O Itinerário da Semana Santa na Liturgia Romana Tradicional – Sábado Santo

Para acompanhar os artigos anteriores desta série:

II Domingo da Paixão ou de Ramos

Segunda-feira Santa

Terça-feira Santa

Quarta-feira Santa

Quinta-feira Santa

Sexta-feira da Paixão

Ofício de Trevas

 

Estação: Basílica de S. João de Latrão.

A designação de ‘santo’ e ‘grande’ que é aplicada aos demais dias da Semana Santa são ainda mais convenientes a este Sábado. ‘O que é a cabeça para o restante do corpo’, diz S. João Crisóstomo, ‘o Sábado é para os demais dias da Semana Santa. Se esses dias são chamados grandes e santos, quando mais não deve ser o Sábado’. Neste dia lembramos do descanso de Nosso Senhor no sepulcro após ter completado a obra de nossa redenção. É santo, porque neste dia a obra da santificação da humanidade recebia de Deus sua perfeição total; por isso que no início da Igreja um número de recém-convertidos era regenerado neste dia nas águas do Batismo.

Nos primeiros séculos da Igreja, não se celebrava Missa neste dia, pelo mesmo motivo que não se celebra Missa na Sexta-feira Santa. Na noite deste dia o Sacramento do Batismo era administrado a adultos, em uma cerimônia que os fiéis acompanhavam como testemunhas. Próximo do horário da Ressurreição, isto é, nas primeiras horas do Domingo, a Missa era celebrada em honra deste grande mistério. Hoje em dia, esta é a Missa que celebramos na noite do Sábado, por isso é de se notar a alegria pascal que vemos nesta Missa. A partir do século XI no ocidente, tornou-se costume antecipar os ritos para a noite de sábado. A solene administração do batismo permanece como o ponto central de todo o ofício litúrgico neste dia. Devemos levar em conta este importante detalhe para entendermos todas as cerimônias que ocorrem no Sábado Santo.

Estas cerimônias são: A bênção do fogo novo e dos grãos de incenso, a bênção do círio pascal, as leituras dos profetas, a bênção da fonte batismal e a solene administração do batismo, além da Santa Missa, seguida do cântico das vésperas.

A estação para o Sábado Santo é a Igreja de S. João de Latrão,a basílica matropolitana de Roma. Esta basílica está repleta de preciosas relíquias do século IV. O batismo era conferido ali a adultos no batistério de Constantino e a ordenação sacerdotal conferida durante a Missa dava mais esplendor a este dia de maior solenidade litúrgica de todo o ano.

O rito do Sábado Santo inicia com a bênção do fogo novo. Na Igreja primitiva era costume preparar fogo para as lamparinas antes da oração das vésperas e o fogo era guardado até as vésperas do dia seguinte. Em Roma se preparava este fogo na Quinta-feira Santa, mas a partir do século IX este fogo passou a ser obtido no próprio Sábado, sendo esta a origem desta cerimônia.

Há sentido simbólico indicado nas orações da bênção do fogo. Jesus é a pedra angular e ao mesmo tempo a luz do mundo. Ele permanece obscuro no Sepulcro, mas ressurgindo dos mortos irá a pedra e resplandecer em brilho diante dos olhos dos homens, dissipando a escuridão vinda do pecado. Este fogo não só era usado para iluminar as igrejas, mas os fieis também o levavam para casa como testemunho da ressurreição. Por esta figura se entendia que o apagar de todas as luzes era uma figura da revogação da Antiga Lei e o acender do fogo novo representava a proclamação da Nova Lei, dada a nós por Jesus Cristo, luz do mundo.

Os grãos de incenso, que são abençoados junto com o fogo novo, representam o perfume que S. Maria Madalena e a outra mulher santa prepararam para o embalsamento do sagrado Corpo de Nosso Senhor. O Círio Pascal, usado durante todo o período pascal, é uma figura de Nosso Senhor Jesus Cristo que aparece sobre a terra após sua gloriosa Ressurreição. Nas palavras das orações seguintes, ele é o pilar de fogo que guiou os judeus no deserto e os auxiliou a escapar da escravidão do Egito. Então o círio pascal recebe os cinco cravos abençoados em formato de cruz. Esses cravos representam as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao fixar os cravos, o sacerdote diz:

Christus heri et hodie

Principium et finis

Alpha

Et Omega

Ipsius sunt tempora

Et saecula

Ipsi gloria et imperium

Per universa aeternitatis saecula. Amen.

