A Ciência moderna não existiria sem a Igreja
Quando se analisam os fundamentos do Cristianismo, torna-se muito claro que é uma religião singular, diferente das outras, já que se baseia, além da fé, na razão. A Igreja Católica apresenta um Deus que é o Logos (Verbo, razão) incarnado, o qual se comunica com o gênero humano. Por isso, assumindo o Cristianismo como a única religião racional, a relação entre Igreja e Ciência tende a ser naturalmente harmoniosa. A presença de certos elementos de verdade, que podem ser encontrados em muitas das demais religiões, não é suficiente, sendo necessário um modo de ver essa verdade que culmine no seu desenvolvimento, onde esteja presente: a convicção de um mundo criado por um Deus bom, racional e livre, a defesa filosófica de que a razão humana é capaz de conhecer as coisas e comunicar esse conhecimento e a concepção linear do tempo. Esse modo de ver a verdade é próprio da doutrina católica.
A tese da influência e importância da Igreja para o desenvolvimento científico foi brilhantemente apresentada e defendida por Stanley Jaki (1924-2009), astrofísico e sacerdote, que afirmava que em outras culturas, ainda que houvessem surgido elementos e princípios importantes para o início da Ciência, esse processo não foi adiante exatamente devido à ausência dos componentes culturais do Cristianismo. Segundo padre Jaki, nas sete grandes culturas mundiais (Arábica, Babilônica, Chinesa, Egípcia, Grega, Hindu e Maia), a Ciência já nasceu morta, muito por conta de uma concepção equivocada da natureza, na qual o Universo seria um grande organismo governado por uma multidão de divindades e sujeito a um constante ciclo de morte e renascimento, tornando impossível o desenvolvimento de leis físicas sobre as quais a Ciência se sedimenta.
Ao longo da Idade Média, exatamente o período considerado pelos inimigos da Igreja como a “Idade das Trevas”, verificam-se importantíssimos esforços em prol da Ciência, principalmente quando se considera o papel do mosteiros, com destaque para os beneditinos. Os monges foram elementos essenciais para a evangelização de diversos povos bárbaros que viviam nos arredores dos mosteiros, transmitindo a eles, especialmente aos jovens, conhecimentos científicos e formação cristã, através das chamadas escolas monasteriais. Os mosteiros foram ambientes tão férteis e singulares para a formação na Idade Média que é praticamente impossível mencionar qualquer grande intelectual medieval que não tenha sido letrado em um mosteiro. Os monges também foram os responsáveis por preservar e produzir cópias da Bíblia e dos clássicos da cultura greco-romana que, sem esse esforço, teriam sido destruídos ante as invasões dos bárbaros.
As universidades, sinônimos de conhecimento científico, razão e progresso em nossos dias, também surgiram na Idade Média, sob a égide da Igreja. A primeira universidade do mundo é a de Bolonha (Itália), fundada em 1088, a partir da fusão da escola episcopal com a escola monacal camalduense de São Félix. A segunda, mais famosa, é a Universidade Sorbonne de Paris (1170), surgida a partir da escola episcopal de Notre Dame e fundada por Sorbon, confessor de São Luiz IX. Destaca-se, ainda, a Universidade de Oxford (Inglaterra) (1167), oriunda de uma escola monacal organizada como universidade por estudantes da Sorbonne de Paris. A Universidade de Roma, La Sapienza, fundada em 1303 pelo Papa Bonifácio VIII, paradoxalmente foi palco de um triste episódio recente, ocorrido em janeiro de 2008, no qual um grupo de estudantes e professores impediram que o Papa Bento XVI ministrasse uma aula inaugural. Em 1608, havia mais de cem universidades na Europa e nenhuma no resto do mundo, com exceção da América Espanhola; dessas, mais de oitenta tiveram sua origem na Idade Média.
Vale ressaltar que, embora a Igreja sempre tenha colaborado com a Ciência, isso nunca foi uma meta, já que, conforme o padre Georges Lemaître, propositor da teoria que hoje conhecemos como Big Bang, “à Igreja, bastam a cruz e o Evangelho”.
Caso Galileu: falseamento da História contra a Igreja
Galileu Galilei (1564-1642), matemático, físico, astrônomo e filósofo italiano, é frequentemente invocado como um exemplo de mártir da Ciência, um dos mais famosos dentre aqueles que teriam sido torturados e mortos pela Inquisição; uma prova de que a Igreja é uma instituição obscurantista e cruel, reforçando a tese da “Idade das Trevas”.
