Os Sinais da Vocação Sacerdotal

É necessário ter vocação divina para receber as ordens sacras. Sobre esta necessidade, argumenta Santo Afonso1 que, para entrar em qualquer estado de vida, é necessário ser a isto chamado por Deus. Sem esta vocação, ou é impossível ou é muito custoso cumprir os deveres de estado e alcançar a salvação. Se para todos é necessária a vocação, então sobretudo é indispensável para os aspirantes ao estado eclesiástico, cujos deveres constituem diretamente a glória de Deus e a salvação das almas.

Como afirma São João Crisóstomo, citado por Santo Afonso2: “Aquele que aspira às ordens sacras deve antes de tudo examinar bem se é Deus quem o chama a tão alta dignidade”. Ora, para se conhecer se a vocação vem de Deus, é necessário examinar os sinais dela: a reta intenção, a ciência e os talentos e a bondade positiva de vida3.

RETA INTENÇÃO

Segundo Santo Afonso: “Em todas as suas ações, deve o padre ter a intenção de tudo fazer só para Deus”, só para agradá-lo. Esta é a que o santo classifica como a reta intenção, em oposição a outras intenções, como a de agradar a si mesmo ou a outrem. Assim, também a ação de buscar o sacerdócio deve ser movida por esta mesma intenção, chamada “alquimia celeste”, pois “converte em ouro todas as nossas ações”4.

Sobre os candidatos que desejam o sacerdócio sem esta disposição da reta intenção, o santo afirma, com as palavras de um teólogo e de Santo Anselmo, que não é Deus quem o chama, mas o demônio; e que este indigno candidato receberá a maldição de Deus, ao invés de sua bênção 5.

São João Crisóstomo, em todo o seu diálogo com São Basílio Magno, demonstra a gravidade da vocação sacerdotal. Censura a falácia dos que aceitam o sacerdócio, mesmo por instância alheia à sua vontade, de amigos ou familiares, e se utilizam desta desculpa para justificar ou sua resolução irrefletida, ou suas faltas: “Quando o homem recebe honras superiores aos seus merecimentos, não deve servir-se delas para desculpar as suas faltas. Cumpre-lhe, ao contrário, usar dos favores divinos para se adiantar, o mais possível, nas virtudes”6.

CIÊNCIA E OS TALENTOS

O segundo sinal da vocação é a ciência e a capacidade intelectual necessária para desempenhar convenientemente as funções sacerdotais. Como se lê nas Sagradas Escrituras, é dos sacerdotes que os fiéis devem ser educados e receber a lei divina: “Porque os lábios do sacerdote devem ser os guardas da ciência, e da sua boca receberão os outros a lei”7. Desde que recebeu o hábito e a prima tonsura, Santo Afonso adotou para si esta máxima: “Preciso de ciência para me tornar capaz de defender a religião, combater o erro e a impiedade; devo pois aproveitar-me de todos os meios possíveis para adquiri-la”8; e posteriormente ensinou como obrigatório aos sacerdotes9.

A justificativa é que no caso de um padre que ignore os princípios da doutrina e da moral, sobretudo se for confessor, serão ensinadas falsas doutrinas e dados maus conselhos, causando a ruína de muitas almas10. Por isso, conclui o santo, todo o padre está obrigado a conhecer, além das rubricas do Missal, a fim de celebrar dignamente os Santos Mistérios, também ao menos os princípios gerais da moral e do sacramento da Penitência11.

BONDADE POSITIVA DE VIDA

O terceiro sinal de vocação sacerdotal é a bondade positiva de vida. Antes de tudo, o candidato ao sacerdócio ter uma vida inocente, não manchada de pecados, o que se poderia chamar de bondade negativa. “Se haveis, pois, contraído algum mau hábito, e ainda não o arrancastes, não vos atrevais a receber nenhuma Ordem sacra”12. Conclui Santo Afonso, com Santo Isidoro, que se devem recusar absolutamente as Ordens sacras a qualquer candidato ainda preso aos vícios. Porque, como argumenta São Bernardo, “é necessário, ao menos, que ponhais em regra a vossa consciência, antes de vos ocupardes da consciência dos outros”13.

Mas, tratando-se da honra do sacerdócio, apenas estar isento de pecado, a bondade negativa, não basta. É necessária a bondade positiva de vida, que consiste em progredir na via da perfeição, em possuir atualmente algum hábito de virtude. Duas razões apresenta Santo Tomás de Aquino para esta necessidade. Em primeiro lugar, quem “recebe as santas Ordens deve elevar-se acima dos simples fiéis pela santidade, na mesma proporção em que os excede pela dignidade do seu ministério”; em segundo, “na ordenação recebe-se a missão de exercer ao altar as mais altas funções, para as quais se exige maior santidade do que para o estado religioso”14 . E é ainda necessário, conforme o mesmo Santo Tomás, que esta bondade positiva dos ordinandos seja pública e de todos conhecida. Esta sentença é bastante razoável, dado que o sacerdote é tirado do meio dos fiéis e posto por Deus a frente deles, para conduzi-los. Neste mesmo sentido, argumenta São João Crisóstomo:

Para uma obra desta importância, só devem ser propostos os que sobressaírem à multidão pela excelência das suas virtudes e, no meio de todos se distinguirem muito mais ainda pelas qualidades de sua alma do que pela superioridade de sua estatura, como Saul se fazia notar no meio do povo de Israel”15

NOTA SOBRE OS QUE ACEITAM O SACERDÓCIO SEM AS DISPOSIÇÕES

Conforme D. Columba Marmion16, todo homem age movido por uma causa em seus atos deliberados. Esta causa determina o valor dos seus atos. Portanto, conclui o autor que é fundamental conhecer a intenção e a finalidade dos atos da vontade, pois “o homem vale aquilo que busca”17. A finalidade da escolha do estado eclesiástico, como visto, deve ser a correspondência ao chamado de Deus. Na ordem da sua Providência, Deus assinala a cada um o seu estado de vida e prepara as graças e os socorros próprios para o estado ao qual chama. “Deus concede por misericórdia aos homens os socorros que, de certo modo, deve por justiça aos que são legitimamente chamados”18. Destas graças ficam privados os que não obedecem à vocação divina, correndo o risco de nem serem justificados, tampouco glorificados 19. Santo Afonso também afirma que aqueles que entram nas ordens sacras sem vocação cometem um pecado contra o Espírito Santo e hão de ver-se abandonados por Deus, condenados  a um opróbrio eterno e a desgraças sem fim20.

Como simples fiéis católicos, podemos observar os estragos que causam à nossa vida cristã as faltas a quaisquer um dos sinais apontados acima, sobretudo uma vida dissoluta e uma intenção desordenada de agradar a nós mesmos e às criaturas, que corrompe até as melhores obras. Entretanto, quando observadas numa alma sacerdotal, estas faltas  causam  mais e maiores males, pois além de ofenderem muito mais a Deus, fazem esfriar o fervor da devoção, e perder  a vitalidade da fé de tantas outras almas. Certamente por isso o demônio tanto desferiu golpes no Corpo Místico de Cristo, no decorrer dos séculos, pela ruína doutrinal e moral de seus sacerdotes.  Também por isso a Igreja sempre recomendou  insistentemente aos fiéis orações pelo clero. Sobretudo nestes tempos de crise, devemos rezar e oferecer nossos pequenos sofrimentos pela santificação dos sacerdotes.

 

  1. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 131
  2. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros, 2014, p. 135
  3. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros, 2014, pp. 135 – 140
  4. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 319
  5. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 138
  6. CRISÓSTOMO, J. Os seis livros do sacerdócio. São Paulo: Cultor de livros, 2015, p. 75
  7. Malaquias II, 7
  8. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 12
  9. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 114
  10. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 138, 139
  11. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 139
  12. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 140
  13. CLARAVAL, S. Bernardo de. Apud: LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 140
  14. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 141
  15. CRISÓSTOMO, J. Os seis livros do sacerdócio. São Paulo: Cultor de livros, 2015, p. 27
  16. cf. Jesus Cristo, ideal do monge, 2018, p. 15-18
  17. MARMION, OSB. Jesus Cristo, ideal do monge, 2018, p. 18
  18. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 148
  19. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, pp. 144-145
  20. LIGÓRIO, S. A. M. D. A selva. São Paulo: Cultor de livros. 2014, p. 142-146

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