Os dois modos de aprender em Santo Tomás de Aquino

Em sua obra De Magistro, Santo Tomás ensina que há dois modos de aprender (Art. 1F):

Assim como alguém se cura destes dois modos: ou apenas pela operação da natureza ou pela natureza com a ajuda da medicina, assim também há dois modos de adquirir a ciência: um, quando a razão natural por si mesma chega ao conhecimento das coisas desconhecidas – e tal modo chama-se invenção; outro, quando à razão natural algo é ministrado externamente como ajuda, e esse modo chama-se disciplina.

Naquelas coisas que se fazem por natureza e arte, do mesmo modo opera a arte e pelos mesmos meios que a natureza. Como a natureza no que trabalha a partir de uma causa fria, aquecendo induz a saúde, assim o médico; donde se diz que a arte imita a natureza. Igualmente acontece na aquisição da ciência, quando do mesmo modo o que ensina induz outra pessoa para a ciência do desconhecido, como alguém que ao inventar induz a si mesmo para o conhecimento do desconhecido.

O processo, porém, da razão que chega ao conhecimento do desconhecido ao inventar, dá-se porque aplica os princípios comuns por si mesmos conhecidos a determinadas matérias, e daí caminha para determinadas conclusões, e dessas a outras; donde, segundo isso, se diz que alguém ensina a outrem, porque tal discurso da razão, que ele se faz por razão natural, expõe a outro por meio de sinais e assim a razão natural do discípulo, através daquelas coisas a si propostas, como através de alguns instrumentos, chega ao conhecimento do desconhecido.

Assim como se diz que o médico causa a saúde no doente com a operação da natureza, também se diz que o homem causa a ciência em outro, pela operação da razão natural desse: e isso é ensinar. Daí se diz que um homem ensina a outro e é mestre desse.

A este respeito, afirma o padre Donohue em seu S. Thomas and Education, que o melhor caminho para aprender é o da investigação independente, isto é, da invenção. E isto é notavelmente ilustrado nas façanhas de crianças com altas habilidades que aprendem sozinhas a ler ou, como Mozart, de três anos, a tocar um instrumento musical antes de terem recebido qualquer instrução.

Todos nós empregamos esse método de maneira menos espetacular quando adquirimos algum conhecimento ou alguma habilidade por meio de nossa própria experiência e esforço. Este procedimento não só manifesta maior poder intelectual no aluno, pensava São Tomás, mas também é mais perfeito. Pois aprendemos, neste caso, através de um contacto imediato com as realidades em questão, ao passo que, quando somos ensinados, os “sinais” do professor (geralmente verbais – ilustrações, explicações, etc.) intervêm e, na melhor das hipóteses, apontam-nos para aqueles realidades. No entanto, é um talento raro que possa dispensar totalmente a ajuda de um professor e fazê-lo é, em qualquer caso, demorado. De modo que o principal valor desta segunda forma de aprendizagem, isto é, aprender através do ensino, é o da eficiência: A maioria dos homens não teria tempo nem coragem para aprender tudo o que precisa saber se os professores não facilitassem e acelerassem o processo para eles.

A recomendação de São Tomás deixa clara a primazia desse modo pessoal de descoberta. O professor, diz ele, deve modelar seu método de acordo com aquele usado naturalmente, quando o aluno aprende sozinho. Isto baseia-se no princípio geral de que sempre que um efeito pode ser produzido por um processo natural ou por um método artificial, o método deve ser, tanto quanto possível, o mesmo que o da natureza. O Doutor Comum sublinha a diferença que existe entre uma obra que só pode ser produzida por meios artificiais (por exemplo, a construção de uma máquina) e uma obra que também pode ser produzida pela natureza (por exemplo, o crescimento de uma planta). O ensino pertence à segunda categoria. Um profes“sor se esforçará para ajudar e não substituir as energias naturais de seu aluno. Ele não será como um engenheiro, mas como um agricultor que ajuda o crescimento da árvore através da rega, da poda e da remoção de ervas daninhas: A principal causa do crescimento é o vigor natural da árvore, o agricultor está apenas auxiliando-a.