Em primeiro lugar, Galileu, tendo sido, de fato, condenado pela Inquisição, não foi queimado nem sequer torturado. Como de praxe, a menção aos castigos físicos era parte integrante do processo inquisitório e isso, certamente, causou bastante sofrimento mental no cientista. Porém, muito diversamente ao que o senso comum e os livros de História normalmente ensinam, Galileu viajou de Florença a Roma em 1633, tendo permanecido, para seu julgamento, não em uma prisão, mas, inicialmente, na Embaixada da Toscana. Ao longo dos poucos dias que passou no Vaticano, ele esteve não em uma cela, mas em um apartamento especial de três cômodos disponibilizado por um dos padres inquisidores. Para completar, foi permitido que suas refeições fossem preparadas pelo cozinheiro-chefe da Embaixada Italiana, sendo trazidas até ele no aposento já mencionado. Consumada sua condenação, não foi sequer encarcerado, tendo sido submetido à prisão domiciliar, primeiramente na Villa Medici, em Roma, depois no Palácio do Arcebispo, em Siena. Após longo período, finalmente concluiu sua pena em sua própria casa de campo nos arredores de Florença.
Em segundo lugar, é preciso destacar os reais motivos que culminaram na condenação de Galileu. Ele não foi condenado simplesmente por ter defendido que a Terra girava em torno do Sol, principalmente porque Nicolau Copérnico (1473-1543), cônego católico, já havia proposto esse sistema (chamado heliocêntrico) muito antes de Galileu. Os problemas do astrônomo com a Inquisição começaram em 1616. Convencido de que a Terra se movia e de que certos trechos da Bíblia, se tomados de forma literal, sugeriam o contrário, ele escreveu duas famosas cartas aos amigos Benedetto Castelli e a grã-duquesa Cristina de Lorena, nas quais apresentava uma nova interpretação de determinados textos das Escrituras, assumida por ele como a verdadeira. Ocorre que, à época de Galileu, a Reforma Protestante estava completando um século e o Concílio de Trento (1545-1563) havia determinado, entre outras normas, a proibição de leigos interpretarem os textos sagrados de forma diversa e sem a assistência da Igreja. Tratava-se de uma medida que visava a combater a tese do livre exame, defendida por Lutero e já bastante difundida no meio protestante. Perante o tribunal da Inquisção, Galileu comprometeu-se em não defender mais o sistema heliocêntrico. Embora hoje se possa assumir como não razoável defender o sistema geocêntrico (Terra como centro do Universo), conforme se poderia extrair de uma leitura literal da Bíblia (Ex: Ecl 1,5), vale ressaltar que essa polêmica envolvendo Galileu se deu em um tempo em que ainda não era possível comprovar que a Terra de fato se movia no espaço e que os argumentos que o próprio Galileu utilizava para defender sua tese eram bastante frágeis e, à luz da Astrofísica moderna, até equivocados.
A condenação de Galileu sob a Inquisição se deu, entretanto, por um evento subsequente.
O cardeal Maffeo Barberini (1568-1644), que havia advogado a favor de Galileu no processo de 1616, agora eleito Papa Urbano VIII, foi procurado por Galileu a fim de que tivesse autorizada a publicação de um livro de sua autoria. Nessa obra, de 1632, intitulada Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, Galileu coloca em oposição exatamente o sistema ptolomaico/aristotélico (geocêntrico) e o formulado por Nicolau Copérnico (heliocêntrico), que são representados como duas personagens em um debate de argumentos. O Papa Urbano III havia concordado com a publicação do livro sob as seguintes condições: que se evitasse defender o sistema copernicano, limitando-se a expor seu funcionamento; e que fosse incluído um argumento apresentado pelo próprio papa: Deus, que é onipotente, poderia dispor as estrelas e planetas da maneira que quisesse, de modo que essa disposição seria insondável e incompreensível ao ser humano. Entretanto, ao longo da trama do livro, Salviati, personagem copernicista, ganha todas as dicussões contra Simplício (nome propositadamente escolhido por Galileu e que deixava clara a sua inclinação ao sistema heliocêntrico). Para piorar, Galileu põe o argumento do papa na boca do perdedor. Essa desobediência culminou no processo inquisitório de 1633 descrito no segundo parágrafo dessa seção, que resultou na prisão domiciliar de Galileu.