Per sua sancta vulnera

Gloriosa

Custodiat

Et conservet nos

Christus Dominus. Amen.

Cristo ontem e hoje

Princípio e fim

Alfa

E Ômega

A Ele o tempo

E a eternidade

A glória e o poder

Pelos séculos dos séculos. Amém.

Por suas santas chagas

gloriosas

Custodie-nos

E nos conserve

Cristo Senhor. Amen.

Ao acender o círio, o sacerdote diz: Lumen Christi gloriose resurgentis Dissipet tenebras cordis et mentis.

 

Então entra-se com o círio aceso na igreja, parando-se três vezes, quando o sacerdote diz ‘Lumen Christi’, quando todos se ajoelham e respondem ‘Deo Gratias’. Então o diácono, após receber a bênção do sacerdote, vai ao local onde se canta o Evangelho e inicia o solene tom do sagrado canto chamado Praeconium paschale, Exsultet ou Benedictio cerei.

Exsultet

No rito da Semana Santa antes da reforma de Pio XII em 1955, o Exsultet era interrompido em determinada parte, quando o diácono acendia o Círio Pascal. Este momento representava exatamente o momento da Ressurreição de Nosso Senhor, quando a luz dá vida ao corpo. Em uma outra pausa no canto, as luzes da igreja eram então acesas, para demonstrar que o conhecimento da Ressurreição de Cristo não foi comunicado no mesmo momento a todos os homens, mas gradualmente.

O canto do Exsultet é seguido das leituras tiradas dos profetas. Para realçar a atenção para a doutrina dos profetas, uma oração é feita após cada uma das leituras. Para algumas delas, um cântico do antigo testamento é adicionado após a oração. Para ouvi-lo, veja AQUI.

Leituras

A primeira das leituras (Gen. 1: 1-31 e 2: 1-2)  fala da criação, do mover do Espírito sobre as águas, da separação da luz e da escuridão e do homem sendo criado à imagem e semelhança de Deus. O demônio degenerou a criação com o pecado, mas chegou o momento de Deus restaurar de forma mais maravilhosa a criação: o Espírito fará a regeneração pelas águas do Batismo; Cristo, nossa luz, ressurge da escuridão do sepulcro; a imagem de Deus será refletida no homem, redimido pelo Sangue do Redentor. A segunda leitura (Ex. 14: 24-31; 15: 1) narra a história da passagem do Mar Vermelho, quando o povo de Deus escapa do Faraó, que tem seus exércitos afogados no mar. Os catecúmenos, por outro lado, serão lavados pela pela água do batismo, onde seus pecados serão para sempre afogados; após a oração, segue o cântico de Moisés entoado pelos hebreus em comemoração à sua libertação. Na terceira leitura (Is. 4: 2-6), o profeta Isaías narra as promessas de Deus ao povo escolhido. A morada de luz e descanso aqui prometida é a Igreja. Após a terceira leitura, segue o cântico de Isaías 5: 1-2. Na quarta leitura (Deut. 31: 22-30), a Igreja ensina aos catecúmenos sobre a obrigação que estão prestes a ter diante de Deus. A graça da regeneração não será concedida a eles até que façam a solene promessa renunciando a satanás, suas pombas e suas obras. No antigo rito da Semana Santa, eram realizadas doze leituras e respectivos cânticos nesse momento. Entretanto, novamente na reforma da Semana Santa de 1955, as leituras foram reduzidas para estas quatro. Esta reforma da Semana Santa foi promulgada pelo Papa Pio XII, mas elaborada por Aníbal Bugnini, o mesmo autor do Missal de Paulo VI. A audácia em solicitar a reforma da Semana Santa já mostrava os planos em realizar uma mudança da Missa para uma nova Lex Credendi.

