Comparar uma semana com outra, um mês com outro, a ver se há emenda ou progresso.

 

Como anotar o exame

Santo Inácio recomenda uma forma simples e discreta de se anotar os exames, que consiste em duas linhas para cada dia da semana, uma para cada exame. Faz-se, na linha correspondente, um simples pontinho sempre que se incorre naquele defeito particular ou pecado. Deve-se guardar para comparação futura.

 

O primeiro G, em maiúsculo, refere-se ao domingo. Os demais a cada dia da semana, de segunda a sábado

Exame Geral

O exame geral, por sua vez, é um exame de consciência de todas as ações do dia que tenham relevância para a vida espiritual. Na espiritualidade das congregações marianas, é elemento essencial da Oração da Noite e deve ser feito todos os dias antes de dormir.

Tomando por objeto de exame os dez mandamentos e os preceitos da Igreja e as disposições dos Superiores, no caso dos Congregados Marianos, a regra de vida, tudo o que se põe em prática contra alguma destas três partes, ou se as negligencia, conforme a sua maior ou menor importância e gravidade, será maior ou menor falta ou pecado. O exame percorre, ainda que brevemente, em cada um desses pontos.

 

Método

  1. Agradecer os benefícios recebidos
    Meu Deus, meu Pai e meu Criador, eu vos adoro, louvo e reverencio e vos dou infinitas graças por me terdes criado, feito cristão e cumulado de benefícios.
  2. Pedir luz para conhecer os próprios pecados e graça para os aborrecer e detestar
    Ó Divino Espirito Santo, dignai-vos conceder-me luz para conhe- cer os meus pecados, negligências e defeitos, e graça efi- caz para me arrepender e emendar deles.
  3. Examinar as ofensas feitas a Deus, por pensamentos, palavras e obras desde o último exame até a hora presente, respondendo ao seguinte interrogatório
    Como cumpri os deveres para com Deus? Fiz a oração da manhã?  Estive presente com a devida reverência interior e exterior, a todos os atos religiosos? Ofereci a Deus as minhas ações e tive reta intenção em todas elas, ou procedi por amor próprio, vaidade ou paixão? Que devoções particulares tenho eu e como as rezei?Cumpri todos os meus deveres para com o próximo? Obedeci com amor, respeito e submissão aos superiores?  Fui cordial com os iguais?   Fui diligente? Mostrei-me altivo, falto de caridade, desprezador ou demasiado exigente com os inferiores?  Fui justo, leal e sincero com todos?  Faltei à verdade, murmurei, ou fiz juízos temerários do próximo?Como cumpri os deveres para comigo?  Consenti em maus pensamentos, pronunciei más palavras ou violei de algum modo a castidade? Andei com más companhias, fiz leituras perigosas?  Deixei-me vencer pelo respeito humano?  Cumpri as obrigações do meu estado ou condição?
  4. Fazer um ato de contrição das faltas cometidas, incluindo nele as mais graves da vida passada.
    Que teria sido de mim, ó meu Deus, se me tivesseis castigado, como eu merecia? Quanto me pesam as minhas culpas, que tão grandes castigos provocariam! E como fui louco em renunciar à felicidade eterna da bem- aventurança pela mesquinha satisfação de um pecado, que ainda neste mundo me aviltou e encheu de remorsos! E ofender-vos eu, a Vós! eu, tão miserável, tão ingrato, tão cheio de graças e dons, a Vós, meu Criador, meu Redentor, infinitamente bom e amável, a própria santidade e amor!?
  5. Propor a emenda com a graça divina
    Ó Jesus, eu vos amo de todo o meu coração, arrependo-me sinceramente de vos ter ofendido e prometo com a vossa graça esforçar-me para nunca mais vos tornar a ofender. Antes a morte, Senhor, antes todos os trabalhos do mundo, porque tudo passa e a eternidade não acaba porque o pecado é um mal maior que o inferno; porque não há, nem pode haver, compensação para a perda de um bem infinito, qual é o Céu; porque o pecado vos ofende e desgosta, meu Deus, meu Pai e Criador, beleza e amabilidade infinitas
  6. Prometer evitar alguma falta mais particular ou alguma ocasião de pecado e terminar com um Pai Nosso.

 

Exame de Prevenção

Para diminuir o número dos próprios pecados muito ajuda também prever na oração da manhã os perigos e ocasiões do pecado em que, segundo o costume, se poderá encontrar; e propor logo o modo de evitar as ofensas a Deus. Falta prevenida, visto não nos colher de surpresa, mais facilmente se evita.

As resoluções mais proveitosas e mais práticas da meditação são as que previnem as impaciências, murmurações, encontros perigosos, etc. que podem ocorrer durante o dia.

 

Exame das Obras Ordinárias

Muito aproveita igualmente examinar as principais ações do dia, logo depois de as ter praticado, vendo se as ofereceu a Deus ou as fez com reta intenção, se durante elas levantou o pensamento a Deus, se trabalhou com empenho, etc. Para este exame, não há propriamente um método, basta elevar o pensamento a Deus e refletir por alguns instantes nas obras feitas.

 

Conhece-te a ti mesmo

Diz São Clemente de Alexandria: “Parece, pois, que o mais importante de todos os conhecimentos é o conhecimento de si próprio, pois quando alguém conhece a si próprio, ele há de chegar ao conhecimento de Deus“. Conhecer-se é necessário para dominar-se. Aquele que negligencia o conhecimento de seus defeitos e fraquezas dominantes, bem como das virtudes mais praticadas, dificilmente terá progresso na prática das virtudes, no triunfo sobre as más inclinações e no amor a Deus.

Diz-nos São Bernando em seu Sermão sobre o Conhecimento e a Ignorância

Eu, quando olho para mim mesmo, fico imerso em amargura; logo, porém, que alço a vista para o auxílio da misericórdia divina, suaviza-se meu amargor com a alegria da visão de Deus e Lhe digo: “Minha alma está conturbada interiormente, por isso me lembro de Ti” (Sl 42,7).

Basta um pouco de conhecimento de Deus para experimentar que Ele é piedoso e solícito, pois, na verdade, Ele é um Deus de bondade e misericórdia, que perdoa a maldade (Joel 2,13); Sua natureza é a bondade e é próprio dEle perdoar e ter misericórdia sempre.

Deus se dá a conhecer nesta experiência e desta maneira salutar, a partir do momento em que o homem se reconheça indigente e clame ao Senhor; e Ele o ouvirá e dir-lhe-á: “Eu te libertarei e tu Me glorificarás” (Sl 50,15).

Assim, o conhecimento próprio é um passo para o conhecimento de Deus. Vê-lO-ás em Sua imagem, que em ti se forma, na medida em que tu, desarmado pela humildade, com confiança, irás refletindo a glória do Senhor e, levado pelo Espírito de Deus, de claridade em claridade, irás te transformando nessa imagem.

Reparai, pois, como ambos conhecimentos são necessários para a salvação, de tal modo que não pode faltar nenhum dos dois. Pois, se desconheces a ti mesmo, não terás temor de Deus em ti, nem humildade. Por acaso pensas que podes alcançar a salvação sem temor de Deus e sem humildade?

 

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