Assim, conforme discutido, Galileu não foi julgado e condenado pela Inquisição por ter defendido a Ciência, mas por ter se manifestado contra uma norma imposta pelo Concílio de Trento (que não dizia respeito a questões científicas) e por, em um segundo e derradeiro momento, ter desobedecido a uma expressa determinação papal.
Grandes cientistas católicos
Contra as mais contundentes expectativas de muitas pessoas em nossa época, a Igreja não só propiciou e estimulou o surgimento e desenvolvimento da Ciência moderna, como, do seu meio, surgiram cientistas importantes, cujas contribuições revolucionaram a história. A grande maioria desses cientistas, contudo, ou é desconhecida do grande público ou, sendo conhecidos, ignora-se que, antes de grandes homens da Ciência, foram piedosos católicos. A lista é extensa, porém alguns merecem destaque:
- Francis Bacon (1214-1294): monge franciscano, professor nas universidades de Oxford e Paris, considerado o precursor do método científico moderno;
- Nicolau de Cusa (1401-1464): cardeal, precursor de Nicolau Copérnico quanto à tese de que a Terra não era o centro do Universo, com base na consideração do movimento e diferentes velocidades dos astros;
- Gerberto de Aurillac (999-1003): mais conhecido como Papa Silvestre II, matemático e sábio, primeiro a introduzir o sistema numérico arábico e expor sua vantagem em relação à numeração tradicional romana; popularizou o emprego do astrolábio;
- Nicolaus Steno (1638-1686): ex-luterano e padre, estabeleceu os princípios básicos da Geologia moderna e é chamado o pai da Estratigrafia (ramo da Geologia que estuda as camadas de rocha); primeiro a afirmar que a história da Terra poderia ser contada a partir das rochas;
- Christóforo Scheiner (1573-1650): padre, professor de destaque do Colégio Romano (mais tarde, Universidade Gregoriana Romana); fabricou o primeiro telescópio terrestre, realizou e publicou importantes estudos na área da Oftalmologia;
- Francisco Maria Grimaldi (1613-1663): padre, mediu a altura das montanhas lunares e a altura das nuvens; descobridor do fenômeno da difração da luz;
- Angelo Secchi (1818-1878): padre jesuíta, pai da Astrofísica, primeiro a utilizar a técnica da espectroscopia para a classificação de estrelas;
- Gregor Mendel (1822-1884): frade agostiniano, considerado hoje o pai da Genética por ter sido o primeiro cientista a descobrir os mecanismos básicos da hereditariedade;
- Georges Lemaître (1894-1966): padre jesuíta, apresentou as bases da teoria da expansão do Universo, que ele chamava “Hipótese do Átomo Primordial”, mais tarde batizada de Teoria do Big Bang; pioneiro na aplicação da Teoria da Relatividade Geral de Einstein à Cosmologia.
É interessante notar que as contribuições de muitos desses cientistas católicos para o desenvolvimento e consolidação das ciências têm sua ênfase na Cosmologia e na Astronomia. Por muitos anos, diversas catedrais da Europa eram utilizadas como observatórios solares, em épocas em que os instrumentos de observação mais precisos se encontravam justamente lá, atraindo e possibilitando os estudos de inúmeros cientistas.
Atualmente, a Igreja continua estimulando e contribuindo para o aperfeiçoamento do conhecimento astronômico, principalmente através do Observatório do Vaticano, o Specola Vaticana, importante instituto de pesquisa astronômica, fundado pelo Papa Gregório XIII em 1572. Nas palavras de J. L. Heilbron, historiador americano da Universidade de Berkeley (Califórnia), “a Igreja Católica deu mais ajuda financeira e suporte social ao estudo da Astronomia por seis séculos do que qualquer outra instituição”. Curiosa e ironicamente, demonstrando uma profunda ignorância acerca dos fatos, os inimigos da Igreja e da fé frequentemente lançam mão de argumentos astronômicos como provas incontestes da inexistência de Deus, do fracasso da religião em explicar a verdade e da doutrina católica como obscurantista.
Por um Congregado Mariano