Batismo

Após as leituras, inicia-se o cântico da Ladainha de Todos os Santos.

A ladainha é interrompida para a realização dos batizados e a renovação das promessas batismais por parte de todos os fiéis. Uma procissão é realizada pelos clérigos e pelos catecúmenos ocm seus respectivos padrinhos até o batistério. Ali o sacerdote realiza a bênção da água lustral com o círio pascal. O sacerdote invoca a ação do Espírito Santo, então faz três sinais da cruz com o círio na água, simbolizando o batismo de Nosso Senhor no rio Jordão. Ele sopra sobre as águas no formato da letra grega ¥, a primeira letra da palavra grega para espírito. Este ato simboliza a união do poder do Espírito Santo com a virtude de Nosso Senhor para santificar a água. O diácono asperge o povo com essa água, que pode ser conservada para a bênção de casas e demais atos litúrgicos. A água lustral é usada também nos batizados, unida aos óleos sagrados abençoados na Quinta-feira Santa. Enquanto os fiéis são aspergidos, lembram-se de seus prórprios batismo, no momento em que estão prestes a faer a renovação das promessas batismais. Após a aspersão e renovação das promessas, a ladainha de todos os santos continua a partir do Kyrie Eleison. Logo após, o sacerdote troca os paramentos roxos pelos brancos e inicia a Missa.

Missa

Na Missa da Vigília Pascal, o Introito é omitido, pois marca a ida do sacerdote ao altar; neste dia, não é necessário, pois o celebrante já se encontra diante do altar. Nesta Missa, todas as partes cantadas estão repletas do milagre da Ressurreição de Cristo. A Coleta fala da alegre noite que testemunhou a ressurreição e pede que todos os batizados obtenham a graça de uma perfeita renovação. A Epístola descreve, nos termos de S. Paulo, a ressurreição das almas após a morte, que é a pena do pecado. O Evangelho segundo S. Matheus descreve o momento em que as santas mulheres foram ao Sepulcro na manhã do domingo. A Secreta oferece a Deus nesta alegre noite a Vítima Pascal que ganhou para nós a feliz eternidade. Não há antífona de Ofertório nem de Comunhão e a Pós-Comunhão é ao mesmo tempo a oração deVésperas.

Coleta

Deus, qui hanc sacratissimam noctem gloria Dominicae Resurrectionis illustras: conserva in nova familiae progeniae adoptionis spiritum, quem dedisti; ut corpore et mente renovati, puram tibi exhibeant servitutem. Per eundem D. N.
Ó Deus, que iluminais esta santíssima noite com a glória da Ressurreição do Senhor, conservai nos novos filhos de vossa família o Espírito de adoção que lhe destes, a fim de que, renovados de corpo e espírito, Vos sirvam com a devida pureza de coração. Pelo mesmo J. C.

 

Epístola (Col. 3: 1-4)

Alleluia (Salmo 117, 1)

Evangelho (S. Matheus, 28:1-7)

Secreta

Suscipe, quaesumus, Domine, preces populi tui, cum oblationibus hostiarum: ut paschalibus initiata mysteriis, ad aeternitatis nobis medelam, te operante, proficiant. Per D. N.
Recebei, Senhor, as preces de vosso povo com a oblação deste Sacrifício, para que os Mistérios pascais agora começados, por vossa ação nos sirvam de remédio para a eternidade.

 

Durante o canto de Gloria in Excelsis, todos os sinos, silenciados após a Quinta-feira Santa, são tocados. Após a Epístola, o Alleluia é cantado três vezes pelo celebrante e três vezes pelo coro, cada momento em um tom maior, demonstrando a crescente alegria.

A grande alegria da Igreja encontra sua expressão no Alleluia repetido duas vezes após o Ite Missa Est e será continuado por toda a oitava pascal.

 

Tradução e adaptação por um congregado mariano.


Fontes: The Liturgy of the Roman Missal – Dom Leduc e Dom Baudot O.S.B

The Rites of the Holy Week – Pe. Frederick R. McManus

The Mass, A Study of the Roman Liturgy – Pe. Adrian Fortescue

The Liturgical Year – D. Prosper Gueranger

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