O processo de aprendizagem, assim, não é uma transfusão do conhecimento, como se afirmaria na Pedagogia moderna, nem pode se sujeitar a ser um verbalismo vazio, em que o mestre apresenta o programa e os alunos o recebem de modo passivo. Antes, cabe ao mestre servir como verdadeiro mediador entre o programa e o aluno, conhecendo bem a ambos e adaptando, estabelecendo elos, facilitando, ampliando, afeiçoando o ensino, de sorte que se realize da maneira mais eficaz possível.

Desde Descartes temos sido vítimas de uma ênfase exagerada nos métodos. O aluno é, nessa perspectiva, visto de modo mecanicista. Ensinar tornou-se sinônimo de tentar inserir informações no aluno como se ele fosse uma máquina passiva em vez de uma mente viva. São Tomás se opõe de modo absoluto a esta caricatura do verdadeiro ensino ao explicar que os procedimentos de ensino serão mais eficazes quando padronizados de acordo com os da invenção independente.

Um bom professor, assim, fará com que a diferença entre aprender por descoberta e aprender por instrução seja tão estreita quanto possível. Em outras palavras, ele ajudará seus alunos no aprendizado, de modo que sua experiência lhes pareça uma descoberta. Alguns grandes professores realmente têm esse dom. Suas aulas são tão boas que você está constantemente descobrindo coisas novas e se entusiasmando com elas. O desafio e o entusiasmo de aprender são mantidos vivos pelo evidente amor que esses homens têm pela matéria.

Talvez pudéssemos usar outra ilustração de São Tomás para compreender melhor sua concepção do papel do professor, ainda empregando as palavras do Pe. Donohue:

O exemplo usado por Santo Tomás é o de um médico que atende um homem que foi acometido por uma infecção. Em muitos casos, se o paciente não fosse atendido, o seu corpo mobilizaria as suas forças restauradoras e acabaria por curar-se. A arte do professor é semelhante à deste internista, pois tudo o que o professor pode esperar fazer é fortalecer os recursos do aluno e facilitar o seu exercício.

O significado da analogia é suficientemente claro, seja ela clinicamente precisa ou não. Sempre que ocorre uma verdadeira aprendizagem, a sua causa principal é o próprio aluno. Na terminologia de São Tomás, o professor é chamado de causa secundária e instrumental – útil, mas não indispensável. Ele não pode transferir seu próprio conhecimento para o aluno, mas apenas ajudá-lo a alcançar um aprendizado semelhante para si mesmo.

Quanto dista isto da concepção moderna de ensino onde o professor depende exclusivamente de meios artificiais (recursos, métodos, materiais, etc) e aos poucos perde de vista sua verdadeira função: estimular a mente viva do aluno, orientar o desenvolvimento de seu intelecto. A ênfase na “medida” da educação com notas obtidas através de testes é, em parte, resultado desta falsa filosofia. O conhecimento segundo São Tomás é uma qualidade da mente viva e não uma quantidade de informações retidas.

Podemos aprofundar um pouco mais no assunto e analisar como o professor pode auxiliar o aluno a adquirir conhecimento. Tomaremos o exemplo da geometria. Esta ciência usa o raciocínio dedutivo para estabelecer um corpo de conclusões demonstradas a partir de algumas premissas aceitas. É função do professor fornecer ao aluno uma boa compreensão dos primeiros princípios da geometria. Ele também ajudará o aluno a aprimorar sua habilidade na resolução de problemas, explicando-lhe o processo básico quando o aluno tiver uma dificuldade; ele lhe dará exemplos, comparações, esquemas etc, que serão “indicadores” guiando o aluno compreender esta ou aquela verdade particular.

Quando alguém está diante de uma parede alta demais para pular, pode precisar da ajuda de alguém para apontar uma escada que  não tinha visto. A arte do professor consiste em empregar a linguagem com tanta habilidade que seu aluno irá além das palavras para chegar às realidades que elas significam.

Por um Congregado Mariano da
Congregação Mariana da Imaculada Conceição, Manaus/AM

Artigos Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *